sábado, 27 de março de 2010

Livre-arbítrio, uma tentativa de explicar o inexplicável.

Sempre se tentou encontrar uma explicação, uma justificativa para o sofrimento e os problemas do mundo. Dentro da concepção, adotada pelas religiões, de um Deus soberanamente bom e justo, a responsabilidade de todos os problemas do mundo só poderia recair sobre os ombros das pobres criaturas, os homens, que teriam feito mau uso de seu livre-arbítrio. Que Deus lhes deu vontade livre para pensar e fazer e, dentro dessa liberdade, mesmo as leis divinas estando impressas eternamente em sua mente, não as obedecem e, assim, agem erradamente. Do mesmo modo limbo, céu, inferno, pecados e castigos, pecado original, reencarnações dolorosas, méritos e deméritos nasceram dessa tentativa de explicar aquilo que ainda é inexplicável, e das observações daquilo que acontece na vida.

Desde sempre o homem buscou explicações para tudo que lhe sucedia, particularmente, se o que acontecia lhe fosse desagradável. Porque o homem sofre? A causa, como asseguram as diversas crenças e religiões, “não’ pode ser o Deus, para nós ainda desconhecido. A causa, portanto, só pode estar no homem. Será verdade essa maneira de ver as coisas?

Os mistérios sempre desafiaram o homem, pela sua ânsia de compreender e de dominar a natureza e o semelhante. Como não poderia ser Deus o causador do sofrimento, chegou-se à explicação “lógica”(?) de que, se o homem sofre, sofre porque agiu erradamente; se é feliz, é feliz porque agiu acertadamente. Sem dúvida, se o homem age erradamente pode prejudicar a si próprio e a semelhantes. Não é isso que vemos no dia-a-dia do mundo, desde os mais inocentes desentendimentos até os conflitos e guerras mais cruéis e destruidoras de tudo que o próprio homem construiu? Então o homem sofre porque age erradamente, mas não porque, como ensinam as doutrinas, esse sofrimento está previsto numa lei que lhe impõe punição, mesmo que educativa, por seu procedimento incorreto. É a lei de causa e efeito: se causou um dano, pode sofrer se esse dano o atingir; e pode fazer outros sofrerem, também; isto é lógico. Qualquer tentativa de explicar, como dizem as religiões, que o seu sofrimento vem de sua responsabilidade e culpa, isto é, que sofre como um castigo ou punição, mesmo que educativo-instrutiva, não cabe dentro da idéia de um Criador onisciente, onipotente e amoroso que, por sua onisciência, saberia desde sempre o que cada uma de suas criaturas faria de errado e de certo, de conformidade com suas leis ou das leis da vida e, de antemão, também sabia o que, cada uma, individualmente, sofreria devido aos seus desacertos. Seria como o fabricante de brinquedos que, mesmo sabendo que um brinquedo, por estar com algum defeito, destruiria, mataria, seria perigoso, produziria tantas dores, assim mesmo o faz e o entrega às crianças. Quem é o responsável? O brinquedo, as crianças, o fabricante?

Percebemos que temos de, urgente e necessariamente, repensar as concepções religiosas. Ou vamos permanecer cheios de ilusões, esperanças, remorsos e, sobretudo, culpas e medos. Vivemos dentro dessa tremenda ilusão de que a criatura é responsável pelo seu próprio sofrimento. Em certo sentido, esta é uma verdade; contudo, no sentido de que sofre porque fez outros sofrerem é um enorme absurdo. Não há punições infringidas por ninguém, nem por Deus, nem pelo próprio homem. O que acontece é que o ser humano está fechado na escuridão de sua enorme ignorância e nada vê, nada percebe, nada interpreta corretamente. Ele está com os olhos “cheios de terra”, como disse Teresa de Ávila; com os olhos “cheios de espessas trevas”, como disse Jesus. Essa é toda a causa do sofrimento que existe no mundo: os olhos “tapados”, a ignorância que só pode ser dissipada com o conhecimento da verdade que liberta. “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Não há culpados, ninguém a ser responsabilizado.

É evidente que nós devemos, e a sociedade deve tomar suas precauções. É como o escorpião que pica e envenena. É de sua natureza agir assim. O mesmo ocorre com o homem: é de sua natureza, ser, ainda, aquilo que ele é; é de sua natureza agir como age. Evidentemente, se temos por perto um animal perigoso, nos afastamos dele ou o afastamos de nós e dos nossos para que nenhum mal nos cause. Do mesmo modo, um homem perigoso, perverso, criminoso, ou dementado, deve ser afastado do convívio da sociedade para que a ninguém prejudique. Mas ninguém tem culpas de como pensa e de como age; cada um, apenas, é o que é. Cada um age de conformidade com aquilo, que em sua compreensão, mais ou menos deficiente, acha que deve agir. O problema é que estamos fechados nesta casca espessa de ignorância e imaginamos e criamos e inventamos um sem numero de explicações, respostas para nossas interrogações acerca da vida. Só isso. Essas respostas, por mais que nos esforcemos, que imaginemos, que raciocinemos, nunca vamos atingir. Enquanto o homem não afastar esse espesso véu de ilusões, enquanto não romper essa ignorância, que não o deixa conhecer a verdade, continuará sofrendo e fazendo outros sofrerem. Essa é a vida e o sofrimento. Não há como fugir disso. A única solução é buscar o conhecimento da verdade citada por tantos sábios. É afastar o obstáculo que não nos deixa conhecer a verdade. E, isso é difícil. porque esse obstáculo é o próprio “ego”, a própria mente onde estão armazenadas as ilusões e suposições recebidas, desde que viemos à existência, daquilo que a cultura, as tradições, os costumes, crenças e religiões nos transmitiram. E como afastar esse obstáculo, se ele é nossa mente e, por conseqüência, ele é nós mesmos? Como ensinou o profeta do Antigo Testamento, “Aquieta-te e sabe: eu sou Deus”; como ensinou Jesus, “Quando quiseres falar com teu Pai, fecha-te em teu quarto e, em silencio, em oculto fala a teu Pai que em oculto te ouve”.

Aquietar a mente, falar ocultamente, estas são as recomendações...

Vejam só, amigos, um exemplo simples de como nossas escolhas não dependem de nosso livre-arbítrio, de nossa vontade: você caminha por uma estrada que, de repente, se bifurca; por qual das duas vai prosseguir? Ninguém decide ou escolhe como num jogo de cara-ou-coroa, nem num estalar de dedos. Sempre analisamos, por mais simples que essa analise seja, qual a estrada a seguir; a mais vantajosa, a mais sombreada, a que tem menos obstáculos a transpor. E porque essa analise é necessária e produtiva? Porque, pelas experiências anteriores na nossa vivencia de todos os dias, já aprendemos alguma coisa. Aprendemos que devemos continuar por aquela cuja ponte está inteira, pela mais sombreada, pela cujo pavimento é melhor etc. Só não age assim aquele que está desesperado, enlouquecido, descontrolado e, por isso, pode até continuar sua marcha pela estrada pior, ou cometer desatinos, como vemos no mundo. Até para escolhermos entre guloseimas, analisamos: se o apetite é grande, a maior; se não, a mais apetitosa ou que nos parece mais saborosa etc. Logo, nosso dito “livre-arbítrio” nunca é totalmente livre: está sempre atrelado, preso ao conhecimento, à compreensão anterior, que já temos das coisas e do mundo. E se não é totalmente livre, não é livre-arbítrio. Todas as escolhas que fazemos e todas as decisões que tomamos estão totalmente presas ao nosso passado e, assim, portanto, não agimos totalmente livres. Do mesmo modo acontece em todos os aspectos da vida coletiva ou individual. Sempre, qualquer decisão, escolha ou arbítrio, depende totalmente da experiência anteriormente adquirida. Não escolhemos livremente. Talvez, para nos esclarecer isso, o apóstolo Paulo tenha afirmado: “É o Senhor que opera em nós o pensar e o fazer”. Pense nisso!

quinta-feira, 25 de março de 2010

(6) ‘A CONSCIÊNCIA DO UNIVERSO’ Jan 2008


(Amit Goswami)

(Amit Goswami, filho de um brâmane, é titular de Física Quântica do Instituto de Física Teórica da Universidade de Oregon, EUA. É autor de numerosos textos científicos).



Prova, através de revelações da física quântica, que a Consciência Universal, ou Consciência Una, à qual damos o nome de Deus, cria o universo material, e que não é, como sempre julgou a ciência clássica, a matéria cerebral que cria a mente ou consciência. Traz revelações de graves implicações, explicando mesmo porque ciência e ‘religião’, antes adversárias, hoje podem se dar as mãos.

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SUMÁRIO:

Introdução

Ciência e Espiritualidade

Algumas Propriedades Quânticas

Tudo existe em Deus

Ondas de Probabilidades – Imprevisibilidade – Incerteza

Ciência, Religião e Misticismo

Onda e Partícula

A Ciencia descobre a Transcendência

A Nova Filosofia e as Estranhezas Quânticas

Um Objeto em mais de um Lugar ao mesmo tempo

A Consciência Una (Deus) é quem escolhe

A Grande Ilusão

Consciente e Inconsciente

A Separatividade é Ilusão

Como existe o Universo

Como pode o Universo ter essa Aparência tão Real

Como uma Única Consciência torna-se Muitas

A Atenção

O Mecanismo Quântico do Cérebro

Cérebro e Mente – Reação a Estímulos

A Posição do Homem no Universo

O Eu da Consciência

Continuidade do Ego – Pura Ilusão

Criatividade

O Que é Meditação

Técnicas de Meditação

Amor e Ética

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INTRODUÇÃO

A ciência clássica parte da suposição, aceita por todos, de que, fora de nós, existe uma realidade real, objetiva, constituída de coisas sólidas ou não, objetos que possuem atributos (massa, peso, carga elétrica, momentum), ocupam lugar no espaço e têm existência contínua através do tempo, além de inércia, energia, e ainda forma e cor.

A física quântica, entretanto, afirma que o universo não existe sem que alguma coisa lhe perceba a existência. Essa alguma coisa é o cérebro de seres sencientes (que têm sensações, que sentem) sem o qual nada existiria no espaço-tempo. (Mas, e antes de haver seres sencientes, havia um universo?)

A nova física afirma, também, que a suposição de que o elétron seja um pontinho de matéria é totalmente errada. Isso porque o elétron parece uma nuvem composta de um número infinito de possíveis elétrons, que parecem uma única partícula quando, e apenas quando, o observamos (Ver o ‘experimento da dupla fenda’). Quando não está sendo observado, não é uma partícula única, parecendo uma nuvem, ondulando como uma onda que é capaz de mover-se a velocidades superiores à da luz, o que desmente o postulado de Einstein, de que nada material pode ultrapassá-la. Mas, quando o elétron se move com essas velocidades, não é, efetivamente, uma peça de matéria no espaço-tempo, mas uma nuvem de possíveis elétrons no espaço transcendental (fora do espaço-tempo), ali não havendo limite à sua velocidade.

Outra coisa, a interação (interatuação) de dois objetos quânticos. De acordo com a mecânica quântica, mesmo que os dois estejam separados por imensas distâncias, os resultados de observações feitas indicam que deve, forçosamente, haver entre eles uma dependência (conexão) que permite que a comunicação se mova mais rápida que a luz. Quando um deles sofre um estímulo, o outro, imediatamente, acusa o mesmo efeito, seja qual for a distância entre eles.

Ainda mais: um sistema (conjunto) quântico, como um elétron, em um estado físico fechado (sem que se permita a observação sobre o sistema) parece estar num estado indeterminado, incerto, mas, assim que é observado, a indeterminação se transforma em um estado definido, determinado, que era imprevisível antes da observação. (O gato de Schrödinger).

A física quântica veio demonstrar que o mundo objetivo, lá fora - um mundo que corre para frente no tempo, como um relógio; no qual a ação à distância, particularmente a ação instantânea, é impossível; no qual uma coisa não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo - é apenas ilusão nossa, interpretação errônea. Afirma que todos esses paradoxos (absurdos) são explicáveis e compreensíveis, desde que abandonemos a suposição de que existe uma realidade objetiva lá fora independente de nossa observação e da nossa consciência. E diz, ainda mais, que o universo é autoconsciente e que é a própria consciência que cria o mundo físico; que a consciência é algo transcendental, isto é, fora do espaço-tempo, não-local, e que é e está em tudo. Embora seja a única realidade, só podemos ter dessa consciência um vislumbre através de nossa observação, que é a ação que cria os aspectos material e mental de tudo que é percebido por nossos sentidos.

Com relação à dualidade mente e corpo, ou mente e cérebro, afirma que ela não existe; que a consciência é tudo, e mostra como uma única consciência pode ser tantas consciências separadas. O autor conta como vivenciou essa teoria ao compreender a verdade de que nada, senão a consciência, tem que ser experienciada, pelo indivíduo, a fim de ser realmente compreendida”.



INTEGRAÇÃO CIÊNCIA E ESPIRITUALIDADE

Nos últimos 400 anos, a crença adotada pela ciência era a de que esta só pode ser construída sobre a idéia de que tudo é feito de matéria, portanto de átomos, em um espaço vazio (infinito). O materialismo era verdadeiro ‘dogma’ (crença imposta pela ciência), apesar de sua incapacidade de explicar as experiências mais simples de nossa vida. Em resumo, deu-nos uma visão incoerente do mundo porque não conseguiu integrar (associar) mente (consciência) e matéria, as duas coisas com as quais estamos permanentemente em contato.

Amit afirma que a física a quântica lança uma ponte sobre o abismo existente entre ciência e religião, porque constrói uma ciência que pode incluir as religiões do mundo e trabalhar em cooperação com elas para se compreender a posição do homem no universo. E vem confirmar os ensinamentos dos antigos místicos de que a consciência, e não a matéria, é a essência de tudo o que existe; que é a consciência que cria a matéria e não o contrário, como a ciência clássica tem afirmado nos últimos quatro séculos.

Tudo que existe no universo é constituído daquilo que chamamos “objetos quânticos”. Eles se apresentam como ondas e, por isso, podem estar em dois ou mais lugares ao mesmo tempo. Mas, quando o objeto quântico é observado, ele é encontrado em um único lugar, aqui, e não ali. Quando observamos, a onda sofre um colapso (decai) e se transforma em partícula, num único lugar; quando não observamos, novamente se transforma em onda e pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. Estas afirmações, que parecem absurdas, foram confirmadas por numerosas e exaustivas provas científicas.

Portanto, é nossa consciência (através da observação) que produz esse efeito sobre os objetos quânticos, o que vem provar que estamos intimamente ligados com a realidade (é nossa consciência que cria tudo o que nossos sentidos percebem); que estamos totalmente ligados ao universo. A consciência é o agente que afeta os objetos quânticos (sejam microscópicos ou macroscópicos; não há objetos que não sejam quânticos), e os torna perceptíveis aos nossos sentidos. É ela que transforma as ondas de modo que podemos observá-las em um único lugar, como uma ou mais partículas. Tudo, dos elétrons às galáxias, é feito de consciência. É a consciência, e não a matéria, o elo que nos liga uns aos outros e ao mundo. E, diz o autor, se as pessoas realmente compreendessem isso, as opiniões delas sobre guerra e paz, poluição ambiental, justiça social, valores religiosos e todos os mais variados campos das atividades humanas, mudariam radicalmente.



ALGUMAS PROPRIEDADES QUÂNTICAS COMPROVADAS

- um objeto quântico pode estar em mais de um lugar ao mesmo tempo (a propriedade da onda; a nuvem de probabilidades);

- um objeto quântico só se manifesta na realidade espaço-tempo (nossa realidade), como partícula, quando o observamos (a nossa observação produz o colapso da onda que, instantaneamente, se transforma em partículas); quando não há observação, o objeto não se manifesta no espaço-tempo (ver o ‘experimento da dupla fenda’);

- o objeto quântico deixa de existir aqui e, simultaneamente, passa a existir ali, e não podemos dizer que ele passou através do espaço entre as duas posições, aqui e ali (o salto quântico);

- o efeito de nossa observação sobre um objeto quântico influencia, instantaneamente, seu objeto gêmeo correlato, pouco importando a distância que os separa (ação instantânea à distância, distância que pode ser imensurável).



TUDO EXISTE NA CONSCIÊNCIA (=Tudo existe em ‘Deus’)

Para a ciência anterior, tudo é feito de átomos e todos os objetos são reais e independentes dos sujeitos, nós, ou da maneira como os observamos. Essa idéia de que as coisas sejam constituídas de átomos não passa de suposição não provada em relação a todas as coisas. Quando a física quântica traz estas novas idéias, parecendo absurdas em relação àquelas da física clássica, cartesiana, tendemos a ignorar a possibilidade de que tais paradoxos (opiniões contrárias às comumente aceitas) estão surgindo devido à falsidade de suposições anteriores, (interpretações incorretas), aceitas, mas não comprovadas, esquecendo que uma suposição não se transforma em verdade só porque foi considerada verdade por muito tempo.

Para o realismo materialista, a consciência é destituída de importância (tanto que a psiquiatria tem encontrado resistência dentro da área médica; imaginem, destituído de importância aquilo a que todos nós nos sentimos intimamente ligados em todos os instantes de nossa vida!). A física quântica, contudo, oferece razões irresistíveis para se duvidar dessa afirmação. Mostra que há só uma realidade, a consciência, e não duas, consciência e matéria. A filosofia advinda da nova física reconhece que tudo, incluindo a matéria, nós, o mundo, existe na consciência e é por ela manipulado.

A filosofia do idealismo monístico (da nova ciência) proporciona uma interpretação da física quântica livre de paradoxos (contradições), coerente, lógica e satisfatória. Mesmo os fenômenos mentais, como auto-consciência, livre-arbítrio, criatividade, percepção extra-sensorial, telepatia etc., encontram explicações simples e aceitáveis, de tal modo que nos permitem compreender o nosso self (o sujeito da consciência) em total harmonia com aquilo que as grandes tradições espirituais ensinaram por milênios, mas que a ciência nunca aceitou e, mesmo, sempre ridicularizou. O homem, através dos séculos, tem relatado experiências “paranormais”, como a comunicação pela telepatia, mente a mente, e outras, sem necessidade de sinais locais e, hoje, há numerosas provas científicas de que isso pode realmente acontecer.

Pela física quântica, a consciência é fundamental, as experiências “espirituais” são reconhecidas como dotadas de pleno sentido, e são aceitas muitas das interpretações da experiência espiritual humana que deram lugar ao nascimento das várias religiões do mundo. Muitos conceitos das várias tradições religiosas tornam-se lógicos e satisfatórios quando os analisamos à luz dos experimentos da física quântica.

Os filósofos antigos, ao emitirem, através dos séculos, o famoso conselho “Conhece-te a ti mesmo e serás Deus”, certamente sabiam que nosso self (o sujeito da consciência) é que organiza e dá significado ao mundo. O auto-conhecimento nos faz perceber isso. A aceitação do realismo materialista (filosofia que afirma que todas as coisas, mesmo a consciência e a mente, são produtos da matéria) pela ciência clássica, contudo, mantinha essa visão alterada. Em vez de unidade com a natureza, a consciência separou-se dela cada vez mais, dando origem a uma psicologia separada da física, pois não pode com ela integrar-se, fazendo-nos viver sem saber que nós e o universo somos um. De tal modo isso é sério que o homem está destruindo o próprio mundo, agredindo-o de todas as maneiras (ameaças de destruição nuclear; guerras e mais guerras como meio absurdo de resolver litígios entre nações; fome endêmica, como na África, quando o que alguns países, sozinhos, produzem, daria para saciar a fome do mundo; poluição ambiental severa etc.). Tínhamos uma visão de mundo que produzia enorme separação entre nós e nossos semelhantes, esquecendo-nos de que todos compartilhamos dotes genéticos, mentais e espirituais idênticos ou muito semelhantes (o DNA do homem e o de muitos animais guardam enorme semelhança).





CAEM OS PRINCÍPIOS BÁSICOS DA FÍSICA CLÁSSICA

A mecânica quântica demonstrou que a visão do mundo conforme a ciência clássica é errada, embora muitos cientistas estejam ainda confusos a respeito disso. Apesar dos dados solidamente comprovados que desmentem importantes princípios fundamentais da ciência anterior, muitos cientistas ainda acreditam naquilo que já foi desmentido, como um mundo objetivo fora de nós, o mundo dos objetos, que existiria independente da existência de um observador (o princípio da objetividade forte); que o movimento de um objeto pode ser previsto com exatidão se considerarmos as leis do movimento, as condições iniciais do objeto e qual sua velocidade (o princípio do determinismo causal); a teoria da relatividade, de Einstein, de que nenhuma velocidade existe maior que a da luz, limitada a 300 mil km por segundo (o princípio da localidade, que afirma que todas as influências que se fazem sentir no espaço-tempo entre objetos materiais devem ser locais: elas têm que viajar no espaço, um pouco de cada vez, com velocidade finita).

Outro princípio, aceito pela ciência clássica, é o do monismo materialista: tudo que existe no mundo, mesmo mente e consciência, é feito de matéria. Isto é, a mente e a consciência são fenômenos produzidos pela matéria do cérebro, embora nenhum cientista saiba dizer como extrair mente e consciência da matéria cerebral.

Os cinco princípios básicos da ciência clássica foram desmentidos por numerosos experimentos da física quântica. Em vez de objetividade forte, o que existe é objetividade fraca: os objetos somente existem quando também existe um observador, observando-os. A objetividade depende, pois, do observador; os objetos não existem, simplesmente, fora de nós, como nos parece; não são compostos, durante todo tempo, de aglomerados de partículas formando corpos como os vemos, pois, quando não estão sendo observados se transformam em nuvens de ondas de possibilidades (fora do espaço-tempo).

O determinismo causal foi destruído porque nunca podemos determinar, com exatidão e ao mesmo tempo, a posição e a velocidade de um objeto quântico. Este não tem seu movimento previsível; se sua velocidade é conhecida sua posição será incerta, e vice-versa (Princípio da Incerteza, de Heisenberg). Só conhecemos a trajetória de um elétron quando o observamos; então, podemos encontrar o elétron. Quando não o observamos, o elétron existe como onda de possíveis elétrons, podendo ocupar dois ou mais lugares ao mesmo tempo e espalhar-se em grandes dimensões, sendo incerta, portanto, a posição na qual se manifestará quando for observado.

O princípio da localidade também foi destruído. Existem numerosas provas de que ocorrem comunicações entre objetos através de sinais que se propagam pelo espaço muito além da velocidade da luz e, até, comunicações instantâneas (fora do espaço-tempo, e por isso, não-locais. A velocidade das comunicações no espaço-tempo tem por limite a da luz, como comprovado por Einstein).

O princípio de que todas as coisas são feitas de matéria (monismo materialista) e de que a consciência é produzida pela matéria do cérebro caiu também. A nova física afirma que tudo é feito de consciência, mesmo os elétrons e, em conseqüência, todos os objetos; assim, consciência e mente não são fenômenos produzidos pela matéria cerebral. Na realidade, é a consciência que produz a matéria, o cérebro e todas as coisas que existem. E só as produz quando a nuvem quântica de probabilidades é observada por seres sencientes, o que lhe provoca o colapso e a transforma em partículas, isto é, objetos no espaço-tempo; matéria, portanto.

Enquanto o movimento, na física clássica, é contínuo, na quântica é descontínuo. Entre observações jamais se poderá dizer que um objeto está aqui ou ali enquanto não se manifeste pelo colapso da nuvem de probabilidades. No átomo, o elétron salta de uma órbita para outra sem jamais passar pelo espaço entre as órbitas. Ele simplesmente desaparece de uma órbita e reaparece em outra, de forma descontínua; não há, pois, continuidade em seu movimento. O elétron jamais ocupa qualquer posição entre órbitas; ou está numa ou noutra. E mais, não há como saber quando um elétron vai saltar ou para qual órbita irá se há mais de uma órbita inferior à que ele está. Só se pode falar em ‘probabilidade e incerteza’.

Provou-se que, quando a luz (fóton, elétron) está em estado de onda, parece estar em dois (ou mais) lugares ao mesmo tempo. Quando captada num filme (observada, portanto) ela se mostra como um feixe de partículas. A luz tem que ser, portanto, ao mesmo tempo, onda e partícula.

Físicos quânticos explicam, em termos simples, as três mais importantes propriedades do átomo: estabilidade, identidade e capacidade de se regenerar.

Estabilidade: o elétron, quando salta de uma órbita para outra, dentro do átomo, perde energia em forma de luz (fótons); quando está numa determinada órbita, não emite (e não perde, portanto) energia. Só o faz quando salta de uma órbita de energia mais alta para outra de energia mais baixa. Assim, quando está na órbita mais baixa, não havendo um nível mais baixo para onde saltar, o elétron não mais perde energia, ficando estacionário (adquire estabilidade), e não há possibilidade de vir a se chocar com o núcleo.

Identidade de átomos de uma dada espécie: é conseqüência dos padrões ondulatórios em espaço fechado (como as ondas de um líquido em uma xícara). O padrão ondulatório (que identifica o átomo como sendo deste ou daquele corpo químico) é o mesmo em qualquer parte do Universo.

Capacidade de se regenerar: o padrão estacionário do átomo, dependendo tão só das condições de seu confinamento, não deixa traço (registro) de sua história passada (memória), pois o átomo regenera-se rapidamente, repetindo o mesmo desempenho sempre e sempre.



PROBABILIDADES-IMPREVISIBILIDADE-INCERTEZA

Ondas quânticas são ondas de probabilidades: o local onde há mais probabilidade de ser encontrada a partícula, quando sob observação, é aquele onde ocorrem maiores perturbações ondulatórias. Mas, como há apenas probabilidade, há também incerteza. No caso do elétron, ou de qualquer objeto quântico, só podemos falar na probabilidade de descobri-lo nesta ou naquela posição ou, então, falar na sua velocidade. Este é o princípio da incerteza de Heisenberg, que destrói o determinismo da ciência clássica. Na física clássica, conhecendo-se dados iniciais do movimento regular de um objeto, pode-se saber sua posição e/ou velocidade a qualquer momento; na quântica, o menor esforço para medir com exatidão um desses dois elementos torna vago o conhecimento sobre o outro, sendo insustentável o conceito de trajetória nitidamente definida de uma partícula. Também, as órbitas do átomo não dão indicação rigorosa do paradeiro de um elétron: a posição da órbita real é vaga, não se podendo afirmar que o elétron esteja nesta ou naquela distância do núcleo, quando se encontra neste ou naquele nível de energia.

No salto quântico há mais incerteza. O instante em que o elétron salta, e a órbita para onde salta, são acausais (sem causa) e imprevisíveis; portanto, probabilidade e incerteza governam os saltos quânticos.

A física quântica nos oferece uma nova e emocionante visão do mundo e contesta velhos conceitos da física clássica, tais como trajetórias determinísticas de movimento e a continuidade causal. Se as condições iniciais não determinam para sempre o movimento de um objeto; se, em vez disso, em cada ocasião em que observamos, há um novo começo, então o mundo é criativo no seu nível básico. Cada observação abre sempre novas possibilidades. Essa é a mensagem da física quântica: o mundo não é determinado, de uma vez para sempre, pelas condições iniciais; todo evento de observação é potencialmente criativo e pode trazer novas possibilidades, novas soluções (a imprevisibilidade do fluir).

O pacote de ondas se espalha com o passar do tempo. Em algum momento inicial (isto é, no instante anterior à interrupção de nossa observação), podemos localizar o elétron como um pontinho minúsculo (uma partícula); mas a nuvem de possíveis elétrons se espalhará, em seguida, por toda a cidade (ou continente ou além) em questão de instantes, podendo, pois, quando observado novamente, aparecer em qualquer lugar. (Parece-me que isso significa que um elétron, num momento, está constituindo ou faz parte de um objeto e, no momento seguinte, ao ser observado, pode estar fazendo parte de um outro objeto muito distante e muito diferente do primeiro).

Para termos a imagem de uma partícula localizada devemos, forçosamente, incluir, na operação, o ato de observar. A trajetória do elétron só aparece quando o observamos. Nosso ato de observar (medir) reduz o elétron-onda ao estado de elétron-partícula, imediatamente; cessada a observação, existirá o elétron-onda novamente, e instantaneamente.

Com o reconhecimento do espalhamento do pacote de ondas, e com a compreensão de que é o fato de observar que provoca, instantaneamente, o desmanche do pacote, conclui-se que o colapso é descontínuo (onda-observação-colapso-partícula; não-observação-onda; nova observação-colapso-partícula de novo etc.). Cessada a observação, a partícula transforma-se em nuvem, o pacote se espalha e esse espalhamento é que nos dá a incerteza sobre a localização exata do objeto. Se voltarmos a observar, o pacote localiza-se, mais uma vez, como partícula, mas sempre se espalha quando não há observação. Mesmo no caso de objetos macroscópicos, a Lua, por exemplo, a mecânica quântica afirma basicamente a mesma coisa; a diferença é que, nesse caso, o espalhamento do pacote é imperceptivelmente pequeno (mas não-zero) entre observações. E concluímos, também, que, fora do espaço-tempo, isto é, no nível quântico, na consciência unitiva, não existe separatividade entre as coisas que observamos, pois “coisas” só existem no espaço-tempo. Fora desse domínio, tudo é Um.

Falar em objeto quântico sem falar sobre o ser que o observa é impreciso, porque os dois, observador e objeto observado, são inseparáveis (Como diz a Kabbalah judaica, “se o homem contempla as coisas em meditação mística, tudo se revela como Um”). A nova física veio provar essa inseparabilidade: o mundo manifestado, o mundo dos objetos, não existe separado de nossa observação. Nós e o mundo somos totalmente inter-relacionados, interdependentes, uma só e única coisa (O Espectro da Consciência, de Wilber; os Upanishads).

Os princípios exaustivamente comprovados da nova física fazem que abandonemos as suposições básicas principais da física clássica:

Suposição 1: Objetividade forte - suposição de que existe, lá fora, um universo material, objetivo, independente da observação de uma mente senciente. A física quântica diz que nós somos quem escolhe o aspecto - onda ou partícula - que um objeto quântico revelará em determinada situação (e há provas conclusivas a respeito). A observação feita produz o colapso do pacote de ondas, transformando-o em partículas localizadas. Sujeito-observador e objeto-observado estão inter-relacionados completamente. Portanto, a objetividade é fraca; não existe por si só, pois depende, inteiramente, de nossa observação.

Suposição 2: Determinismo causal – suposição de que tudo que precisamos conhecer são as forças (causas) que atuam sobre cada objeto para que saibamos os efeitos sobre ele (posição e velocidade), o que não mais prevalece em face da incerteza quântica dada pela imprevisibilidade.

Suposição 3: Localidade - cai também; as ondas quânticas se espalham por enormes extensões e, em seguida, sob observação, instantaneamente entram em colapso, prova de que há comunicação instantânea entre elas, não importando a distância em que se achem umas das outras; são, portanto, sinais não-locais, que transcendem o espaço-tempo (este é local).

Suposições 4 e 5: Materialismo e Epifenomenalismo - a ciência clássica afirma que fenômenos mentais subjetivos, consciência e mente, são produzidos pela matéria de que o cérebro é feito. Mas, sabemos agora que a consciência é que produz a matéria, ao produzir o colapso das ondas quânticas. Antes da observação não existe qualquer objeto; com a observação, passam a existir. E isto se aplica não só a objetos microscópicos, mas, também, aos macroscópicos, pois todos são constituídos por objetos quânticos.

O autor afirma que se o realismo materialista (a presunção de que tudo que é real é feito de matéria), adotado pela física clássica, não é uma filosofia adequada nem mesmo para essa física (muitos fenômenos, particularmente os mentais, não são por ela nem compreendidos, nem explicados), deve ser substituído pela filosofia do idealismo monístico (que define a consciência como a realidade primeira e única, como o fundamento de todo ser), única que pode acomodar consciência e mente e toda estranheza da física quântica, e mesmo aquilo que constitui a base de todas as religiões do mundo.



CIÊNCIA, RELIGIÃO E MISTICISMO

Enquanto a ciência clássica tem sido a base das dúvidas, descrença e falta de fé nas religiões, como ocorre nas populações em geral, a nova filosofia do idealismo monístico (decorrente da física quântica) fará com que ciência e religião trabalhem juntas na busca da verdade total (Jesus: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”).

Pelo idealismo monístico, não é a matéria, mas a consciência é que é fundamental, a essência de tudo. O mundo da matéria e o mundo mental (juntos constituem o mundo da manifestação) são criados pela consciência. Além disso, afirma a realidade de um reino transcendente, de arquétipos, de idéias, que são a origem de todos os fenômenos mentais e materiais. Que tudo está na consciência, a realidade única e final. Que nós apenas vemos sombras, pois a realidade está na luz e formas arquetípicas das quais nossa observação só percebe reflexos. As sombras são manifestações imanentes, irreais na experiência humana, das realidades arquetípicas de um mundo transcendente (o atemporal, não-local, o absoluto). Contudo, as sombras projetadas pela luz, que é a consciência una, são a única realidade para nossa mente, porque elas são tudo o que percebemos.

Essas mesmas idéias básicas estão contidas, com grande freqüência, na literatura religiosa de numerosas culturas. No hinduísmo: arquétipos e sua forma imanente (manifestada), e a luz (Brahman), a consciência universal, única sem segundo, fundamento de todo ser; o universo é Brahman; nada mais existe. No budismo: a luz da consciência única. No taoísmo: o Tao que permite, ora as trevas, ora a luz, e o uno que transcende suas manifestações complementares. No judaísmo: duas ordens de realidade, a transcendente e a imanente (esta, o mundo da separação, da manifestação) e tudo se revela como um. No cristianismo: o céu e a terra, o transcendente e o imanente, que não existem separados da Divindade, Deus. Ensinou São Dionísio: “Ela, a consciência está em nós, na alma e no corpo, está no mundo e, ao mesmo tempo, abaixo, acima e à volta do mundo, nas pedras, na água, no fogo, no céu, em tudo que existe” (o Espírito Santo que está em tudo. Na Bíblia: “Ele está acima e abaixo, à esquerda e à direita, à frente e atrás, dentro e fora”. E, “é ele que opera em nós o pensar, o querer e o fazer”).

A consciência una só nos chega através de manifestações complementares (às quais chamamos opostos: idéias e formas, céu e terra, corpo e mente, bem e mal, feio e belo, alto e baixo etc). E numerosos idealistas (místicos) sempre afirmaram que é possível experienciar diretamente o “céu” se o procurarmos além das experiências mundanas do dia-a-dia. De acordo com o idealismo monístico, a consciência do sujeito em uma experiência sujeito-objeto (eu aqui, o mundo lá), é a mesma que constitui o fundamento de todo ser (a consciência total). Logo, a consciência é uma só, unitiva; só há uma consciência, e somos essa consciência (Upanishads, do hinduísmo: “Tu és isso”). A nova física veio comprovar essa afirmação.

A separatividade que sentimos em nossa experiência comum, insiste o místico (e, hoje, a física quântica), é ilusão. Se meditarmos sobre a verdadeira natureza de nosso ser, descobriremos, como o fizeram os místicos de todas as eras, que há uma só consciência por trás de toda diversidade (somos uma só consciência indivisa). Essa consciência recebeu muitos nomes, conforme a cultura de cada povo: Atman, Brahman, Espírito Santo, Deus, consciência cósmica, Cristo, Buda, Tao, Alá etc. E todos concordam que a experiência (percepção) direta dessa consciência una é de um valor imensurável, porque traz felicidade e alegria sem fim àquele que a experimenta (iluminação).

Catarina, mística cristã, séc. XV: “Meu ser é Deus, não por uma simples participação (minha nele), mas por uma transformação autêntica de todo meu ser”.

Hui-Neng, séc. VI, fundador do Zen Budismo: “Nossa própria natureza do ser é Buda (desperto, iluminado, livre do sofrimento) e, fora dessa natureza, não há outro Buda”. (isto é, só há Um e somos esse Um).

Ibn al-Arabi, sufista, séc. XII: “Tu és Ele, sem qualquer limitação, se conheceres tua própria existência dessa maneira”. (Novamente, o ‘Conhece-te a ti mesmo’).

Moisés de Leon, cabalista, séc. XIV: “Deus, em sua manifestação suprema, na plenitude de seu ser, é chamado “Eu”. (Bíblia: “Eu sou aquele que sou“).

Padmasambhava, budista, séc. VII: “A única verdade está dentro de nós”.

Meister Ekhart, monge, séc. XIII: “Percebo que Deus e eu somos um só”.

Monsoor al-Halaj, sufista, séc. X: “Eu sou a verdade”.

Shankara, hindu, séc. VIII: “Não participo da ilusão ‘eu’ e ‘tu’, ‘isto’ e ‘aquilo’. Sou a realidade sem começo e sem fim. Sou Brahman, o primeiro sem segundo, a bem-aventurança sem fim, a verdade eterna e imutável. Resido em todos os seres. Agora, eu sei que sou Tudo”.

E Jesus: “Eu e o meu Pai somos um”.

Para o místico, o valor da experiência da unidade (isto é, de que toda diversidade é uma coisa só, aí incluídos todos os seres e coisas do universo) é que ela nos traz uma transformação que gera amor e compaixão universal, porque liberta o ser humano da ilusão da separatividade e dos apegos compensatórios (dinheiro, poder, beleza, sexo, crenças, drogas, opiniões) a que nos agarramos.

Os místicos alertam que todos os ensinamentos e a literatura espiritualista apenas apontam o caminho; não são o caminho, nem a verdade buscada. Esta só é encontrada, por cada um, no mais profundo de nossa própria consciência. (Em nós mesmos; e temos que percebê-la ali, por experiência própria).

O misticismo implica (tem função de) buscar a verdade sobre a realidade final. A função da religião é outra. Os seguidores de um determinado místico, geralmente após sua morte, reconhecem que a busca individual da verdade não é acessível a todos, que nem todos têm a possibilidade de compreender os ensinamentos do místico (Jesus: ‘Quem tem olhos de ver, veja! ’). A maioria das pessoas está perdida na ilusão da separatividade do ego, e ocupada nas atividades (em particular, as necessárias à sobrevivência) a que o ego se entrega; assim, não se sente motivada a descobrir por si mesma a verdade. Como pode, então, a luz da realização do místico ser partilhada com essas pessoas? Simplificando os ensinamentos (o que os torna, de certa maneira, deturpados e incompletos) para torná-los acessíveis à pessoa comum, que se acha presa às exigências da vida do dia-a-dia. Não têm nem o tempo, nem a religiosidade necessária para compreender a beleza e a liberdade que a transcendência proporciona (Jesus: ‘Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará’) e, assim, não se interessam nem compreendem a tremenda importância da experiência mística. Dessa maneira, os divulgadores da verdade mística substituem a experiência direta da consciência una pela idéia de um ‘Deus’. Deus, o criador transcendente do universo, é transformado, na compreensão da pessoa comum, na imagem dualista de um poderoso (e, muitas vezes, terrível, vingativo, misericordioso, mas punidor etc., como apregoam as escrituras) Rei dos Céus, lá em cima, que governa a Terra, aqui em baixo. Inevitavelmente, a mensagem do místico é diluída e distorcida, na mente dessas pessoas, de acordo com a cultura popular local, limitada. (Por isso, também, as pessoas comuns não podem compreender a presença de ‘Deus’, a consciência una, em todos e em tudo).

Ainda assim, as religiões conseguem transmitir, em parte, o espírito da mensagem, fato que lhes dá vida e duração no tempo. Mesmo sem compreensão profunda da mensagem, as pessoas se agarram às religiões como a tábuas de salvação para os problemas do dia-a-dia e consolo paras as hipóteses do após-morte e, assim, as religiões não morrem facilmente.

O místico percebe, claramente, que a crença geral na separatividade entre os seres é o obstáculo ao amor incondicional a todos. Como é que não vamos amar o próximo se soubermos que só existe uma consciência e que nós e os outros não estamos separados pois somos essa única consciência? Mas como motivar a pessoa comum, que não vivencia essa verdade, a amar o próximo? O místico sabe que o resultado básico dessa falta de amor é conflito e sofrimento. Para evitá-los, recomenda que nos voltemos para dentro de nós mesmos (pela meditação) para iniciar a jornada da auto-realização. Nas religiões, esse ensinamento é traduzido no mandamento de que devemos amar a Deus sobre todas as coisas, para obtermos salvação. O método está num conjunto de práticas, baseadas nos ensinamentos originais, que formam o código moral das várias religiões (os dez mandamentos cristãos, os preceitos budistas, etc.).

Abaixo, os três aspectos universais de todas as religiões exotéricas:

1. A premissa (idéia inicial) de que há um erro em nossa maneira de ser (ignorância, pecado original, sofrimento, desobediência, expulsão do paraísoetc.);

2. A promessa da libertação desse erro (céu, reencarnação, ressurreição, vida eterna, paraíso, reino de Deus) desde que a “senda”, proclamada pela determinada religião, seja seguida;

3. A senda, que consiste em seguir a religião e cumprir seu código moral e normas sociais. (No código moral ou de ética, e nas normas sociais está parte da diferença entre as várias religiões - o que devemos e o que não devemos fazer para sermos salvos; pecados, virtudes, méritos e deméritos).

Há um dualismo evidente no primeiro aspecto: o certo e o errado, o bem e o mal, enquanto o ensinamento dos místicos consiste em transcender (ir além, superar) todas as dualidades, inclusive a do bem e do mal.

O segundo aspecto traz outro dualismo: o céu e o inferno. O místico não faz distinção entre céu e inferno; considera-os resultantes naturais da maneira como vivemos e até do fato de vivermos.

O monismo do idealismo monista, quando interpretado pelas religiões, torna-se cada vez mais confuso e se enche de idéias dualistas. Sobretudo no Ocidente, o dualismo das religiões monoteístas domina a psique popular, muito embora o dualismo Deus e Mundo não resista ao exame científico (como, também, não resistem os dualismos cartesianos mente e corpo, espírito e matéria, Deus e Diabo, etc.).

À pergunta se a ciência quântica é compatível com a filosofia do idealismo monístico a resposta é “sim”, e que a física quântica é até mesmo essencial para sua interpretação. Os paradoxos da nova física desaparecem quando examinados do ponto de vista do idealismo monístico do misticismo. Mesmo questões como transcendência e pluralidade de consciências advindas de uma única consciência (isto é, como de uma única consciência advêm muitas consciências, muitas almas, ou espíritos), são solucionadas pela nova física.



ONDA E PARTÍCULA

Nós nunca veremos o aspecto de onda de nenhum objeto quântico, porque, experimentalmente, uma ondícula isolada (os aspectos onda e partícula do objeto) só se revela como partícula localizada, e quando o observamos. O aspecto onda de uma ondícula isolada só existe no domínio transcendental, isto é, fora do espaço-tempo. Quando não está sob observação, o objeto não tem qualquer realidade no espaço-tempo. Entre observações, o objeto espalha-se (é, novamente, uma onda), permanecendo em “potentia” (o objeto existirá apenas potencialmente na consciência una). Uma vez que a onda, assim que observada, entra instantaneamente em colapso, a “potentia” não pode existir no domínio material do espaço-tempo. Neste domínio, todos os objetos obedecem ao limite de velocidade de Einstein. Como o colapso é instantâneo, só pode dar-se além do espaço-tempo, no domínio transcendental, da não-localidade, onde não há limites à velocidade.

Entre observações, o objeto existe como uma forma de possibilidade (em potentia), fora do espaço-tempo, no atemporal. Mesmo objetos macroscópicos, como a Lua (que é um objeto quântico porque inteiramente constituída por objetos quânticos), a nova ciência admite, não está lá em cima quando não está sendo observada. Entre observações ela se espalha, existindo como uma forma de possibilidade (em “potentia”) transcendente. Pensamos que a Lua está sempre ali, no espaço, mesmo quando não a olhamos. Mas, quando nenhum cérebro-mente a observa, a onda de possibilidades da Lua espalha-se, ainda que seja espalhamento mínimo. Quando a observamos, a onda entra, instantaneamente, em colapso e aos nossos olhos surge a Lua (e presumimos que ela esteve ali o tempo todo). Logo, ela não poderia estar no espaço-tempo. Não há objetos no espaço-tempo sem um sujeito senciente que os observe. Não há objetos no domínio transcendental, mas possibilidade de objetos, isto é, objetos em “potentia”.

As ondas quânticas são semelhantes aos arquétipos (processos psíquicos primordiais, de Jung; a física quântica as considerada os próprios arquétipos) no domínio transcendente da consciência; e as partículas (objetos, corpos), que se manifestam quando as observamos, são as sombras na parede da caverna platônica produzidas pela luz dos arquétipos (segundo Platão, vemos, de tudo, somente as sombras na parede, pois estamos de costas voltadas para a luz; isto é, não vemos a verdade da unidade, pois só percebemos a diversidade após o colapso no espaço-tempo; a verdade só nos é mostrada na meditação).



A CIÊNCIA DESCOBRE A TRANSCENDÊNCIA.

A física quântica também provou que, quando dois objetos quânticos correlacionados (uma relação que persiste mesmo quando eles já deixaram de interagir), se observarmos um deles (produzindo, assim, o colapso de sua função onda), a função onda do objeto correlacionado entra, simultaneamente, em colapso, mesmo que um esteja a uma distância macroscópica do outro, e mesmo que nenhum sinal de comunicação entre eles exista, no espaço-tempo, para lhes mediar a conexão. Como Einstein provou, todas as conexões ou interações no mundo material têm que ser mediadas por sinais que viajam no espaço-tempo (o princípio da localidade) e, portanto, são limitados pela velocidade da luz. Se a conexão entre objetos correlacionados é instantânea, essa conexão só pode estar fora do espaço-tempo, no domínio transcendental, na não-localidade. Assim, o processo fundamental da natureza reside fora do espaço-tempo, mas produz eventos que se localizam no espaço-tempo (quando sob observação de sujeito senciente). A realidade não-local está em toda parte e em parte alguma, em toda e em nenhuma ocasião. Ou, a não-localidade, a transcendência, está em lugar nenhum e em todo lugar, aqui e agora, como afirmaram os místicos em frases de difícil interpretação, mas agora facilmente compreendidas pela física quântica.



A NOVA FILOSOFIA E AS ESTRANHEZAS QUÂNTICAS

Todos os paradoxos (estranhezas, contradições) da física quântica são resolvidos pela filosofia do idealismo monístico, baseada numa consciência una, única, transcendente, que gera o colapso da onda quântica. Minha consciência provoca o colapso do estado quântico de meu cérebro-mente quando vejo conscientemente (com consciência de ver), isto é, mesmo meu cérebro, quando não observado por mim, (quando a consciência não está atenta), permanece em estado de onda (no domínio transcendental); quando lhe presto atenção (quando a consciência está atenta, quando observa, por meu intermédio, de mim, ser senciente), a função onda sofre colapso e meu cérebro assume a função de partículas, passando a ser um objeto no espaço-tempo. Quando vemos sem consciência de que vemos, não há colapso. Quando vemos com consciência de ver, a onda dos objetos quânticos, que constituem nosso cérebro-mente, entra em colapso, e o cérebro existe no espaço-tempo; quando vemos sem consciência de estarmos vendo (a observação indiferente, sem escolha, geral?) nosso cérebro-mente está, então, em estado de onda, em ‘algum lugar’ fora do espaço-tempo, na dimensão transcendental, não se diferenciando de qualquer outra onda; ali, tudo é um.

(Ver com consciência de ver = ver com percepção consciente do objeto; ver sem consciência de ver = ver sem percepção consciente do objeto).

A mecânica quântica, ao contrário de determinismo causal, localidade, objetividade forte, e epifenomenalismo, afirma probabilidade (logo, incerteza), complementaridade onda-partícula (e não polaridades opostas), não-localidade e entrelaçamento de sujeitos e objetos (isto é, dependência dos objetos aos sujeitos da observação, objetividade fraca), e que a consciência cria o mundo material.



UM OBJETO EM MAIS DE UM LUGAR AO MESMO TEMPO

Jamais podemos observar o aspecto onda de uma ondícula. Sempre que observamos, o que vemos são partículas localizadas. Duas ondas de elétrons ao passarem através de duas fendas, em experimento de laboratório, interferem entre si. Mas, o que parece absurdo: milhares de experimentos provam que um “único” elétron, não sob observação, ao ser projetado sobre um aparato de duas fendas, passa por ambas ao mesmo tempo (mesmo sendo um único objeto!) e interfere consigo mesmo. Explicação: uma só partícula não pode interferir consigo mesma mas, sendo onda, a interferência acontece e um elétron pode interferir consigo mesmo (aí está a prova de que, não estando sob observação, não há colapso, e o objeto permanece na função onda, fora do espaço-tempo).

Se o observador estiver atento às fendas através das quais o elétron está passando, o processo de observar destrói a interferência (porque a observação produz o colapso da onda) e surge o aspecto partícula, que só pode passar por uma fenda; se não há observador, o padrão de interferência se produz, provando que o aspecto onda persistiu, que a onda não sofreu colapso. São a posição e o momentum, mutuamente excludentes, que já vimos antes e que dão a incerteza do princípio de Heisenberg. Conhecemos, com precisão, ou um ou outro; os dois, nunca. Não havendo observação, existirá apenas o aspecto onda (momentum - velocidade da onda de possíveis elétrons), provado pela constatação da interferência; havendo observação, não há interferência, pois não existe o aspecto onda, mas somente o aspecto partícula (que nos dá a posição do elétron). Logo o aspecto onda de um objeto é transcendente, pois nunca pode ser visto manifestado no espaço-tempo, que é a dimensão na qual opera nossa percepção. (A física quântica, com esse experimento, prova que nada existiria se também não existissem seres sencientes (seres cerebrados e capazes de ter sensações). Não existindo o observador não ocorre o colapso das ondas de probabilidades de 'coisas' e, não ocorrendo o colapso, não existem partículas, ou melhor, não existe matéria e o universo como conhecemos também não existiria. Por tudo isso compreendemos a imensa importância do homem, de todos os seres sencientes, para completar a obra da criação. E que, também, devemos reinterpretar o papel e a posição do ser humano no universo e sua relação com aquilo que não conhecemos e a que denominamos Deus. A ciência moderna e as visões dos meditadores das escolas sérias e milenares de tradição mística nos ajudam nesse trabalho de reinterpretação.

A nova ciência provou, também, que a ondícula quântica se revela conforme a maneira como resolvemos observá-la. ‘Nossa escolha’ a revela como onda (não perceptível à nossa observação) ou como partícula. E mais ainda que quando, em laboratório, resolvemos detectar a ondícula no seu aspecto onda, e em seguida, no último momento possível do experimento, resolvemos observá-la sob o aspecto partícula, este se manifesta mesmo que a nova escolha exija uma mudança no movimento da ondícula muito maior do que a velocidade da luz. A ondícula se comporta exatamente de acordo com nossa escolha. A resposta que obtemos, nos experimentos, depende da pergunta que fazemos. Assim, estamos, sem qualquer sombra de dúvida, envolvidos em fazer com que aconteça aquilo que está acontecendo. No experimento fica provado que o colapso da onda é não-local, mas produz a manifestação de partícula no domínio local.

Pela visão da quântica, escolhemos (a consciência una escolhe) o resultado que se manifesta. O momento em que optamos por esse resultado é destituído de importância, isso porque a onda existe apenas em “potentia”, fora do espaço-tempo, podendo revelar, sempre, o aspecto que escolhermos. Parece que a ondícula obedeceu a uma escolha feita no último momento, mas a verdade é que estávamos apenas influenciando possibilidades em “potentia”, no domínio transcendental, onde não existe nem tempo nem espaço; ali, todo lugar é ‘aqui’ e todo tempo é ‘agora’ (o campo das infinitas possibilidades).

Conforme a nova física, tudo que percebemos nada mais é que ‘prolongamento’ de nós mesmos, de nossa consciência. Compreenderemos que não há absurdo nesse “experimento de opção retardada” se abandonarmos a crença de que existe um mundo fixo, objetivo e independente, fora de nós, mesmo quando não o estamos observando. Afinal, tudo se resume no que o observador (consciência), quer ver (ver somente, ou, também, realizar, produzir, concretizar?).

Na consciência una, as superposições coerentes (as miríades de respostas para cada problema ou estímulo recebido) são objetos transcendentes, fora do espaço-tempo (no campo das infinitas possibilidades, como diz Maharishi), não locais; não são objetos físicos (assemelham-se aos arquétipos mentais da visão de Jung) até que lhes provocamos o colapso, trazendo-os para o mundo da manifestação. Com o ato de observar, o mundo se torna objetivo. Há interferência do observador em relação aos acontecimentos no espaço-tempo, mas de maneira que a escolha dos eventos não dependa de qualquer observador em particular. Assim, qualquer que seja o observador, o evento será sempre o mesmo (isto é, a escolha definitiva é ‘aquele’ evento, o evento determinado pela consciência unitiva). Na consciência, as superposições coerentes (soluções coerentes possíveis) são objetos transcendentes, portanto. Só vêm, para a manifestação no espaço-tempo, pelo ato da observação, quando a consciência opta por uma das muitas facetas da superposição, escolha limitada pelas possibilidades e, logo, coerente e pelos condicionamentos. (A coerência do cosmos é fundamentada nas suas leis quânticas; não é uma anarquia arbitrária).



A CONSCIÊNCIA UNA (DEUS) É QUEM ESCOLHE

Se duas pessoas escolhem resultados diferentes, qual escolha prevalecerá? O mundo se transformaria num caos se cada pessoa decidisse o comportamento do mundo objetivo. O fato é que não é a pessoa, uma consciência localizada, individual, condicionada, quem escolhe. A escolha é da consciência una, não-local, incondicionada, transcendental, mas o resultado só se manifesta quando é feita observação (medição) por um cérebro-mente senciente, uma consciência localizada. Há um único sujeito, um sujeito-consciência unitivo; a minha consciência não é separada da consciência dos demais seres. Somos todos uma só consciência, embora não nos pareça assim. Por isso, Schröedinger disse: “A consciência é um singular para o qual não existe plural”. Logo que um ser consciente observa, a realidade torna-se manifestada no mundo material em um estado único (mas a ‘escolha’ de uma das superposições coerentes possíveis foi feita pela consciência una e não pelo ser senciente que faz, apenas, a observação, a chamada medição, o reconhecimento da escolha e, assim, provoca o colapso da onda do objeto transcendente).



A GRANDE ILUSÃO

Nós não estamos conscientes de nosso corpo o tempo todo. Normalmente, temos pouca consciência dele. De vez em quando nos sentimos conscientes de estarmos vivos; isto é, nesses momentos pensamos (voltamos a atenção) em nós mesmos, a função onda entra em colapso e, por ‘sorte’ (e por condicionamento), a escolha foi, em todas as ocasiões, o estado de estarmos vivos. Nos intervalos em que não estamos conscientes de nós mesmos, a nossa função de onda está expandida e transformada numa superposição coerente de morto ou vivo no domínio transcendente (o gato de Schroedinger). Aquilo que supomos uma continuidade sem interrupção (nosso corpo, estarmos vivos, o funcionamento dos órgãos etc.) é, na realidade, uma ilusão de nossos sentidos produzida por numerosos colapsos descontínuos (como num filme, no qual vemos as imagens aparentemente se movimentando na tela, quando, na realidade, o que se movimenta é apenas a fita que contém imagens fixas; a continuidade do movimento das imagens não passa de pura ilusão).

Não temos condições para estarmos conscientes o tempo todo; nossa atenção é, a todo instante, distraída, originando múltiplos colapsos, tanto que a nova ciência diz que as observações são eventos separados, descontínuos, entre elas havendo inúmeros intervalos que não podemos perceber (nesses intervalos estamos inconscientes). A ação da consciência transcendental escapa à nossa percepção comum. Ela escolhe entre alternativas (superposições coerentes) quando manifesta a realidade material objetiva. O colapso quântico é um processo de escolha pela consciência única e de reconhecimento por um observador senciente. Em última análise, só existe um escolhedor para todas as escolhas, mas muitos cérebros-mentes observadores para a realização do colapso de onda e do reconhecimento do evento escolhido (só há um observador; nós não escolhemos).

O cérebro, pelo fato de poder ser sentido ou observado por nós, só pode ser objeto. Como, então, a consciência, que é sujeito, pode estar num cérebro que é objeto? A resposta é que não pode. O cérebro não pode ter dentro dele o sujeito que faz as experiências, que faz as observações, que o sente. O sujeito é transcendente, é a consciência não-local, infinita, que não está no cérebro, mas em todo lugar. (Aparentemente, é algo dentro de nossa cabeça que faz as observações, pois que os sentidos da visão, audição etc., ali estão sediados, dando-nos essa ilusão. Porém, como afirmam os místicos, nossos olhos, ouvidos etc., são olhos e ouvidos do universo; ou, se quisermos, de ‘Deus’).

Voltando à onda de objetos quânticos, alguém perguntaria porque ela não está permanentemente em colapso se Deus está sempre olhando (a consciência unitiva, ou aquilo que denominamos Deus)? Porque o colapso não é produzido se não houver a inclusão, nessa operação, da observação de um cérebro-mente (disse Krishnamurti: a mente era vazia e, por isso, o cérebro existe no espaço-tempo). A mente não-local escolhe entre as superposições coerentes (apropriadas) e produz o colapso quando há percepção consciente de um cérebro-mente local. Este não percebe a descontinuidade do colapso e, assim, presume que os objetos sempre estiveram ali como os vê manifestados.

O objeto quântico tem a faculdade de se regenerar, enquanto que o objeto “clássico” (também quântico, pois todos os objetos o são, mas macroscópico, de volume maior, os objetos considerados pela física clássica), tem um período de regeneração muitíssimo lento. Por isso, os objetos clássicos (como, por exemplo, o cérebro) produzem memória (registro de sua história e dos eventos que neles deixam suas marcas), pois precisam de muito tempo para apagar tais registros, enquanto os micro-objetos quânticos, por se regenerarem instantaneamente, não têm memória, não guardam sua história.



CONSCIENTE E INCONSCIENTE

A consciência é onipresente, até mesmo, é evidente, quando estamos sem qualquer percepção, como no estado denominado “inconsciente”. Nosso self individual (o ego) permanece “inconsciente”, isto é, sem percepção de algumas coisas na maior parte do tempo e, de tudo, num sonho sem sonhos (num sonho sem sonhos, o ‘eu’ não interfere e a consciência unitiva, ou ‘Deus’, pode fazer seu trabalho). Ao contrário, o inconsciente (inconsciente coletivo, a consciência unitiva) parece permanecer consciente de tudo, durante todo tempo. Ele jamais dorme; está sempre desperto e atento. É o nosso self pessoal consciente que está inconsciente de nosso inconsciente coletivo (consciência una), e o inconsciente coletivo é quem está, o tempo todo, consciente de tudo.

O cego tem sua visão com percepção inconsciente, isto é, tem percepção sem consciência de ver. (Sempre há percepção de tudo, porque é a consciência una que percebe, mas essa percepção pode ser consciente ou inconsciente, conforme o estado de atenção ou distração do cérebro-mente que observa). Assim, a percepção inconsciente existe sempre sem sujeito local; o sujeito dessa percepção é o Sujeito Absoluto, a consciência não-local.

Na percepção inconsciente continuam a funcionar o pensamento (pois há pensamentos que surgem por correlação, por associação com idéias percebidas inconscientemente); há, também, sentimento (essas idéias podem despertar sentimentos e emoções; por isso, muitas vezes, estamos felizes ou infelizes sem nem mesmo sabermos o porquê). Nós percebemos tudo, mesmo aquilo que está escondido de nossa percepção consciente, isto é, percebemos sem consciência de perceber; inconscientemente. Há provas sobre este fato. Neste caso, é o cérebro-mente que não percebe. O cérebro só percebe quando usa sua atenção para observar. Quando desatento, o estado do cérebro-mente é indefinido; com a escolha, acontece o colapso do cérebro-mente que decorre da escolha de uma das superposições coerentes das múltiplas soluções possíveis em que se tornara o cérebro. (Tudo instantânea e simultaneamente). O sujeito que escolhe, contudo, é o sujeito único, universal, e não nosso ego pessoal limitado, o “eu”.



A SEPARATIVIDADE É ILUSÃO

A separação que vemos, entre nós e o mundo, é resultado do colapso; antes do colapso não há qualquer separação; tudo é Um. Só após o colapso há objetos independentes, separados. Antes do colapso, tudo existe em “potentia”, em possibilidades, na realidade não-local, fora do espaço-tempo. O que acontece no espaço-tempo é determinado pelo que acontece no domínio transcendente (no espaço-tempo não há escolhas. Por isso, Krishnamurti afirmou: ‘aquele que escolhe é imaturo’).

Nossa consciência não-local escolhe o resultado do colapso de onda de um objeto quântico, que só se produz quando observamos, mas não percebemos a ação da mente não-local quando produz a escolha e o colapso devido à instantaneidade deste. A consciência una, não-local, opera através de nós, cérebros-mentes sencientes (somos os olhos e ouvidos de Deus; Paulo: ‘É o Senhor que opera em nós o pensar e o fazer’). Nós somos a consciência sutilmente oculta por um véu que pode ser penetrado em extensões variadas, como testemunharam muitos místicos pelos séculos (e Krishnamurti, que se referiu à ‘mansão da morte’). (Penetrado o véu, percebe-se que a morte (absoluta) não existe, como também afirmam os místicos, e que a vida ou a morte do nosso corpo biológico em nada afeta a vida que somos).

A consciência não-local opera com descontinuidade (salto quântico, colapso), e com possibilidades criativas (em vista das múltiplas superposições coerentes). Para que a consciência se veja a si mesma, tenha experiência de si mesma, ou para que o universo se veja a si mesmo, é necessária a realização do salto quântico, a descontinuidade, o salto para fora do espaço-tempo, para o sistema incondicionado, pois neste tudo é Um (este é o objetivo da meditação).

O que ocorre com dois objetos correlatos que se comunicam por sinais não-locais, deve ocorrer entre dois cérebros-mentes correlatos (isto é, cérebros que interagiram por 30 a 40 minutos), na percepção extra-sensorial, como na telepatia, por exemplo. Nos experimentos, o cérebro do parceiro acusa, a qualquer distância que esteja do outro correlato, os estímulos que foram aplicados num sem o conhecimento de nenhum deles.

Cientistas materialistas admitem, com relutância, que os objetos quânticos têm conexões não-locais e que, se estudarmos a sério a origem do colapso, este será forçosamente de natureza não-local. Porém, eles se recusam a reconhecer a importância desse fato e, assim, ignoram esse aspecto mais importante da nova física: o fato de que ela prova a existência da consciência não-local, além do espaço-tempo, daquilo a que chamamos Deus, com todas suas implicações.

Na visão comum, sinais locais se espalham a partir da fonte emissora pelo espaço circundante e, por isso, a intensidade (‘nitidez’) diminui à medida que se distanciam da fonte. Na visão à distância, provas mostram que não existe qualquer diminuição da intensidade com o distanciamento da fonte, indicando que a percepção extra-sensorial tem de ser de natureza não-local. Conclui-se, assim, que fenômenos psíquicos, como visão à distância e experiências ‘fora’ do corpo, são exemplos de operação não-local da consciência, operações da consciência una. (Nestes casos, não é a mente ou espírito, que sai do corpo; é o individuo que tem a sua percepção ampliada através da consciência una).

A aceitação da objetividade fraca, isto é, do fato de que é a observação feita por um cérebro-mente que produz o colapso e faz surgir objetos materiais, leva o realismo materialista, e grande parte da física clássica, à condição de um amontoado de teorias ultrapassadas (como já ocorreu, no passado, com a teoria que afirmava que a terra era plana, e outra que dizia que, no espaço infinito, existiria o éter a conduzir a luz na sua propagação).

De acordo com o monismo idealista, as superposições coerentes existem num domínio transcendente como arquétipos informes de matéria (processos primordiais do inconsciente coletivo, possibilidades aguardando concretização). Realizada a escolha, é criada uma trilha causal no conjunto das possíveis soluções (superposições coerentes), no domínio transcendente da realidade. Então, todas, menos uma das possibilidades (isto é, menos aquela escolhida), são excluídas do mundo da manifestação, manifestação que ocorre com a observação de um cérebro-mente senciente.



COMO EXISTE O UNIVERSO

E como poderá ter existido nos últimos 15 bilhões de anos se, durante a maior parte desse tempo, não havia cérebros observadores sencientes para gerar o colapso de qualquer função de onda? A resposta é que o cosmo jamais existiu em forma concreta e tampouco, mesmo hoje, está em forma concreta. A sugestão dos físicos quânticos é que o universo existe (e sempre existiu) como “potentia” informe em miríades de ramos possíveis, no domínio transcendente, sem forma objetiva portanto, e que só se torna manifesto quando observado por seres sencientes. São as observações que tecem a trama da história causativa do universo, rejeitando outras miríades de alternativas possíveis que, por nunca terem sido escolhidas, nunca se manifestam no espaço-tempo. Uma vez que está reconhecido que a mutação (evolução?) biológica é um evento quântico (proveniente da escolha da consciência una e do colapso produzido pela observação de seres sencientes), compreendemos que o cosmo, no domínio transcendente, se desenvolve em miríades de possibilidades, em muitos ramos (superposições coerentes), até que, em um deles, há um ser senciente que olha com consciência e completa a medição quântica. Nesse ponto, a trilha causal, que é observada por esse ser senciente, instantaneamente entra em colapso e se transforma em realidade, dando lugar aos objetos do mundo objetivo. A participação do observador é o fechamento do círculo. O universo só adquire significado quando seres sencientes observam, “escolhendo” trilhas causais entre a grandíssima (infinita, Maharishi) gama de possibilidades transcendentes. Observadores são necessários para a criação do universo. As histórias da criação do mundo, contidas na Bíblia, no livro do Gênese, e em numerosas tradições religiosas, são compatíveis, portanto, com a física quântica.

Podemos, portanto, supor que o universo possui possibilidades infinitas de evolução de número infinito de seres super-inteligentes, auto-conscientes, em número infinito de corpos celestes por todo esse cosmo sem fim e em constante expansão.

(Na visão de Krishnamurti, “por ser a Mente vazia, o cérebro existe no espaço e no tempo”. Essa afirmação faz parecer que a consciência unitiva ‘criou’ seres dotados de cérebro para fazer a observação do universo pelo universo).



COMO PODE O UNIVERSO TER ESSA APARÊNCIA TÃO REAL

Como um universo idealista (ondas quânticas no domínio transcendente) pode ter essa aparência tão real? Em primeiro lugar, devemos compreender que tudo que percebemos pelos nossos sentidos são imagens ou percepções em nossa cabeça, em nosso cérebro-mente. Ninguém jamais viu um quadro numa parede. O que vemos é um quadro em nossa cabeça. Há mesmo, lá fora, um quadro? Tudo o que sabemos, com certeza, é que há algum tipo de imagem em nosso cérebro, uma imagem teórica (na psique) e não concreta (não material). Isso acontece em todos os casos de percepção: só a temos em nosso cérebro. Mesmo se os objetos existissem, lá fora, independentemente da percepção de um cérebro-mente senciente, nosso conhecimento sobre eles é sempre através de meios subjetivos e individuais, constituindo-se de idéias e imagens em nosso cérebro. Tudo que falamos sobre coisas físicas é, em última análise, sobre fenômenos mentais (percepções ou sensações). Tudo que sabemos do mundo, só o sabemos porque esses fenômenos formaram imagens em nosso cérebro e ali foram registrados.

Porque o mundo dos fenômenos nos parece esmagadoramente objetivo? A resposta é que os corpos clássicos, os objetos perceptíveis pelos nossos sentidos, possuem grandes massas, o que significa, conforme provas da nova física, que suas ondas se espalham com grande lentidão, produzindo espalhamento que não assume grandes dimensões. Esse pequeno espalhamento torna bem previsível a trajetória do centro da massa do objeto (sempre que olhamos, encontramos a Lua onde esperamos que ela esteja), criando, dessa maneira, uma idéia de continuidade, que é, também, imposta pela percepção (de nosso cérebro) que não percebe os saltos quânticos, a descontinuidade provocada pelos colapsos (como na percepção de imagens cinematográficas). Ainda mais, a complexidade do macro-objeto implica tempo de regeneração muito longo, fato que dá lugar à formação de memórias, ou registros, o que nos leva a pensar que o macro-objeto tem, realmente, continuidade no tempo. Por isso o mundo dos fenômenos parece tão objetivo, tão real, para nossa observação.



UMA ÚNICA CONSCIÊNCIA TORNA-SE MUITAS

Como uma única consciência torna-se muitas consciências localizadas, individuais, pois somos, apenas neste planeta, alguns bilhões de pessoas? Como um mundo de sujeitos e objetos surge de um ser uno? Como surge a experiência de nosso “eu” individual, pessoal? Como surge o sentimento de que somos todos separados?

Todos temos a intuição muito forte de que a mente é separada do corpo; ao mesmo tempo, temos intuição de que a mente não é separada, pois sentimos dor corporal. Além disso, temos a impressão, e mesmo a certeza, de que nosso self (o sujeito de nossa consciência) é separado do mundo e do self dos demais seres.

E como se forma a ilusão da individualidade pessoal, do eu? Este assunto é importante porque é daí que surge a ilusão da separatividade. Se o self pessoal é ilusório, porque ninguém conseguiu ainda explicar porque existe tal ilusão? Será, realmente, apenas uma ilusão a experiência do ‘eu’ individual, que é tão forte e constante em nossas vidas? Se é, o que é que cria essa ilusão? A experiência do ‘eu’ individual é a mais persistente de nossa vida. O componente quântico do cérebro-mente é regenerativo e seus estados são multifacetados (múltiplas facetas, múltiplas superposições coerentes). É o veículo da escolha consciente e da criatividade. No entanto, uma vez que precisa de longo tempo de regeneração (é um macrobjeto), o componente clássico do cérebro vem a formar memória e, dessa maneira, serve como ponto de referência para a experiência do self individual, a experiência da auto-referência, que é a capacidade de um sistema se sentir ‘separado’ do mundo, daí nascendo a ilusão de um “eu” pessoal que tem continuidade no tempo, um eu separado, o ego. Essa é a experiência mais inconfundível do “eu”, o ego, o “aparente” processador, executor e integrador de nossos programas. O ego é a imagem que formamos do experienciador aparente de nossos atos, pensamentos e sentimentos do dia-a-dia. Mas, é pura ilusão.

Para essa afirmação há provas numerosas (prova da não-localidade da ação da mente, como nas experiências paranormais e também nos experimentos sobre a coerência de ondas cerebrais); prova de descontinuidade, abundante nos fenômenos mentais, especialmente nos fenômenos de criatividade; prova de complementaridade: o pensamento sempre se comporta como objeto quântico e apresenta o princípio da incerteza; se nos concentrarmos no conteúdo do pensamento, perdemos de vista a direção para onde ele se dirige; se nos concentramos na direção, perdemos de vista o conteúdo (Faça o teste). Há, aí, duas variáveis conjugadas, complementares: aspecto (conteúdo instantâneo, semelhante à posição dos objetos quânticos) e associação (o fluir, o movimento do pensamento, semelhante ao momentum, velocidade, dos objetos quânticos). Assim, fenômenos mentais, como o pensamento, exibem complementaridade. Embora sempre se manifeste como forma, sendo descrito por atributos, como aspecto e associação, entre as manifestações o pensamento existe como arquétipos transcendentes, como acontece com o objeto quântico com suas superposições coerentes (onda) e o aspecto unifacetado manifesto (partículas).

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(Experimento: Se permanecermos atentos ao fluir dos pensamentos, sem nos fixarmos em nenhum deles, mas com atenção ao desfilar de todos - no percebimento sem escolha, portanto - perdemos de vista seu conteúdo (o próprio pensamento); como o conteúdo é que desperta nosso apego, não havendo conteúdo, cessa o apego e podemos nos tornar apenas testemunhas do fluir; nosso ego não interfere. Não havendo interferência do ego, é como se este não existisse e, ‘quando o eu não é, Deus é’, segundo Krishnamurti e, conforme ensina a Bíblia, ‘Aquieta-te e sabe: eu sou Deus’).

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Quanto à descontinuidade, há dela prova abundante - saltos quânticos - especialmente no fenômeno da criatividade (quando se foge do condicionamento e se consegue respostas ou soluções diferentes das de costume). Tchaikowsky afirmava: “em termos gerais, o germe de uma composição surge de repente e inesperadamente... lança raízes com extraordinária força e rapidez, irrompe da terra, projeta galhos e folhas e, finalmente, floresce. Não posso definir o processo criativo de qualquer outra maneira, a não ser por esta comparação”.



A ATENÇÃO

O psicólogo Posner menciona a atenção como o fator mais importante na diferenciação entre percepção consciente e inconsciente. A atenção ocorre com seletividade (escolha; sem atenção, não há escolha). Quando estamos atentos, selecionamos um de vários ou numerosos significados. Se não estamos atentos, não há seleção (não havendo atenção, não há escolha e não há colapso). Mas, quem liga e desliga a nossa atenção? Ninguém jamais encontrou, no cérebro, uma unidade de processamento central, um ‘homenzinho’ que ligue e desligue a atenção, que interprete e atribua significado a todas as ações dos dois hemisférios cerebrais, sintonizando os canais a partir de uma sala de controle. Assim, a existência do self individual, que nos dá a capacidade de nos referirmos ao ‘eu’ como sujeito de nossas experiências, é um problema extremamente difícil de ser resolvido para a ciência clássica (contudo, é solucionado pela física quântica, como veremos adiante).

Suponhamos que, quando alguém procura encontrar resposta para algum problema (estímulo recebido), o cérebro-mente torna-se uma superposição quântica que contenha todas as soluções coerentes possíveis. Há várias, ou miríades, de superposições coerentes relativas ao estímulo em questão. A mecânica quântica explica que, dentre essas inúmeras superposições, a percepção consciente, a atenção, extrai e projeta uma das respostas. A solução percebida conscientemente é a escolhida, ou melhor, sua função de onda entra em colapso e a resposta se manifesta no espaço-tempo (não esquecer que a escolha é sempre da consciência una). As respostas apenas inconscientemente percebidas não sofrerão colapso e, por isso, não se manifestarão no espaço-tempo.

Da mesma maneira que a matéria comum consiste, em última análise, de objetos quânticos sub-microscópicos, que podem ser denominados de arquétipos (modelos precursores) da matéria, a mente deve consistir, em última análise, de objetos quânticos que podem ser denominados de arquétipos mentais. O autor sugere, portanto, que tais arquétipos mentais sejam feitos da mesma ‘substância’ básica de que são feitos os arquétipos materiais e que obedecem às mesmas leis da mecânica quântica. Na concepção de Jung, psique e matéria são, na realidade, constituídas do mesmo estofo, portanto, dos mesmos arquétipos.

(Arquétipos: idéia platônica precursora das manifestações materiais e mentais; símbolos junguianos referentes aos processos psíquicos do inconsciente coletivo; portanto, existentes fora do espaço-tempo).

Nos últimos anos, os cientistas tentaram, com toda seriedade, invocar um mecanismo quântico no cérebro-mente para explicar seu funcionamento, como opera a inteligência, raciocínio etc. Ali, o acionamento de um neurônio tem que ser acompanhado do acionamento (instantâneo) de outros numerosos neurônios correlatos, situados a distâncias macroscópicas (até 10 centímetros, que é a largura do tecido cortical), coisa que só pode ser explicada através da existência de correlações não-locais nas sinapses, no nível molecular de nosso cérebro. Assim, até mesmo o pensamento comum depende de eventos quânticos.

É bem provável, então, que o cérebro abrigue a consciência porque dispõe de um sistema quântico, que divide esse trabalho com sua contraparte clássica, como afirmam muitos renomados biólogos e físicos da atualidade. Enquanto o componente clássico (macroscópico) do cérebro necessita longo tempo para sua regeneração e, portanto, forma memórias, o componente quântico (que se regenera rapidamente) relaciona-se às superposições coerentes no domínio transcendental. Sendo regenerativo, o sistema quântico pode lidar com o novo (porque os objetos quânticos permanecem sempre novos). O sistema clássico, no entanto, forma memórias, pois permanece, devido ao longo tempo de sua regeneração, com os resíduos ou traços dos eventos que sobre ele ocorreram, registrando os eventos resultantes dos colapsos, fato que cria uma idéia de continuidade no tempo.

Jung denominou o domínio não-local da consciência de ‘inconsciente coletivo’ (o aspecto de nossa consciência além do espaço, tempo e cultura, e do qual não temos percepção). Inconsciente porque, em geral, não estamos conscientes da natureza não-local dos eventos que ali ocorrem. Jung descobriu que, além do inconsciente pessoal, há um inconsciente coletivo transpessoal que tem de operar fora do espaço-tempo; não-local, portanto.

Descobriu, também, que os arquétipos mentais têm caráter e são independentes de cultura, raça, história e origem geográfica. Este fato universal ajusta-se muito bem à idéia do monismo idealista de que os arquétipos junguianos são conglomerados de ‘quanta’ (pacotes de ‘energia’) universais, estados mentais puros, porque estão no domínio transcendental e, portanto, não estão ainda “contagiados” com o que temos na memória cerebral. (São as mesmas superposições coerentes da mecânica quântica, e as infinitas possibilidades do campo da consciência, referidas por Maharishi).



O MECANISMO QUÂNTICO DO CÉREBRO

Um feixe de laser vai e volta da Lua mantendo sua forma de fino lápis porque seus fótons (unidade de luz) mantêm sincronismo (ordem) perfeitamente coerente, em decorrência das características quânticas do ritmo (vibratório?) do laser. Pode acontecer que um mecanismo quântico em nosso cérebro, operando com coerência semelhante à do laser, se torne acessível à consciência não-local, com as partes clássicas do cérebro representando o papel de aparelhos de medição, produzindo a amplificação e fazendo registros (memórias), ainda que temporários, dos estímulos recebidos da consciência não-local, através do mecanismo quântico (talvez aí esteja a explicação dos casos de iluminação e de vislumbres da consciência cósmica, relatados em todos os tempos).

Com rigorosas técnicas científicas, pesquisadores descobriram coerência idêntica à do laser nas ondas cerebrais de pessoas mergulhadas em meditação. Conforme relatos independentes de resultados de pesquisas acerca de meditação transcendental (Maharishi) cérebros de meditadores experimentados apresentam grande coerência (harmonia vibratória) entre suas diferentes áreas (anterior e posterior, esquerda e direita) durante a meditação e, muitas vezes, mesmo fora dela. Pesquisas concluíram, ainda, que, quanto maior a coerência cerebral, mais pura a percepção que os meditadores relatam. E, como vimos, a coerência é uma das notáveis propriedades dos sistemas quânticos. Tais experimentos, portanto, podem estar fornecendo prova direta de que o cérebro, na meditação, funciona como aparelho de medição (observação) para esses estados mentais puros, transcendentais, sempre percebidos pelo seu sistema quântico, que está sempre ligado à (ou que é a própria) consciência una à qual denominamos ‘mente-quântica’ (Deus).

Verificou-se, também, a existência de coerência das ondas cerebrais entre dois meditadores correlacionados, mesmo que isolados e colocados em gaiolas de Faraday, a grande distância um do outro, mais uma prova da ação da consciência não-local. Quando um dos meditadores responde a um estímulo externo, o cérebro do outro exibe um potencial de transferência semelhante, em forma e força, àquele que foi evocado no primeiro, mesmo que ambos desconheçam que tal estímulo foi oferecido a um deles, fato que é interpretado como exemplo da ação da não-localidade quântica, devido à ligação não-local entre os dois cérebros-mentes, o que só pode ser compreendido como operação de uma consciência transcendental.

Antes da superveniência da ação da consciência não-local, o cérebro-mente existe como ‘potentia’ informe (tal como qualquer outro objeto), no domínio transcendente da consciência (onde tudo é ‘indiferenciado’). Quando a consciência não-local produz o colapso da função de onda do cérebro-mente, ela assim atua por sua própria escolha, o que, obviamente, inclui a função do sistema quântico do cérebro, e a observação, com atenção, de uma mente senciente, através do sistema clássico do cérebro.

A forte interação (interatuação), do sistema quântico e sistema clássico (aparelho de medição) do cérebro é responsável pelo aparecimento da identidade do ‘self’ individual, como veremos; em conseqüência, produz a divisão sujeito-objeto, eu e mundo, eu e não-eu, que resulta na ilusão da separatividade.

A potência causal (força causadora) do sistema quântico do cérebro-mente tem origem na consciência não-local, que produz o colapso da função de onda do cérebro-mente, e que experimenta (sente, percebe, vê, através de nós) o resultado de tal colapso (a parte do universo que vê e a parte que é vista). O sujeito é não-local e unitivo. Os objetos surgem procedentes de um domínio de possibilidades transcendentes e se manifestam no domínio do espaço-tempo, quando a consciência não-local, unitiva, escolhe e produz o colapso das ondas de possibilidades, colapso que tem que ocorrer na presença da observação de um ser senciente para que a medição seja completada. No entanto, entramos num círculo vicioso: a medição não se completa sem a percepção, nem a percepção se completa sem a medição (são simultâneas).

Para compreender o circulo vicioso e como removê-lo, vamos aplicar a teoria da medição quântica ao cérebro-mente. O estado do sistema quântico passa, de duas maneiras diferentes e separadas, por uma mudança. A primeira é uma mudança contínua (no campo das infinitas possibilidades de Maharishi, tudo é imprevisível e o movimento é indiviso e permanente; também, conforme Krishnamurti). O estado espalha-se como uma onda, tornando-se superposição de todos os estados potenciais permitidos pela situação e, por isso, coerentes. Cada estado potencial tem certo peso estatístico, dado por sua probabilidade de amplitude de onda. Por outro lado, a medição (a observação) introduz uma segunda e descontínua mudança no estado. Faz com que, repentinamente, a superposição, o estado multifacetado existente em ‘potentia’, seja reduzido a uma única faceta concretizada em partículas. Pense no espalhamento do estado de superposição como o desenvolvimento de um conjunto de possibilidades, e no processo de medição que manifesta apenas um dos estados (de acordo com as regras da probabilidade), como um processo de seleção (escolha).

Muitos físicos consideram esse processo como aleatório, como ato de puro acaso (daí a declaração de Einstein de que Deus não joga dados). Mas se Deus (ou a consciência una) não faz isso, o que ou quem escolhe o resultado de uma medição quântica? (talvez, apenas para nós, seres do espaço-tempo, é que parece que a escolha da consciência una seja aleatória). De acordo com a interpretação idealista (da mecânica quântica) é a consciência não-local que escolhe; escolhe e produz o colapso da nuvem de probabilidades. Há complementaridade aqui. No mundo manifesto, o processo de seleção implicado no colapso parece aleatório, enquanto que, no domínio transcendental, esse processo é visto como uma escolha (o oposto, isto é, o complemento da escolha é a aleatoriedade). Portanto, a medição e a percepção são concomitantes, simultâneos (não esquecer que o domínio transcendental é atemporal, onde a simultaneidade pode ocorrer).

O sistema quântico do cérebro-mente se desenvolve, também, seguindo as regras da teoria da medição, e torna-se uma superposição coerente (como ocorre com todos os objetos). A maquinaria clássica do cérebro, que desempenha seu papel de mecanismo de medição, se transforma, também, em uma superposição coerente. Antes do colapso, o cérebro-mente existe como potencia em miríades de possíveis padrões (soluções coerentes referentes às possibilidades em que ele poderá se concretizar, no espaço-tempo, e às possibilidades coerentes relativas à questão ou respostas coerentes com o estímulo recebido). O colapso concretiza uma dessas possibilidades, uma dessas soluções, o que leva a uma experiência consciente (porque com percepção) ao ser completada a medição. E, o que se reveste de suma importância, o resultado da medição é um evento descontínuo (subitamente, aquilo que não existia no espaço-tempo, passa a existir ou, como diz o Zen: ‘subitamente salta um peixe na superfície tranqüila do lago’).

A consciência escolhe o resultado do colapso em todo e qualquer sistema quântico. Essa escolha tem que incluir, evidentemente, o sistema quântico do cérebro-mente. Portanto, nosso cérebro-mente é um sistema clássico/quântico interativo e é a consciência una que escolhe o resultado do colapso do estado quântico de nosso cérebro-mente. Uma vez que esse resultado é uma experiência consciente, pois é completada pela percepção de um ser senciente, nós (consciência una) ‘escolhemos’ nossas experiências conscientes, embora permaneçamos totalmente inconscientes do processo subjacente (oculto à nossa percepção). É essa inconsciência que leva à ilusão da separatividade, à identidade com o ‘eu’ referencial. A separatividade ilusória, portanto, ocorre em dois estágios, e o mecanismo básico envolvido é denominado ‘hierarquia entrelaçada’, assunto que veremos abaixo.



HIERARQUIAS E CONSCIÊNCIAS ENTRELAÇADAS.

A consciência não-local opera através de nós; nós somos a consciência não-local, apenas sutilmente oculta por um véu que pode ser penetrado em extensões variadas, como testemunharam místicos em todos os tempos. A consciência não-local opera, não com continuidade causal (nesta, um evento é causado por outro anterior, previsível, e assim por diante), mas com descontinuidade criativa; de repente, a resposta surge vinda de um domínio transcendental, como acontece em relação ao colapso da função de onda do cérebro-mente. A descontinuidade, o salto quântico, é o componente essencial da criatividade. E é precisamente o salto (proporcionado pela meditação) para fora do sistema que se torna necessário para que a consciência veja a si mesma.

O universo não veria a si mesmo e, portanto, não existiria como objeto no espaço-tempo, se não existissem cérebros-mentes sencientes que completassem a medição, isto é, que realizassem a observação com atenção (a percepção com escolha. A percepção sem escolha é aquela que pode levar à percepção do atemporal). E é a descontinuidade, produzida pelo salto quântico, instantâneo, que nos impede de ver através desse véu. A hierarquia entrelaçada (emaranhada, misturada), em nosso cérebro-mente, da consciência não-local e da consciência local (esta vem da ilusão de que somos nós que observamos), isto é, a interação dos sistemas quântico e clássico, produz, por suas oscilações infinitas (número infinito e instantâneos de colapsos), a ilusão que não nos deixa perceber a ação da consciência não-local, pois não permite a saída do circulo vicioso entre consciência não-local e consciência local e, dessa maneira, perpetua a atenção do observador em si mesmo (como se ele próprio é que escolhesse o que faz, e como se o mundo manifesto existisse, continuadamente e realmente, como o percebemos).

Tais afirmações indicam que o sistema quântico não é fechado e que essa abertura, ou incompleteza, é uma necessidade lógica da mecânica quântica. O matemático Kurt Gödel provou que qualquer sistema de grande riqueza está condenado a ser incompleto; podemos sempre encontrar nele uma afirmação que o sistema não consegue provar. O sistema pode, então, ser coerente, mas será incompleto, ou incoerente, mas completo; nunca coerente e completo ao mesmo tempo. Essa incompleteza significa uma abertura no sistema, abertura dada pela maquinaria quântica do cérebro (com sua consciência não-local que faz essa maquinaria entrar em colapso). Temos de saltar para fora do sistema, o que implica a existência de uma maquinaria quântica em nosso cérebro. Devemos, portanto, ter um sistema quântico em nossa cabeça mas, como já temos no cérebro-mente um mecanismo de medição/sistema clássico, isso faz com que ali exista uma hierarquia entrelaçada: o sistema quântico e o sistema clássico. Os sistemas se entrelaçam e se confundem, e temos a ilusão de que nós escolhemos e que estamos separados do universo. Devido aos dois sistemas, o quântico e o clássico, toda a realidade do mundo nos chega, manifestada através de uma hierarquia entrelaçada.

Numa cadeia de von Neumann, cadeia que inclui uma hierarquia inteira de máquinas de medição inanimadas (fotográficas, filmadoras etc.), cada máquina medindo a leitura da anterior, o colapso da superposição quântica não se produz, pois ele só ocorre com a observação de um cérebro-mente. Aí existe, portanto, uma hierarquia entrelaçada que impede a resolução do processo. Temos que saltar para fora do sistema e passar para o nível inviolado (puro, consciência não-local). Isso se faz com a colocação de um cérebro-mente senciente no fim da cadeia. Dessa forma, o colapso se produz e a indeterminação tem fim. Por quê? Porque o cérebro possui sua maquinaria quântica, sistema quântico que, como vimos acima, possui abertura, incompleteza, e que está conectada permanentemente com a consciência não-local. A abertura permite o colapso, a descontinuidade e, em conseqüência, a “criação” do mundo.



CÉREBRO-MENTE – REAÇÃO A ESTÍMULOS

Inicialmente, o estímulo é percebido pelos sentidos como sensação e é, imediatamente, apresentado ao sistema dual clássico/quântico do cérebro. O estado do sistema quântico se expande como uma superposição coerente, como também se expandem como superposições coerentes todos os mecanismos clássicos de medição que estão conectados ao cérebro. Mas não há um programa mental que escolha entre as diferentes possibilidades (superposições coerentes), pois a escolha é um ato descontínuo no domínio transcendente, ato de (nossa) consciência não-local. Em vez disso, há uma descontinuidade, um rompimento das ligações de causa e efeito dentro do espaço-tempo, o salto quântico, no processo de seleção de possíveis escolhas no conjunto de probabilidades fornecido pelo sistema quântico. A escolha é um ato descontinuo no domínio transcendental, ato da consciência não-local. O resultado é a referência ao ‘self’, a capacidade de nos referirmos a um “eu” como o sujeito de nossas experiências. A consciência produz o colapso do estado quântico do sistema dual (o cérebro e o mundo passam a existir no espaço-tempo), o que resulta na separação básica entre sujeito e objeto, nós aqui, o mundo lá (e o ego, portanto, existe por causa do cérebro e de sua memória, que produz a ilusão de continuidade no tempo, embora todos os eventos sejam descontínuos, pois decorrentes dos colapsos das ondas quânticas).

Portanto, devido à hierarquia entrelaçada, a consciência identifica-se com o ‘eu’ da auto-referência e vivencia a percepção primária pela qual afirma: ‘Eu existo’. Se não houvesse a abertura do sistema, não haveria colapso e, em conseqüência, não haveria ‘criação’, nem possibilidade de referência ao self pessoal, ao ego, pois esta somente ocorre pela percepção do mundo ao nosso redor. Nem mesmo haveria a percepção primária de ‘eu existo’ porque, sem colapso, somente existe o nível transcendental, onde tudo é Um.

Tudo é percebido na medição que produz o colapso, pelo cérebro-mente; supomos, então, que temos (ou somos) algo (o ego) que percebe, isto é, supomos que somos o sujeito, o cérebro-mente, que vê os objetos, e que percebe tudo que é percebido.



A POSIÇÃO DO HOMEM NO UNIVERSO

Aqui está a chave para se compreender nossa posição no universo: embora o ‘self’ de nossa auto-referência, o ego, seja conseqüência de uma hierarquia entrelaçada, a consciência que o cérebro possui é a consciência do Ser que está além da divisão sujeito-objeto, o Ser transcendental. Não há, no universo, outra fonte de consciência. O ‘self’ da auto-referencia e a consciência que temos da consciência original constituem, juntos, o que denominamos de autoconsciência (um entrelaçamento da consciência não-local com a ilusão da aparência do mundo da manifestação ao nosso redor, ilusão produzida pela consciência localizada, o ‘self’ pessoal). Isso nada mais é do que aquilo que os antigos simbolizavam com a serpente que morde a própria cauda. É a aparência do mundo da manifestação que nos leva à experiência de um ‘self’ individual, ego, eu, separado dos objetos aparentes. Isto é, sujeito e objeto manifestam-se ao mesmo tempo no instante do colapso inicial do estado quântico do cérebro-mente, e temos a ilusão de que o ego está ‘aqui’ e o mundo está ‘ali’. Se não houvesse o mundo manifestado ao nosso redor, não haveria um self, um sujeito que vivenciasse sua separação em relação aos objetos que percebe (por isso toda vida no espaço-tempo é vida de relação, como diz Krishnamurti); e não existiria a separação/divisão que só existe do ponto de vista da parte do universo que vê a outra parte que é vista. Somos, assim, a parte do universo pela qual este se vê a si próprio.

O entrelaçamento é produzido, de um lado, pela consciência não-local (estímulo primário) que é nossa (de todos); de outro lado, pela ilusão (estímulo secundário) de que somos o sujeito, o self, que percebe. Do entrelaçamento das duas nasce a referência ao self, a consciência do ‘eu’, a capacidade de nos referirmos ao “eu” como se fosse o sujeito de nossas experiências. Quando condicionados, só percebemos o estímulo secundário e, assim, a hierarquia entrelaçada se torna uma hierarquia simples, clássica; e nos esquecemos de que nós não somos o sujeito que escolhe, o sujeito que percebe o mundo ao nosso redor; isto é, passamos a acreditar que somos nós que escolhemos e que percebemos o mundo (mas somos, apenas, a parte do universo que vê a outra parte, que é vista). O sujeito que escolhe, o sujeito que percebe, é sempre o universo; melhor ainda, é a consciência total, absoluta, una, à qual as religiões dão o nome de Deus. (Podemos considerar assim: nossos olhos e ouvidos (todos os sentidos objetivos) são os olhos e ouvidos do universo, ou de Deus).

Em nós o universo se divide em dois: sujeito e objeto. O colapso, que é descontinuidade, salto quântico, produz a divisão sujeito-objeto, que impede, pela sua instantaneidade, a percepção primária de nosso estado real, o self quântico (o divino). Como não temos essa percepção, mas a temos do mundo ao nosso redor, a consciência, nessa hierarquia entrelaçada, é confundida e se identifica com a auto-referência que surge da ilusão, o ego. No entanto, mesmo no ego, a unidade do sujeito cósmico continua existindo, mas dela, como vimos, não temos percepção, pois ela nos foge com a descontinuidade dos colapsos.



O EU DA CONSCIÊNCIA

Segundo o matemático G. Spencer Brown, “não podemos escapar do fato de que o mundo que conhecemos é construído a fim de ver a si mesmo mas, para que isso aconteça, evidentemente ele tem que se dividir, pelo menos, em um estado que vê e em, pelo menos, outro estado que é visto” (tal afirmação deve guardar relação com a afirmação de Krishnamurti de que, ‘a mente total é vazia e, por isso, o cérebro existe no espaço e no tempo’. Como já vimos, entende-se, então, que, para preencher o vazio, foram criados os seres cerebrados que, assim, são os olhos e ouvidos da consciência absoluta).

Os mecanismos dessa divisão sujeito/objeto são as ilusões estranhas produzidas pela hierarquia entrelaçada e pela identidade do self com o centro de nossas experiências passadas, o feixe de memórias que chamamos de ego.

De que modo surge a identidade com o ego? Como já vimos, o mecanismo de medição do cérebro, tal como todos os demais do mesmo tipo, cria uma memória de cada colapso, isto é, memória de todas as experiências passadas que tivemos como reação a um dado estímulo, fato que traz e reforça a ilusão de que o ego tem continuidade no tempo. Além disso, se o mesmo estímulo ou um semelhante é reapresentado, o registro clássico do cérebro reproduz, como resposta, aquilo que já está na memória, que já é conhecido. O sistema clássico mede a nova resposta e assim por diante. Essa interação repetida de medições torna-se um estímulo secundário para o sistema clássico, fato que ocasiona uma mudança fundamental no sistema quântico do cérebro-mente, pois ele perde seu caráter regenerativo: não tinha memória; agora passa a ter. (Daí a ilusão de que o ego tem continuidade no tempo, como se já existisse realmente desde tempos atrás). Daí nasce, também, o condicionamento. (Não nos esqueçamos de que o cérebro é o local onde acontece a auto-referência de todo o universo, isto é, onde todo o universo se percebe a si mesmo. E de que o universo é auto-consciente através de nós, porque por nós o universo se divide em sujeito e objeto. Através dos cérebros sencientes todo o universo se observa).

Todos os estímulos ou reações já experimentados, repetidos, memorizados, reforçam a probabilidade de que volte a ocorrer a mesma resposta, também já conhecida e correspondente a eles. E podemos perguntar: mas, não é sempre a consciência una quem escolhe? É o seguinte: no caso de um estímulo novo, não aprendido, o comportamento do sistema quântico cérebro-mente é igual ao de qualquer outro sistema quântico, isto é, a consciência una é quem escolhe. No caso de um estímulo já conhecido, aumenta a probabilidade de que, após a conclusão da medição, o estado do sistema dual quântico-clássico do cérebro corresponda a um estado anterior de memória. Isto é, a experiência anterior, o aprendizado, predispõe o cérebro-mente (forma-se a memória, inicia-se o condicionamento). Antes que a resposta a um dado estímulo se torne conhecida, antes de a experimentarmos pela enésima vez, o conjunto de probabilidades, entre as quais a consciência escolhe uma resposta, abrange os estados mentais comuns a todas as pessoas, em todos os lugares, em todos os tempos. Com o aprendizado, porém, as respostas conhecidas, gradualmente, começam a ganhar mais peso que as outras. Desse modo é formado o comportamento condicionado das pessoas.

Uma vez aprendida uma tarefa, em todas as situações que a envolvam estará presente, em quase cem por cento, a probabilidade de que a memória correspondente desencadeie uma resposta já conhecida. Nesse limite, o comportamento do sistema dual quântico/clássico de medição do cérebro torna-se totalmente clássico. A possibilidade de uma resposta nova, criativa, extraída dentre as superposições coerentes do estado quântico, praticamente não existe mais. No limite de uma nova experiência, antes que o cérebro-mente se torne condicionado, a resposta proporcionada pelo sistema quântico, através do sistema clássico, será criativa. Com o aprendizado, e conseqüente registro do conhecimento na memória, deixando de ser novo o estímulo, a probabilidade de uma resposta condicionada é crescentemente aumentada até que, no limite de uma experiência muitíssimo repetida, a resposta será totalmente condicionada.

Pode a mente deixar o corpo? Nas experiências tipo projeção, parece que isso realmente acontece. Mas, vejamos. Toda percepção que temos do mundo ocorre dentro de nossa cabeça, já que imagens óticas, auditivas etc., são formadas no cérebro. A não-localidade da consciência é o elemento fundamental para solucionar a questão. Assim, experiências ‘fora’ do corpo, visão à distância e outros fenômenos psíquicos, constituem exemplos de operação não-local da consciência. A consciência está em todos os lugares e em todos os tempos, simultaneamente (Santo Agostinho: “dois mil anos atrás ou ontem, são a mesma coisa para Deus”). A visão à distância, a experiência ‘fora’ do corpo etc., nada mais são que um rompimento, em menor ou maior extensão, do véu que nos separa da consciência una.

Conforme Amit, nós somos, não o centro geográfico do universo, que é indeterminável, mas o centro do universo porque ‘somos seu significado’; somos nós que lhe damos significado. Sem a existência de cérebros-mentes, o universo não teria qualquer significado, nem mesmo existiria porque é a consciência que cria o universo, o que se concretiza com a observação de um cérebro-mente. E, lembremo-nos de que, segundo Krishnamurti, ‘a mente total é vazia e, por isso, o cérebro existe no espaço e no tempo’ para que, como afirmam renomados cientistas e psicólogos, ‘o universo se veja a si mesmo’. (“O Espectro da Consciência”, de Ken Wilber).

Em certas ações mentais, como na meditação, por exemplo, há coerência cerebral (como aquela do laser), fato comprovado por muitos pesquisadores (ver Meditação Transcendental; EEG, Maharish); essa coerência é proporcional ao grau de percepção pura que os meditadores relatam. Coerência foi encontrada, também, nas ondas cerebrais de dois sujeitos meditando juntos. Confinados em gaiolas Faraday, separadas e colocadas a grande distância uma da outra, o cérebro de um deles é influenciado, instantaneamente, por estímulo oferecido ao cérebro do outro, mesmo que nenhum tenha conhecimento da apresentação do estímulo (os EEG mostram coerência idêntica), fato que é interpretado como exemplo da ação da não-localidade quântica, devido à conexão quântica não-local entre os dois cérebros-mentes.

Como já vimos, o poder causal do sistema quântico do cérebro-mente tem origem na consciência não-local, que produz o colapso da função de onda da mente e que experiencia o resultado de tal colapso. O experimentador, o sujeito, é não-local e unitivo; só existe um único sujeito da experiência. Objetos surgem procedentes de um domínio de possibilidades transcendentes (o campo das infinitas possibilidades, de Maharish) e ‘descem’ para o espaço-tempo, quando a consciência não-local, unitiva, produz o colapso das ondas, colapso que só ocorre na presença de um cérebro-mente senciente que observa, pois só assim a medição será completada.

A separatividade (advinda da ilusão do ‘eu’) ocorre devido a essa “hierarquia entrelaçada”. Nesta, os dois níveis (a consciência local e a não-local) estão tão misturados que não podemos identificar nem um, nem outro, e ficamos presos numa ilusão infinita. A hierarquia entrelaçada faz surgir a auto-referência, o ego pessoal. E são os colapsos (que são instantâneos) que nos impedem de ver através do véu. A instantaneidade não nos deixa perceber o processo subjacente que permanece inconsciente para nós. Das descontinuidades, produzidas pelos colapsos, nasce o véu, o obstáculo à percepção do nosso self quântico (divino) e, daí, vem a referência ao self individual. A consciência una e o que denominamos mente pessoal formam uma hierarquia entrelaçada (confusa) e desse emaranhado nasce o self/ego. Temos, então, dentro de nossa cabeça, uma hierarquia entrelaçada: um sistema quântico, ligado à consciência una, à consciência não-local, e um sistema clássico, ligado ao ‘eu’ individual, à consciência localizada em nós.

Como vimos, o cérebro-mente ao sofrer o colapso percebe o mundo ao seu redor, separado de si mesmo; daí nascem o sujeito e o objeto; a divisão, a separação, só existe do ponto de vista da parte do universo que vê a outra parte que é vista. Como tudo é percebido pelo cérebro-mente na medição que produz o colapso, supomos que temos algo, o ego, que percebe, isto é, que somos o sujeito que vê os objetos e tudo que é percebido (e que possuímos livre-arbítrio, embora quem faz a escolha seja sempre e sempre a consciência una).

É a aparência do mundo da manifestação que nos leva à ilusão de um self, ou sujeito, separado dos objetos aparentes. E isto porque, sujeito e objeto manifestam-se simultaneamente, no colapso do estado quântico cérebro-mente. Sem o mundo da manifestação ao derredor, não há um self individual que se percebe como separado dos demais objetos (nem ‘alma’, nem ‘espírito’, nem qualquer percepção).

Antes do colapso, sujeito e objeto não se diferenciam (tudo é uma coisa só, indeferenciável, tudo é Um). Enquanto o cérebro-mente não entra em colapso, o observador (sujeito) e a coisa observada (objeto) são uma coisa só (o observador é a coisa observada. E, mesmo depois do colapso, sujeito e objeto, observador e coisa observada, são um só); apenas não temos a percepção de que o observador é o ‘universo’, ou ‘Deus’; e que a coisa observada é, também, o ‘universo’ ou ‘Deus’. Quando obtemos esse percebimento, cessam todos os nossos problemas; estaremos livres, pois compreenderemos a enorme ilusão na qual estamos mergulhados, que é a separatividade, conforme ensina Krishnamurti (Como diz o poema zen: ‘... Se você não esteve ainda lá, muitos pesares por certo terá. Mas, uma vez lá, e no rumo de casa, como parecem prosaicas todas as coisas’; e Jesus: ‘Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará’).

Muito cedo, no desenvolvimento físico do indivíduo, numerosos processos aprendidos se acumulam e dominam o comportamento do cérebro-mente, a despeito do fato de que respostas quânticas não condicionadas estejam sempre disponíveis para novas experiências criativas (especialmente como resposta a estímulos ainda novos). Contudo, se a potência criativa do componente quântico deixa de ser usada, a hierarquia entrelaçada dos sistemas interatuantes do cérebro-mente torna-se, na verdade, uma hierarquia simples, de programas aprendidos, clássicos. A partir daí, os programas mentais reagem entre si em uma hierarquia simples e bem definida. Neste estágio, a incerteza sobre “quem é que escolhe” em uma experiência consciente, deixa de existir e começamos a acreditar que temos um self/ego separado, individual, que pensa que escolhe e, por isso, pensamos que temos livre-arbítrio, que tomamos decisões.

(Self quântico, ou ‘Deus’, ou consciência pura, mais condicionamento = self clássico, ou ego, ou consciência individual. Self clássico, ou consciência individual ou ego menos condicionamento = self quântico, Deus).

Quando chega um estímulo ao cérebro-mente, o sistema quântico e seu mecanismo de medição expandem-se como superposições coerentes, mas são fortemente influenciados em favor das respostas condicionadas. Após o evento do colapso associado à experiência primária, ocorre uma série de processos de colapsos secundários (será devido àquilo que denominamos associação de idéias?). Esta série de processos resulta em experiências secundárias, que apresentam um aspecto característico, tal como a atividade motora habitual, pensamentos (por exemplo, “eu’ fiz isto”) etc. Os programas aprendidos, que contribuem para os eventos secundários, são ainda partes de uma hierarquia entrelaçada, uma vez que, seguindo-os, deparamos com um rompimento, em sua cadeia causal, que corresponde ao papel do sistema quântico e a seu colapso, produzidos pela consciência não-local. Essa descontinuidade, no entanto, é obscurecida e interpretada como um ato de livre-arbítrio de um pseudo self; e é acompanhado por uma identificação (falsa) do sujeito não-local ilimitado com um self individual limitado, associado aos programas já aprendidos. É a isso que denominamos ego. O ego é nosso self clássico; o self quântico é o absoluto (Deus) (Logo, no domínio transcendental, não existe o ego).

Nossa consciência pessoal é a própria consciência unitiva, transcendental, é o nível inviolado, puro, sem mácula (Deus). Mas, nos tornamos possuídos pela identidade individual, o ego. Iludidos, pensamos que temos livre-arbítrio e que, portanto, escolhemos, e não percebemos a nossa limitação que decorre do fato de aceitarmos o ponto de vista dos programas aprendidos, conhecidos, condicionados, que atuam casualmente uns sobre os outros. Na ignorância, nos identificamos com o self clássico, uma identificação limitada do sujeito cósmico, e concluímos que somos apenas corpo-mente.

No entanto, somos a consciência não-local, e operamos a partir de fora do sistema, além do ego, além do cérebro-mente localizado no espaço-tempo; operamos além do véu da hierarquia entrelaçada. O ego surge como instrumento (aparente) do livre-arbítrio do Eu Absoluto, escondendo a descontinuidade representada pelo colapso do estado quântico do cérebro-mente, no espaço-tempo. A consciência cósmica, então, manifesta-se como um ego individual, separado. Ele é, porém, apenas uma identidade secundária para a consciência, porque a potência não-local, criativa, da consciência, e a versatilidade da mente quântica, jamais desaparecem por completo (só a ela pertence a possibilidade do livre-arbítrio).

(Hierarquia entrelaçada = nível superior transcendente ou consciência não-local ou sistema quântico + sistema clássico cérebro-mente. Hierarquia simples, primária, do nível superior = consciência não-local ou self quântico, Divindade. Hierarquia simples, secundária, do nível inferior = cérebro-mente condicionado, self clássico/ego com memória).



CONTINUIDADE DO EGO - PURA ILUSÃO

O psicólogo Attneave define assim o ego: “(...) informações armazenadas sobre estados passados de consciência (memórias) podem ser evocadas de volta à consciência. Dessa maneira torna-se possível à consciência (absoluta) ver seu próprio reflexo (o reflexo do passado) no espelho da memória, embora sempre com uma defasagem temporal. É nestes termos que o ego deve ser definido”.

A defasagem temporal (o ‘quase meio segundo’ referido por Benoit, em “A Doutrina Suprema”) é o tempo de reação entre a ocorrência do colapso no espaço-tempo, e o modo clássico secundário (percepção por um cérebro-mente). Acontecido o colapso, manifesta-se o objeto cuja percepção, pelo self clássico, é realizada com defasagem no tempo. Há prova robusta sobre isto. Em virtude da defasagem temporal, torna-se difícil percebermos o self quântico, o absoluto que somos, bem como os estados mentais puros, fora do espaço-tempo.

O ego-self clássico normal surge, portanto, dos processos de percepção secundária de uma experiência consciente. O quase meio segundo decorrido entre o estímulo recebido e a percepção (resposta) consciente desse estímulo é o tempo consumido no processamento da percepção secundária, necessário para a introspecção tipo ‘eu-sou-isto’. Essa defasagem torna difícil a percepção do nosso self quântico, bem como experienciar os estados mentais puros, acessíveis no nível quântico de nossa operação. Muitas práticas de meditação têm o objetivo de eliminar essa defasagem, o que nos colocará diretamente em contato com os estados puros da consciência una. A prova, ainda que provisória, demonstra que a meditação reduz a defasagem temporal entre os processos primário e secundário (entre o quântico/o Todo, e a percepção consciente desse Todo que nos foge, sempre, com a defasagem existente até a percepção do colapso).

Provas indicam que experiências de pico ocorrem quando essa defasagem é reduzida. Quando um jogador de beisebol faz uma pegada notável, a exaltação talvez não seja resultado do sucesso (como geralmente se supõe), mas do tempo de reação reduzido (o que lhe tornou fácil fazer a pegada), que lhe permite um vislumbre do self quântico (que é o que lhe dá exaltação). A pegada notável e a exaltação ocorrem ao mesmo tempo, cada uma, na verdade, produzindo a outra. Os dados sobre experiências de pico, transcendentais, diretas do self, enraizadas na unidade e harmonia da consciência una, podem ser explicados em termos de tempo de reação reduzido que permite um vislumbre do self quântico (‘primeiro’, a exaltação pelo vislumbre; ‘em seguida’, o fato, a pegada notável; são simultâneos). Nesses casos de pico, parece que há atenção completa. Por isso, as tentativas, na meditação, para cessar pensamento e memória (e emoção e imaginação), que nos roubam a atenção e a energia (Benoit: ‘é o filme emotivo-imaginativo que nos impede a percepção do divino’).

A defasagem temporal da introspecção secundária permite que nossa experiência do ego dê a impressão de ser contínua (porque ela, em vista de nossa percepção retardada, não deixa que se perceba a descontinuidade, o colapso). Nosso fluxo de consciência, ou pensamento, é resultado de uma conversa, uma tagarelice, contínua introspectiva que ocorre espontaneamente em nós. (Que preço pagamos pelo acúmulo de experiência! O fluxo de pensamento, que revela a experiência que temos do mundo, nos impede de perceber que já estamos ‘lá’. Como ensina Krishnamurti, nosso acúmulo de conhecimento é necessário apenas para a sobrevivência. Para a meditação o Zen ensina: ‘esvazia-te’).

A consciência divide-se em sujeito e objeto pelo colapso da função de onda quântica do cérebro-mente. O colapso é um evento de descontinuidade no espaço-tempo, mas experimentamos (assimetricamente) a divisão sujeito-objeto na modalidade clássica, aparentemente contínua, do ego. Dificilmente percebemos a experiência no modo quântico, por ser instantânea. Pela prática da meditação, com a redução ou eliminação da defasagem temporal, eventualmente podemos vir a percebê-la.

(O mundo manifestado, do espaço-tempo, não é Maya, nem o ego o é. Sentirmo-nos e pensarmos que somos seres separados de todos e do Todo, isto sim é Maya, a grande ilusão).

Com seus programas aprendidos, clássicos, formando uma hierarquia simples, a consciência adquire ego (a faculdade de pensar ‘eu sou isto’), que é identificado com os programas aprendidos e as experiências individuais de um cérebro-mente particular. O ego nasce da interação introspectiva (memórias) de nossos programas aprendidos, que resultam de nossa experiência do mundo, mas o self separado, o ego, não tem livre-arbítrio (escolha) à parte do self quântico, à parte da consciência una. O livre-arbítrio do ego é um engano, uma ilusão.

O condicionamento cultural, comportamental, político e social é incessante e funciona impedindo a percepção de todo o potencial que o self quântico nos oferece, tirando-nos a liberdade da vontade e provocando interpretação errada do mundo. Mas, de que modo afastar todo esse condicionamento para poder perceber o Todo? (Krishnamurti e outros sábios afirmaram que isso é alcançado conhecendo-se todos nossos condicionamentos, genéticos e culturais, e pela prática da meditação de percebimento sem escolha, coisas que nos darão autoconhecimento, mostrando-nos o que realmente somos. (‘Eu e o Pai somos um’).

O ego não é uma coisa; é apenas uma relação entre a experiência consciente e o ambiente físico imediato. Como já vimos, não fosse o mundo ao derredor, não haveria a ilusão denominada eu. Nessa experiência, o mundo parece dividir-se em sujeito e objeto. Refletida no espelho da memória, que vem criar a ilusão de continuidade no tempo, essa divisão produz a experiência dominante do ego: “Eu existo”.

Características mais importantes do “ego”: 1) focalização intencional e direcional da atenção; desejo, julgamento, comparação, avaliação, conceituação; 2) autopercepção: consciência de “eu existo”; 3) reflexão: percepção de estar percebendo; 4) sentimento de ser uma entidade única, separada, com caráter, personalidade e história (memória e imaginação) individuais; 5) experiências transpessoais do self: momentos de revelação ou insight; 6) experiência implícita de divisão do mundo entre sujeito e objeto, eu e não-eu; 7) pseudo livre-arbítrio: pseudo escolha; 8) experiências relacionadas com o inconsciente.

Uma das experiências mais comuns do ego é a de vivenciar a si mesmo como um sujeito com intenções em relação a um objeto ou quando se torna perceptivo de estar perceptivo.

É evidente que, no nível do processo primário (que é quântico), não há condicionamento; logo, não há restrição à liberdade de escolha, à liberdade da vontade. No nível secundário, temos respostas condicionadas sob a forma de pensamentos, idéias e sentimentos; nada de livre-arbítrio, nada de escolha, aí a escolha não passa de uma ilusão.

Mas, o que é que causa a divisão do mundo em sujeitos e objetos?

Para a filosofia quântica, tudo, todas as coisas estão na e são a consciência. A pergunta, na filosofia quântica, seria: de que modo a consciência que é tudo, divide-se em sujeitos que experienciam, e em objetos que são experienciados? Segundo a filosofia quântica, os estados do cérebro-mente são considerados estados quânticos, estruturas de possibilidades coerentes, umas com mais probabilidades de se concretizar que outras. A consciência produz o colapso, escolhendo uma única superposição coerente, uma única faceta, mas só na presença da percepção de um cérebro-mente. (A percepção, vale lembrar, é o campo da mente no qual surgem os objetos da experiência). Mas, o que vem primeiro: percepção ou escolha? Temos aqui uma hierarquia entrelaçada, que dá origem à auto-referencia, à divisão do mundo entre sujeito e objeto. Já vimos que, pelo fato de não termos a percepção da descontinuidade provocada pelos colapsos, surge a ilusão de que tanto o ego como o mundo têm existência contínua, e que, pelo fato de perceber os objetos ao seu redor, vem a ilusão de que o ego está separado do mundo.

O ego, a experiência mais evidente do ‘eu’, é a imagem que formamos do sujeito aparente de nossos atos, pensamentos, memórias, sentimentos. A consciência una identifica-se, nesse caso, com o processador (o ego) aparente das respostas aprendidas. Mas, essa identidade (errada) jamais é completa. A consciência una sempre deixa alguma abertura para a novidade incondicionada, para a criatividade; ela está sempre presente e, assim, eventualmente, pode tornar possível aquilo que denominamos livre-arbítrio.

O ego está associado à percepção secundária, mas não à primária. A percepção primária é a percepção do self quântico, do atemporal (por isso, o ego deve ser afastado para que se tenha percepção primária; é o que se consegue pela meditação. “Quando o ‘eu’ não é, Deus é”, disse Krishnamurti; ou: “Aquieta-te e sabe: eu sou Deus”, do Velho Testamento, isto é, quando o ‘eu’ é afastado, aquietado, Deus se manifesta. A meditação tem a finalidade de realizar esse afastamento, esse aquietamento).

Nas experiências transpessoais (além do ego), a identidade do self quântico com o ego é muito menor do que a habitual. Exemplo disso é a experiência criativa que o experienciador freqüentemente descreve como se fosse um ato de Deus. Essas experiências acontecem acompanhadas de evidente descontinuidade do ego, em contraste com sua continuidade aparente mais comum, em nosso fluxo de consciência. São chamadas de transpessoais, porque nelas não é dominante a identidade com o ego pessoal. Uma das características das experiências transpessoais é a não-localidade, a comunicação ou propagação de influências sem sinais locais. Na psicologia oriental, essa condição criativa do self é denominada de “despertar da inteligência”; o ego é transcendido e tem-se experiência direta da modalidade quântica (experiência direta do Todo que, segundo Krishnamurti, é inteligência radical). São exemplos (não perfeitos) as experiências paranormais, como a sincronicidade, a telepatia e outras.

Muitas de nossas experiências comuns não incluem nosso ego. Quando alguém está atento a um trabalho ou pensamento, não está atento a si mesmo e é comum não ter percepção ou outra referência qualquer de seu ego. Nesse tipo de experiência, há consciência e o mundo está dividido ainda em sujeito e objeto (o objeto é o trabalho ou o pensamento). Porém, é pouca ou nenhuma a repercussão secundária da experiência. Essa experiência de absorção no objeto está incluída na categoria mais baixa de samadhi (conforme Patânjali). Nas categorias mais altas, os objetos são transcendidos em samadhis cada vez mais elevados, chegando, eventualmente, ao estado em que o objeto e o experienciador são percebidos identificados com a consciência não-local, com o sujeito cósmico universal, o self quântico (ou Deus), que surge, simultaneamente, com a percepção, após o colapso da superposição coerente (não há interferência do eu; sujeito e objeto se identificam, são uma coisa só). Na psicologia oriental, o sujeito da experiência de consciência cósmica é denominado ‘atman’. No cristianismo, Espírito Santo, Deus. No budismo, não-self. Outros denominam o sujeito da percepção pura como consciência universal. (Quando, nessa experiência, o objeto é percebido identificado com a consciência não-local, o sujeito dessa percepção pura não é mais o ego, mas o Todo, o próprio ‘Deus’; pois, como já vimos, o sujeito é o ego somente devido a nossa interpretação equivocada).

Com relação ao livre-arbítrio, não existe um poder causal que possa ser atribuído ao ego, que nenhum poder possui para causar qualquer coisa; (Krishnamurti, ‘aquele que pensa que escolhe é imaturo’). Seu comportamento é inteiramente determinado pelas informações recebidas de sua memória, de seu condicionamento, portanto do passado, e do ambiente; a vontade livre e real é somente do self primário, do ‘atman’, da consciência que existe antes de qualquer tipo de experiência reflexiva do self individual (antes da interferência do ego). Com o condicionamento, a escolha deixa de ser livre, ficando predisposta em favor de respostas condicionadas. No nível do processo primário, não há restrição à liberdade de escolha, pois não há condicionamento; há, sim, criatividade e livre-arbítrio. No nível secundário, temos respostas condicionadas sob a forma de pensamentos e sentimentos, o que traz conflito e dor, frustrações por supormos que nossas escolhas não deram certo; nada mais.

Mas, se o ego não possui vontade livre (livre-arbítrio), como é que nós, egos, conseguiremos transcendê-lo, para a realização do objetivo das tradições espiritualistas?

Já vimos que é nosso condicionamento que nos impede de perceber a consciência absoluta; é verdadeira barreira entre o self quântico/consciência una e o self clássico/ego (‘ou eu, ou Deus’) Também vimos que, no nível do processo primário, não há condicionamento; em conseqüência, não há restrição à liberdade de escolha, ao livre-arbítrio. No nível secundário, porém, as respostas estão condicionadas. Mas, seremos obrigados a sempre agir motivados por respostas condicionadas? Daí, a importância e a necessidade da concentração da atenção (pela meditação) em um dado objeto mental, ou em todo o campo da percepção. A prática da meditação permite que nos tornemos testemunhas (apenas perceber, sem interferir) dos fenômenos mentais que surgem na percepção, pela atenção ao fluxo de pensamentos e sentimentos que emergem, incessantemente, de nossa mente devido ao condicionamento. A meditação cria hiatos (espaços vazios) entre as respostas mentais, fato que torna possível e reforça a capacidade de dizermos “não” a atos condicionados, o que pode mudar o comportamento pessoal condicionado e trazer criatividade e livre-arbítrio. Assim poderemos transcender o ego.

Conforme Jung, algumas experiências do ego tornam-se distorcidas por influência do inconsciente pessoal, o que pode dar origem a psicopatologias, como a neurose. O inconsciente pessoal surge porque o sujeito é condicionado, pela cultura e regras sociais, a evitar certos estados mentais. Em conseqüência, torna-se esmagadora a probabilidade de que esses estados reprimidos, contidos nas superposições coerentes, jamais venham a sofrer colapso. No entanto, essas superposições que não se concretizam (permanecem no atemporal), sem causa aparente podem influenciar o colapso de estados mentais posteriores. O não conhecimento da razão do comportamento influenciado desse modo pode levar a uma ansiedade geradora de neurose. No fim, o sujeito pode até imaginar razões e agir para eliminá-las através de comportamento neurótico (a lavagem compulsiva das mãos, por exemplo).

Conforme, também, Jung, muitas de nossas experiências transpessoais são influenciadas por temas arquetípicos do inconsciente coletivo, estados universais que, em geral, por estarmos condicionados, reprimimos e não experienciamos, o que pode dar origem a diversas patologias. Como já vimos, o condicionamento impede que certos estados mentais se manifestem no mundo. Quando sonhando, ou sob hipnose, o self torna-se principalmente testemunha (isto é, observa, mas o ego não interfere) e, por isso, entra em estado que se caracteriza por ausência relativa de eventos de percepção secundária. Nesse estado, ficam enfraquecidas as inibições normais, que existem devido ao condicionamento, contra o colapso dos estados mentais reprimidos e, por isso, sonho e hipnose são úteis para trazer o inconsciente (reprimido) à percepção consciente (os sonhos podem permitir o extravasamento, com resultados benéficos, de estados mentais reprimidos). Do mesmo modo, nas experiências de quase-morte, o imediatismo da morte libera grande volume de condicionamento inconsciente reprimido, tanto pessoal como coletivo. Como resultado, numerosos pacientes saem dessas experiências transbordantes de alegria e paz (pois o véu lhes foi levantado e tiveram alguma percepção, mesmo inconsciente, do self quântico).

Para termos liberdade em nossos atos, é importante evitar sermos dominados pelo condicionamento ego/persona ou pelas superposições coerentes tirânicas, reprimidas e inconscientes. Isso só é possível através da busca da criatividade, por meio das técnicas sugeridas abaixo, ou pela meditação.

A teoria quântica abrange todo o espectro da consciência (Wilber), que consiste de diferentes estados com os quais a consciência una se identifica nos vários estágios do desenvolvimento humano. Todos os estágios estão na consciência, pois nada existe fora dela. Quanto mais nos desenvolvemos, pela meditação, mais destituídos de ego nos tornamos, mais o ‘eu’ é silenciado, anulado, até que, no nível mais alto desse desenvolvimento, não mais existirá identificação com o ego (somente consciência pura). Por isso, uma grande humildade caracteriza os níveis mais elevados de consciência.

No nível do ego, nossa mente identifica-se com um conjunto de conceitos psicossocialmente aprendidos e condicionados, que vão dar-lhe um “caráter”, com o qual opera. Dependendo do grau que a identidade com o ego assume, o indivíduo nesse nível tende a ser egocêntrico ao extremo. Só ele e os seus têm valor; os demais não têm importância. Nesse nível há duas faixas: uma, patológica, perto do inconsciente pessoal, fortemente afetada por estímulos internos vindos do inconsciente (superposições coerentes que nunca sofreram colapso). São indivíduos sempre perturbados por compulsões e motivações do inconsciente. Seu ego divide-se em auto-imagem e imagem-sombra, a primeira reprimida e a segunda projetada (‘O espectro da consciência’, de Wilber).

A segunda faixa é a psicossocial, em que a maioria de nós vive, exceto por uma ou outra penetração nas faixas mais próximas, acima ou abaixo. Na faixa acima, somos capazes de dizer “não” a uma resposta habitual, condicionada, exercendo livre-arbítrio; ou podemos operar em atividades criativas. Mas, as motivações para agir, nesse nível servem, sempre, ao fortalecimento do ego, em esforços para a auto-imagem, prestígio, fama, sexo, poder etc.

No nível de Buddhi, a identidade é menos ligada ao ego; o self amplia sua identidade; o egocentrismo é substituído por criatividade interior e por auto-conhecimento. Além do nível existencial está a faixa psíquico-mística na qual se tem experiências psíquicas e místicas não-locais, que ampliam a visão do mundo e do papel do indivíduo nele. Nesse nível, os temas do inconsciente coletivo (universal) freqüentemente vêm à tona nos sonhos, como também experiências criativas e compreensão dos mitos (tradições), que motivam para a liberdade e integração do self. Mas ainda há muitos desejos pessoais que impedem a mudança para uma identidade mais livre do ego. Descobre-se o não-eu (o outro); que ele é igual a nós. Com o tempo, o self se integra mais e mais; os temas do inconsciente coletivo são mais amplamente explorados, e os atos passam, até mesmo, a ser apropriados aos fatos (a ação correta, sem escolha, da filosofia oriental). Mas, segundo Krishnamurti, não existe nem método, nem treinamento para essa mudança de identidade do self; essa mudança apenas pode ocorrer com a compreensão da totalidade da vida e com a meditação.

Para remover o véu, os místicos recomendam que se permaneça atento a todo o campo da percepção, que é o estado denominado de meditação. Eventualmente, como ocorreu a Amit conforme seu relato, após anos de esforços, combinando meditação, leitura mística e pensamento concentrado no objetivo, o véu começa a se romper.

Segundo Krishnamurti, a percepção radical, e só ela, leva à transformação radical, que desperta inteligência radical, absoluta. Se estivermos cientes e atentos agora, com percepção profunda do ponto em questão, mudaremos agora. A distração (o filme emotivo-imaginativo que, segundo Benoit, se desenrola no cérebro-mente sem cessar) é que nos impede de perceber que já estamos lá. A não-localidade quântica, ‘o reino de Deus’, o céu transcendente, está em toda parte, dentro de nós e ao redor de nós. “Mas o homem não o vê”, lamentava-se Jesus. E não vemos porque estamos absorvidos demais nas nossas experiências do dia-a-dia, nos nossos dramas individuais, nas tentativas de prever, controlar e comparar, de compreender e manipular tudo racionalmente, com o ego, usando o intelecto. E assim, pela atenção demasiada ao ego, deixamos de perceber o fato simples, a verdade simples de que tudo é consciência, que é a maneira de o místico dizer que tudo é ‘Deus’. Essa verdade de que nada mais há, exceto Deus, tem que ser experienciada para ser realmente compreendida. Se quisermos, realmente, compreender (ser inteiros, novamente), a fim de perceber, ou mesmo ser o absoluto, teremos que mergulhar fundo em nossos espaços interiores, o que se consegue apenas através da meditação.

A guerra é tão antiga quanto a sociedade humana. O condicionamento, tanto biológico quanto ambiental e cultural, é de tal ordem que conflitos surgem naturalmente. Durante milhares de anos, o homem usou violência para resolvê-los e o método só funcionou por pouco tempo. O que cria esses movimentos de consciência que gera tantos conflitos é a suposição de que somos indivíduos separados uns dos outros. A grande causa do egoísmo e da insensibilidade que levam à violência, não passa de ilusão. A separatividade é apenas aparente, pois todos somos um, como provou, exaustivamente e além de qualquer dúvida, a nova física.

É claro que todas as formas manifestadas representam, juntas, apenas uma das muitas possibilidades da onda quântica de superposições coerentes que se situa além da forma (além das partículas). Não percebemos nossa base comum, a consciência transcendental, e definimos o mundo em termos de nossos ‘selves’ (egos) individuais separados: nós, nossa família, nossa cultura, nosso país, nossa casa, nosso bem-estar, nós, nós, nós...(ou: eu, eu, eu...). Apenas egocentrismo, que deixaria de existir se compreendêssemos que não há separação entre os seres e o universo todo.

O auto-conhecimento começa com o reconhecimento de que temos conflitos externos, na vida de relação, e conflitos internos, com nós mesmos. Jamais os seres humanos terão paz se não reconhecerem isso. A busca do autoconhecimento deve iniciar-se com a compreensão de que, apesar de todo conhecimento acumulado, quase nunca sabemos resolver a questão particular cuja solução procuramos, porque estamos condicionados. Nada sabemos da criatividade, que pode ser interpretada como um salto quântico (para fora do conhecido, para além do ego, para fora do sistema espaço-tempo) que traz resposta nova, não condicionada, que tem origem no inconsciente coletivo (no inconsciente universal). Criatividade é a criação de algo novo, (algo desconhecido, no dizer de Krishnamurti). E podemos fazer isso por causa da consciência não-local e porque o sistema quântico-clássico do nosso cérebro possui a abertura da sua incompleteza, que nos permite saltar para fora do sistema e do condicionamento. Teremos, então, acesso ao vasto conteúdo arquetípico dos estados quânticos da consciência, os estados puros que existem muito além das experiências locais da existência no espaço-tempo.

A criatividade é, sem qualquer dúvida, um modo não-local de adquirir conhecimento, ou melhor, sabedoria. A descoberta simultânea da mesma idéia por cientistas (ou por artistas, poetas, músicos) não conectados localmente, fornece prova impressionante da não-localidade dos atos criativos.



CRIATIVIDADE

O ato criativo é fruto do encontro do self clássico, ego (enfraquecido pela meditação), com modalidades quânticas do self primário, Deus, da hierarquia entrelaçada (escapa-se, assim, do condicionamento). Toda ação criativa flui da consciência una, do self quântico; nunca do ego, porque este é condicionado. Quando o estado quântico do cérebro se desenvolve como um conjunto de possibilidades em resposta a uma situação de confrontação criativa, o conjunto das superposições coerentes inclui não só estados condicionados, já aprendidos e guardados na memória, mas também estados novos e nunca antes manifestados. É evidente que os estados condicionados de nossas memórias pessoais, no conjunto de probabilidades, têm maior peso para se manifestarem, e são pequenas as probabilidades de que estados novos, ainda não condicionados, se manifestem.

O primeiro estágio da criatividade é o jogo entrelaçado de informações e comunicação entre o self quântico (comunicação, desenvolvimento de abertura, desenvolvimento da percepção) e o self clássico (informações, habilidade para usar aquilo que lhe foi comunicado, inteligência, portanto). É entrelaçado porque a modalidade quântica permanece pré-consciente em nós e porque não sabemos quando cessa a comunicação e quando começa a informação; há uma descontinuidade. No cérebro, o mecanismo clássico opera como auxiliar do mecanismo quântico, e é necessário um ego forte para agüentar o desfazimento, a destruição do velho que abre espaço para o novo (daí, a necessidade de não se dissipar energia, como afirmam Benoit e Krishnamurti).

Como vencer as esmagadoras possibilidades que favorecem nossa velha memória, e que fazem que se manifestem respostas já conhecidas?

1°. Devemos e podemos minimizar o condicionamento mental, mantendo, conscientemente, a mente aberta a tudo, sem qualquer preconceito, para reduzir a probabilidade de respostas condicionadas.

2°. Podemos aumentar as probabilidades de que uma idéia criativa de baixa possibilidade se manifeste, se formos persistentes, porque a persistência aumenta o número de colapsos do estado quântico da mente relativo à questão, elevando assim a probabilidade de conseguirmos resposta nova.

3°.Já que a probabilidade de aparecimento de um componente novo da superposição quântica da mente é melhor com um estímulo não aprendido (ao qual não fomos submetidos antes), a probabilidade de criatividade é aumentada se obtivermos um estímulo não aprendido ainda. Assim, ler a respeito de idéia nova relacionada à solução que buscamos, por exemplo, pode desencadear, em nós, uma mudança de contextos sobre o assunto investigado. Estímulos ainda não aprendidos, que parecem ambíguos (mais de um sentido, ou que não têm resposta lógica, como os koans, das práticas budistas), são especialmente úteis para abrir a mente a novos contextos.

4°. Uma vez que a observação consciente produz o colapso de uma das superposições coerentes, em geral daquela de maior peso estatístico, há certa vantagem no processamento inconsciente (sonhos ou meditação, por exemplo). Nestes casos, superposições coerentes que não sofreram colapso, novas portanto, podem emergir, porque parcial ou completamente livres da interferência do ego, criando, assim, mais possibilidades entre as quais escolher no colapso eventual.

5°. Já que a não-localidade é componente essencial da mente quântica, podemos aumentar a probabilidade de um ato criativo trabalhando e conversando com outras pessoas, como numa sessão livre de geração de idéias. A comunicação estende-se além das interações locais e das bases locais das pessoas envolvidas, e é alta a probabilidade de que o todo seja maior do que a soma das partes (a egrégora RC).

A criatividade, assim, é o encontro hierárquico das modalidades quânticas e clássicas do self: informação e comunicação. E o ego tem que resistir ao desejo de reduzir o processo criativo àquela hierarquia simples, de programas condicionados, que já vimos, fazendo tentativas de conseguir o enfraquecimento do condicionamento, usando as recomendações apresentadas acima.

(Newton: “Nenhuma atividade, nenhum raciocínio, nenhum cálculo, nenhum comportamento agitado, nenhuma leitura, nenhuma conversa. Manter simplesmente em mente aquilo cuja solução se procura”. É a ‘meditação’ com concentração).

O envolvimento com os processos secundários, nascidos da defasagem temporal, dificulta o contato com o self quântico. Por isso, não experimentamos o nível puro, incondicionado, da operação. A experiência criativa é uma das poucas ocasiões em que, livres dos processos secundários, experienciamos diretamente o self quântico, com pouca ou nenhuma defasagem temporal; daí a produção do deleite, da felicidade, o ah-ah! (como no caso dos atletas).

A criatividade é expressão comum de nosso self quântico. Não necessita de talento, nem de perícia; apenas de uma curiosidade profunda de um tipo imediato (por exemplo, a pergunta: ‘Qual é o significado da vida? ’). E é preciso reconhecer que, quanto mais desenvolvemos o ego, mais e mais enfraquecemos o potencial criativo quântico; e também que, no nível do ego, a vida, por mais bem sucedida que seja, é cheia de inquietação e de pouca alegria.

O universo não está morto, porque nós não estamos mortos. (Segundo Krishnamurti, o universo todo é movimento incessante, indiviso, um fluir imprevisível e sem fim). A tendência para uma estase (inércia, estagnação, paralisação) semelhante à morte é produzida pelo ego, fruto do condicionamento genético e coletivo que é dado pela sociedade, cultura e civilização, e do qual dificilmente se consegue fugir. Mesmo assim, alguns, entre nós, têm insights (vislumbres) criativos. De vez em quando, nossa natureza criativa rompe o condicionamento. Quando isso acontece, temos oportunidade de perceber que existe, em nós, algo grandioso além do eu condicionado. No entanto, de que modo nos ligarmos diretamente ao self quântico? Estamos envolvidos demais com nós mesmos, nossas incertezas e nossos problemas do dia-a-dia. Por isso, quando o sofrimento nos atinge, tentamos fugas (confiamos em que podemos fugir dele). As fugas: novas companhias, distrações, lazer, viagens, bebidas, alimento, sexo, drogas ou um sistema fechado de crenças (religiões), como garantia para prevenir mais dor e sofrimento. Mas, tudo isso representa, apenas, mais condicionamento. Como não podemos mudar o mundo ao nosso redor, tentamos mudar a nós mesmos; tornamo-nos cínicos, ou caímos em desesperança, com isso embotando mais a mente. E a vida se torna uma viagem de altos e baixos, mais sem graça e mais sem alegria ainda.

Além disso, a criatividade sem sabedoria (sem que saibamos como usar o que nos foi comunicado) fortalece o ego. Temos que usar a criatividade com sabedoria, o que produz uma transformação que leva a amar incondicionalmente e a agir com altruísmo. Temos de lidar com a incerteza (pois não temos certeza ainda) de que estamos, na realidade, além do ego. Isso inclui a meditação, tentativa repetida (sempre sem qualquer esforço e sem visualizar ou ter em mente qualquer objetivo), de obter uma auto-identidade que transcenda o ego, que esteja além do ego.

Mas, como é possível usar o ego para transcender o próprio ego? O que precisamos é não esquecer que o ego não é o self, mas, apenas, uma identidade operacional, temporária, falsa, dele. E não podemos ser criativos usando nosso raciocínio condicionado. Devemos compreender e observar, sistematicamente e o tempo todo, nosso condicionamento. Não somos competentes para acessar o self quântico enquanto, constantemente, estamos alimentando a ansiedade que é agente fortalecedor do ego (e a vida do dia-a-dia é só feita de conflitos que trazem sempre aflição, pois o condicionamento a faz assim). Por isso, devemos evitar nossa busca do prazer, o apego à excitação, as tentativas frenéticas para evitar o tédio, a dúvida, o conflito, a dor. Renunciar, também, aos sistemas de crenças, pois todos são limitadores e não resistem a quaisquer questionamentos. (Como afirmam os sábios: ‘As religiões organizadas, com suas crenças, dogmas e rituais, impedem o acesso à vastidão da mente’ (a Deus).

Na criatividade interna, o salto quântico permite romper os padrões de comportamento consolidados, porque condicionados, que constituem o caráter, que evoluiu desde o nascimento até a vida adulta. Para uns, acontece o salto quântico, do ah-ah, ou o satori. Para outros, a transformação é gradativa. A criatividade implica em estarmos sempre, pacientemente, perceptivos (atentos) do imediato, do que acontece no momento, de quais barreiras de nosso condicionamento está emergindo tal tipo de resposta que nos impede de viver um novo contexto (o ‘conhece-te a ti mesmo’, da antiga sabedoria; é o conhecer, em profundidade, nossos condicionamentos e, afinal, conhecer o que somos).

O universo é um espetáculo de sombras projetado na parede e nós somos espectadores iludidos, segundo Platão. Vemos apenas as sombras, ilusões que permitimos que nos condicionem. A realidade autêntica está às nossas costas, na luz que cria as sombras. Nós, também, lançamos nossa sombra sobre a parede e nos identificamos com ela. Por isso, Krishnamurti disse que precisamos dar uma meia-volta completa, transformarmo-nos radicalmente, o que exige percepção profunda da natureza do nosso ego e de nosso condicionamento. Mas, mesmo que tentemos mudar aquilo que somos, pelo raciocínio, intelecto ou pensamento, isso jamais funciona (O que temos de fazer é esquecer o ego, obstáculo à percepção procurada pois é puro condicionamento)

Devemos, então, provocar o surgimento da criatividade interna, usando as técnicas apontadas, meditação, por ex., para criar hiatos entre nós (self quântico) e nossa identificação com o ego. Nesses hiatos, temos capacidade para exercer o livre-arbítrio (liberdade de vontade), que é direito perfeito de nossa modalidade quântica. Para isso, temos de conhecer profundamente nosso condicionamento, qual é o problema interno (o ‘conhece-te a ti mesmo’). Se nos mantivermos de mente aberta, e temos um problema ou uma pergunta que nos perturba a curiosidade, pode acontecer o salto quântico. Quando conhecemos nosso condicionamento, quando percebemos nosso potencial de crescimento interno, podemos mudar. E sabemos que estamos mudando quando o contexto de nossa vida muda do nível do ego pessoal para o nível de buddhi, isto é, do domínio do self clássico para uma influência maior do self quântico, o que implica uma condição de viver com um sentido natural de amor e serviço aos demais, e que equivale a uma aproximação também natural (sem esforço, espontânea) da consciência una (ou Deus).

Segundo a tradição indiana, talvez a que realizou mais extensas pesquisas sobre a criatividade, agora sendo confirmada pela ciência, a criatividade interna se desenvolve em quatro fases: 1)uma de aprendizagem e desenvolvimento do ego, do nascimento até se tornar adulto jovem; 2)uma de identidade com o ego, desfrutando os frutos agridoces do mundo; 3)outra voltada para dentro de si mesmo, buscando o despertar de buddhi; e 4)outra de desenvolvimento em buddhi, culminando na transcendência de todas as dualidades, de todos os contrários (bem e mal, certo e errado etc.), de todos os impulsos, o que resulta em total e completa libertação (‘...e a verdade vos libertará’.).

Como ignoramos nossa modalidade quântica, que é o que dá significado à existência, nos perdemos nas habituais dicotomias (dualidades) locais, mundanas, a que estamos predispostos: prazer e dor, sucesso e fracasso, bem e mal etc. Pouca ou nenhuma atenção damos às possibilidades disponíveis em nossa conexão quântica e, quanto mais idade, mais nos condicionamos aos velhos hábitos. Para transcendermos esse condicionamento, o estudo daquilo que os sábios fizeram pode nos revelar o caminho. Mas, já estamos lá, unidos ao todo, somos o todo, e o objetivo da meditação é perceber essa união. Falta-nos, segundo os místicos, apenas esse percebimento. O intelecto e o raciocínio não têm condições de fazer essa operação; condicionados que estão, não percebem o atemporal. O exercício do raciocínio, do intelecto e do pensamento apenas exercita o ego, dando-lhe mais força.

Assim, os mestres Zen preparam ‘koans’, dilemas destinados a paralisar o ego, o raciocínio, o pensamento. O indivíduo, no dilema, na impossibilidade de encontrar soluções, renuncia temporariamente à autonomia do ego, que não tem a resposta. O koan produz o salto quântico do dilema para além da identidade com o ego (este, não estando presente, não interfere, e ‘Deus’, a consciência una, pode ser percebido ou vivenciado em sua essência).

Nas tradições cristã e sufista, recomenda-se exercitar o amar sem esperar retorno. Contudo, o ego é tão incapaz de solucionar um koan, quanto de amar incondicionalmente. O amor incondicional é do nível de buddhi. Como amar alguém sem a satisfação do ego, sem estar apaixonado, sem razão para amar? (na mossa ignorância, não temos nem conhecemos amor; conhecemos apenas apego, que nos faz sofrer). Não podemos criar amor pelo esforço da vontade. Só numa abertura criativa, num salto quântico, podemos conquistá-lo.

(A história do bote que avança contra o nosso, com risco de desastre; esbravejamos e gritamos mas, no último momento, vemos que está à deriva, que não tem piloto. Não adianta esbravejar; contra quem fazê-lo? O que aconteceria se nos aproximássemos de todos a partir do vazio de nosso coração, sem idéias preconcebidas (são também condicionamentos)? E tem mais. Se é a consciência una que escolhe, o avanço do barco é sua escolha; mesmo que tivesse seu piloto, sua marcha é determinada pela consciência una. O que podemos nós fazer? Ninguém escolhe, pela sua livre vontade, fazer o bem ou o mal).

Nesse vazio, sem predisposições, o conjunto de probabilidades de escolha é ampliado para a dimensão criativa. A onda quântica de nossa mente expande-se e está pronta para aceitar novas respostas. No karma yoga, o primeiro passo é praticar a ação sem cobiçar seus frutos, isto é, sem esperar recompensa, gratidão, reconhecimento (‘dá a Deus os frutos da ação’, ou: ‘Que tua mão esquerda não saiba o que faz a direita’.). O segundo passo, no qual o amor já despertou, é agir a serviço dos demais, que é o mesmo que agir a serviço de Deus. No terceiro passo, vivemos como instrumento da ação apropriada (correta), e não como o sujeito que, intencionalmente, age sobre um objeto. Quanto mais agimos sem desejar o fruto da ação, e quanto mais meditamos, mais somos capazes de amar. Quanto mais amamos, mais madura se torna nossa sabedoria. Quanto mais sábios somos, mais natural é agir desinteressadamente; com amor, portanto. Tudo que precisamos é o estado de perceptividade que a meditação traz e amplia.

(A meditação não é o sentar-se relaxado, costas eretas, em silêncio externo e interno. A meditação é aquilo que pode vir a acontecer depois disso).

No colapso, surgem, co-dependentemente, o observador (o conhecedor, o sujeito da experiência), o campo do conhecimento (a observação, percepção), e o conhecido (a coisa observada, o objeto da experiência). Não há aí nenhuma experiência independente, no sujeito, no campo, ou no objeto; a consciência, e só ela, é a realidade. Tudo está incluído nela. Os místicos sempre afirmaram que, para compreender essa realidade, a linguagem é inadequada devido à dificuldade de expressar a realidade absoluta, não-relativa, em palavras relativas. (O finito não pode expressar o infinito; Paulo: ‘Vi e ouvi coisas inefáveis’).

Nada existe manifestado antes que a consciência produza o colapso do objeto/onda no espaço-tempo. E, sem percepção, nenhum colapso. A hierarquia entrelaçada, a oscilação infinita de respostas sim-não, porém, não nos permite perceber o self quântico. A percepção só pode acontecer com o salto quântico, que os procedimentos recomendados e, sobretudo a meditação, tornam possível.

(Siga os pensamentos, sem qualquer esforço, sem qualquer objetivo em vista, sem julgar, sem conceituar, sem interferir, até as profundezas cada vez mais sutis, conforme os ensinamentos de Krishnamurti, da Meditação Transcendental de Mahareshi, e do budismo. Eventualmente, o resultado será o despertar que leva ao nível buddhi, da identidade com o self quântico, com o próprio Deus).



O QUE É A MEDITAÇÃO

A meditação é aprender a dar atenção, a ser desapegado e a agir como testemunha do melodrama contínuo dos padrões de pensamento (testemunhar os pensamentos, seu incessante tagarelar; observar, com atenção, sem interferir no seu fluir; é a percepção ou observação sem escolha). Para romper com a existência no nível do ego, precisamos identificar, com certa precisão, o que está acontecendo em nossa vida diária; reconhecer como o apego aos hábitos nos manobra. Ou, para nos abrirmos ao amor, podemos focalizar a atenção em nossos relacionamentos com o mundo. Todas as técnicas exigem a prática básica de sermos atentos e desapegados. A meditação nos ensina isso (atenção para não deixar que o condicionamento use seu poder). Sentado, de olhos fechados ou abertos, atenção na chama de uma vela ou na respiração, ou no som de um mantra ou em qualquer outro objeto, isso é meditação com concentração. Sempre que a atenção enfraquece e surgem pensamentos, gentil e persistentemente trazemos a atenção de volta ao ponto de onde se afastou, mantendo unidirecionalidade para transcender o pensamento, para mudá-lo do primeiro para o segundo plano de percepção (pelo salto quântico).

Na meditação de percepção sem escolha, o próprio pensamento e, na verdade, todo o campo da percepção, é objeto de nossa atenção. Se permitirmos que a atenção observe livremente o fluxo de pensamentos, sem fixar-se (sem escolha) no conteúdo de qualquer pensamento particular, o fluxo se detém; (é o hiato), o que, eventualmente, nos permitirá transcendê-los, ir além deles, que é o mesmo que ir além do ego.

Nesse tipo de meditação, focalizamos a atenção nos nossos pensamentos. O pensamento (a posição) ou o fluxo do pensamento (o momentum), um ou outro, torna-se vago ou incerto (Heisenberg). À medida que aumentamos a atenção sobre o fluxo, a certeza sobre o conteúdo tende a tornar-se menor, até que cessa totalmente; então, a atenção referente ao fluxo tende a tornar-se infinita (e vice-versa). Cessada a associação entre conteúdo e fluxo, ficamos centralizados no atemporal, e a meditação pode acontecer a qualquer momento. E, como dizem os sábios, ‘acabou-se’.

Nessa prática, a associação torna-se cada vez menor, fazendo-nos perder o conteúdo do pensamento. Uma vez que o apego (e todo sofrimento) resulta do conteúdo, se este desaparece, desaparece o apego, e nos tornamos observadores desapegados, indiferentes, apenas testemunhas de nossos padrões de pensamento (apenas testemunhas porque, cessados os pensamentos, cessa o ego, que não mais vai interferir através das tentativas de tudo avaliar ou conceituar).

A meditação tende a provocar estados alterados de consciência, como foi amplamente provado nos eletroencefalogramas em pesquisas independentes relativas à Meditação Transcendental. Meditadores experientes apresentam características fisiológicas tão modificadas que a meditação tem sido chamada de o ‘quarto estado da consciência’ (os outros três estados conhecidos pela ciência são: vigília, sono profundo e sonho associado ao sono, MRO). O padrão de ondas cerebrais na vigília é chamado beta, de baixa amplitude e alta freqüência (mais de 13,5 Hz). Na meditação, tais ondas são substituídas por alfa, de alta amplitude e baixa freqüência (7,5 a 13,5 Hz). O domínio de ondas alfa implica receptividade relaxada, passiva, e constitui uma das características importantes da mente meditativa.

Outra característica notável, é que indivíduos comuns, no estado alfa, se submetidos a um estímulo súbito, retornam imediatamente ao estado beta; isso não acontece com veteranos na meditação com, nos quais o estímulo súbito não afeta o estado em que se acham; as ondas alfa persistem.

Na meditação por percepção sucede algo melhor. O meditador em estado de percepção comum, em vigília, sob estímulo súbito, como o tique-taque de um relógio, habitua-se ao estímulo em um tempo muito curto, na medida em que seu padrão de onda cerebral não muda mais (é a resposta de habituação). O sujeito comum não meditador demora a habituar-se ao som do tique-taque, ou de uma gota de água, enquanto os experientes na meditação, por percepção, ao contrário, estranhamente nenhum sinal de habituação apresentam, seja no estado de meditação, seja no de vigília; suas ondas cerebrais não mostram perturbação, como se o estímulo não houvesse sido produzido.

A pesquisa mostrou, também, a importância da passividade da atenção visual (olhar suave ou indiferente) para gerar o estado meditativo, o que se consegue simplesmente inclinando os olhos para cima ou para baixo (prática tibetana). Alto grau de alfa é obtido, também, na atenção passiva ao campo todo (observação sem escolha). O estado alfa é bom porque geralmente implica relaxamento das tensões do corpo e da mente, fato que favorece o mergulho na investigação do self.

Outro aspecto meditativo são as ondas teta (3,5 a 7,5 Hz), de mais baixa freqüência que alfa, e associadas à experiência criativa. A presença de teta no padrão cerebral de meditadores lembra-nos que crianças, até 5 anos de idade, têm domínio teta (que evolui, mais tarde, para alfa, normal na vigília dos adolescentes e, após, para beta, do adulto). Uma vez que crianças, em processo de desenvolvimento da consciência, têm dominância da modalidade quântica (isto é, sofrem menos influência dos processos de percepção secundária), pode-se presumir que as ondas teta caracterizam, de algum modo, os processos primários da modalidade quântica (consciência não-dual) no cérebro-mente. Se isto é válido, tanto a meditação como as experiências criativas (todas com ondas teta), podem estar sinalizando (indicando) uma mudança da consciência do ego para a consciência do self quântico (do ego para o absoluto, para a divindade).

Pesquisas têm mostrado como funciona a meditação com mantras e com concentração. Nossa consciência não tem competência para focalizar duas coisas ao mesmo tempo. A atenção focalizada em um estímulo existente predispõe a probabilidade de resposta em favor desse estímulo, e torna baixa a probabilidade de colapso de uma superposição coerente nova. A atenção a um mantra desvia nossa atenção de pensamentos ociosos. O mundo externo de ruídos e luzes que existe em nosso interior, como um reflexo do que existe no exterior, começa a ceder à medida que nos tornamos mais competentes na atenção ao mantra, até que chegamos a um estado em que a própria mente parece habituar-se: embora os eventos no campo da percepção secundária (percepção do próprio corpo, memória etc.) estejam presentes, eles são poucos e muito separados (formando hiatos). Nessa situação (isto é, nesses hiatos, onde o eu cessa de operar, de interferir) os processos primários, quânticos, podem se revelar.

Sabemos que os pensamentos, sentimentos e emoções são inevitáveis na nossa percepção secundária. Devido à estrutura de nosso cérebro, não temos competência para evitá-los durante período prolongado de tempo. Então, em vez de combatê-los, devemos, na meditação por percepção, acompanhar o seu fluir, com atenção aos pensamentos que surgem, fluindo com a corrente (percepção sem escolha, isto é, não nos prendemos a nenhum pensamento; apenas ficamos atentos ao seu fluir). Se fluirmos com a corrente, atentos aos pensamentos que surgem, estes são mandados para o ‘leito da corrente’, para o fundo da percepção que testemunhamos (cessam de fluir). Com isso, podemos nos tornar testemunhas durante períodos cada vez mais longos, porque não estamos mais interferindo, pela introspecção, com experiências da percepção secundária. Como estamos atentos ao fluir dos pensamentos, a atenção impede a percepção secundária e, conseqüentemente, não fazemos introspecção, isto é, associação de idéias nem exame dos próprios pensamentos (o eu não interfere devido à atenção no fluir). Essa não interferência nos permite experimentar o self quântico, a consciência absoluta, a mente universal (Krishnamurti afirmou: ‘quando o eu não é (não existe), Deus é (Deus existe)’, igual ao: ‘Aquieta-te e sabe: eu sou Deus’, do Velho Testamento).

Desse modo, a meditação por concentração e a meditação por percepção sem escolha, podem nos dar vislumbres da consciência primária, que está além do ego. E o importante: a percepção dessa consciência pode ser aumentada com a persistência na prática da meditação.



TÉCNICAS DE MEDITAÇÃO

Karma yoga começa com o agir sem apego aos frutos da ação, isto é, sem esperar reconhecimento ou gratidão por aquilo que fazemos. Mas, é absurdo para o ego, dominado pelo hábito, renunciar às recompensas e castigos que nos condicionam o comportamento, condicionamento que só pode ser removido pela prática da meditação. É renunciar a ser vitorioso nas pequenas discussões, onde queremos manter nossa autoridade (no lar, no trabalho etc.) até aos conflitos maiores; abandonar o desejo do “vou mostrar a ele quem é que tem razão!” e tudo mais. Com a prática, acaba-se percebendo que ‘a raiva “está, apenas, na superfície”. No fim, obtemos capacidade de escolher se dizemos “não” ou “sim”, se reagimos com mais discussão, ou se apenas desfrutamos a situação, controlando (sem esforços; suavizando) nossa reação interna habitual, ‘controle’ que, aos poucos, também se manifesta nos atos externos. A meditação (e até a auto-observação) ajuda-nos a ver as maneiras como o ego reage aos estímulos externos, e pode fazer (pela compreensão de como o ego reage), que cessem alguns desses padrões de comportamento.

O objetivo, na meditação, é reduzir a probabilidade, que é de quase cem por cento, de ocorrerem respostas ligadas a estímulos condicionados (respostas já nossas conhecidas). Pelo condicionamento, o comportamento, numa discussão, por exemplo, seria tentar dizer sempre a última palavra. A meditação, abrindo um hiato, pode fazer nascer uma resposta criativa ligada ao problema que temos. E só quando a resposta surge criativamente (e espontaneamente) é que pode ocorrer mudança radical (mudança total no nosso condicionamento). Isso só se consegue pela prática persistente (da meditação). Nossos pensamentos e nossas crenças somem se não nos grudarmos a eles. O objetivo da meditação é nos ajudar a jogar fora os fardos que pesam sobre nós (crenças, opiniões, ilusões, condicionamentos) para que possamos viver livremente. (Krishnamurti: ‘Abandone as crenças e opiniões; não são fatos. Elas somente nos prendem o coração e o intelecto, tirando toda liberdade de agir. Não siga outras cabeças, gurus, mestres, escrituras’. ‘Aquele que se liga a religiões organizadas é imaturo’. Jesus: ‘Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará’).

O segredo da imortalidade consiste em viver o momento presente, no aqui-agora (a mansão da morte, de K.); o aqui-agora é a própria eternidade. Não podemos, por esforço de vontade, transformar a vida do dia-a-dia no aqui-agora, mas podemos com a meditação, com mantra ou por percepção sem escolha, cultivar condições que permitam que surja esse tipo de vida. O mantra pode nos levar ao aqui-agora ao privar nossos sentidos de qualquer outro estímulo, exceto ele mesmo, libertando-nos para estabelecer um novo relacionamento com a realidade. O aqui-agora é denominado samadhi quando há absorção completa no objeto da meditação. No samadhi mais elevado, percebe-se a essência do objeto e que não há separatividade, que o observador é a coisa observada; a essência é penetrada e, eventualmente, vê-se o objeto em sua identidade com o todo. Esta experiência é denominada não-self (satori, no Zen) porque se percebe que não há nenhum self individual, um eu, em parte alguma. Outros a chamam de iluminação ou gnose. Essa experiência é acompanhada por um sentimento inesquecível e indescritível de intensa alegria e felicidade.

Experiência diferente ocorre ao alcançarmos, pela meditação, o estado de observação perfeita. Os objetos surgem e desaparecem de nossa percepção, mas esta está inteiramente desapegada, sem julgamentos (observação sem escolha, sem comparações, sem conceituação). A experiência produz o mesmo efeito de felicidade e alegria (a alegria do nível da mente, segundo Wilber).

A alegria da experiência é a alegria original da consciência pura (a alegria de sentir que ‘eu e o Pai somos um’, quando cessam todos os sofrimentos e despertam o amor, a compaixão e sabedoria), alegria que surge quando o self reconhece que está experimentando alguma coisa muito maior do que o ego. Esse reconhecimento gera alegria (bem-aventurança, como é chamada pelas religiões) porque nos faz compreender aquilo que realmente somos. No ego, nossa identificação é com o cérebro-mente; no samadhi, é com a consciência, que permeia toda existência e que é tudo. Essa é nossa verdadeira identidade, pois o ego não existe. Após a experiência do satori, samadhi ou observação perfeita, a prática disciplinada deve continuar para que se possa levar o buddhi à ação no mundo, no serviço aos semelhantes (aquele que chegou lá, tenta levar aos semelhantes a compreensão que agora ele tem, ensinando-lhes o caminho para o reino de Deus).



AMOR E ÉTICA

O Bhagavad Gita diz que o segredo dos segredos, o caminho mais direto para o despertar de buddhi, consiste em praticar ver Brahman (o Absoluto, Deus) em tudo e em todos, e em servir a Brahman com devoção. Isto é, ame a Deus e sirva a Deus em todos (isto é, sirva a todos como se estivesse servindo a Deus, pois como amar ou servir a Deus a não ser amando e servindo a Deus em todos?) Pois, o que significa amar a Deus? Será algum relacionamento de adoração a uma ‘idéia’ do que seja Deus? Pela literatura idealista, amar a Deus é amar suas criaturas, amar a si mesmo, amar os outros, através do serviço ou da amizade; amar pai, mãe, irmãos, filhos, pelas relações de parentesco; amar o cônjuge ou companheiro; a natureza, os animais, árvores, rios, o meio ambiente, enfim (ecologia real e profunda) (e não esquecer que, como afirmam os sábios, todos os seres são apenas máscaras de Deus).

Mas, em todo relacionamento humano, quem domina é a localidade (o ego condicionado), pois nossa vida é vida de relação sempre local, no espaço-tempo. Portanto, devemos estabelecer relacionamentos altruístas para romper com o egocentrismo do ego (isso, eventualmente, enfraquecerá o ego e servirá aos nossos propósitos de transcendê-lo e chegar à não-localidade, ao atemporal). O ego ama a si mesmo, tanto que ambiciona fama e poder e quer ser imortal (reencarnação, ou ressurreição). Devemos procurar servir os demais, pois serviço significa esquecimento das nossas necessidades e dos desejos egoístas (enquanto o normal é avaliarmos nossos relacionamentos pela análise de custo-benefício, sempre favorecendo nossos interesses pessoais).

Mesmo o amor entre homem e mulher pode (embora muito raramente) ter, como resultado, acesso ao nível de buddhi, pois um reconhece que o outro é seu igual; consegue-se, assim, destruir o egocentrismo o que, eventualmente, nos levará ao amor incondicional que pode nos lançar ao nível de buddhi. Para o desperto o mundo inteiro é sua família. À medida que o mundo se torna nossa família, começamos a perceber a verdadeira natureza da nossa consciência (a consciência em tudo e em todos). Vemos unidade na diversidade. Amamos as pessoas simplesmente porque elas existem. Não vamos precisar, nem querer, que elas se adaptem aos nossos padrões e culturas particulares. Em vez disso, vamos respeitá-las e nos maravilhar com a extensão da diversidade. Começamos a entender aquilo que os hindus chamam de “o jogo de Deus”, que é o jogo da vida, o movimento da vida (o fluir) de todos os instantes.

Quanto à ética, o autor julga que, um dia, a ciência virá demonstrar que ela faz parte do esquema universal. O experimento de Aspect indica, de modo indiscutível, que a separatividade é ilusão; que eu, você e os demais, não somos seres separados, o que leva a acreditar que a visão de mundo da mecânica quântica exige ética, ética que fluirá naturalmente da prática da criatividade. Para o realismo-materialista, é realidade a afirmação “a maior felicidade para o maior número de pessoas”, filosofia que infelizmente domina o Ocidente. Nela, a felicidade é definida, basicamente, como prazer: o que quer que traga o maior volume de prazer para o maior número de pessoas, é o bem final, aqui ficando esquecidas as pessoas não incluídas nesse maior número (uma guerra inflige dor a muitos, mas é justa se trouxer felicidade para a maioria!) Para o realismo materialista, só coisas materiais, como ouro, sexo, poder, beleza, apego, trazem felicidade, e é ‘direito’ nosso buscá-las a todo custo, muitas vezes doa a quem doer (!).

A ética do monismo idealista é totalmente diferente. A filosofia advinda da física quântica define nossa consciência como optadora (escolhedora) (não mais Cogito, ergo sum, ‘penso, logo existo’, mas Opto, ergo sum, ‘escolho, logo existo’). Tão logo compreendemos que temos o privilégio, inerente a nós, de agir na modalidade quântica, com liberdade e criatividade, que, portanto, somos livres (podemos escolher) na prática de nossas ações, admitimos que somos responsáveis por nossos atos. Se somos uma única consciência, amar os outros é amar a nós mesmos; ferir os outros é ferir a nós mesmos. O objetivo da ética é o correto, é o bom (os Dez Mandamentos, de Moisés; a Senda Óctupla, de Buda etc.). Muitos, ingenuamente, supõem que, decorando tais regras, terão aberto o caminho para a realização do Homem Ético. Mas, há enorme diferença entre a letra e o espírito da lei. Pode haver conflitos de interpretações (como ocorre nas religiões), e descobriremos que prêmios e castigos não são distribuídos com justiça. Não é apenas seguir as regras, mas nos transformarmos interiormente para isso, transformação que só se consegue pela profunda compreensão advinda da meditação.

Embora tenhamos possibilidade de agir na modalidade quântica, somos seres condicionados. Talvez, por isso, a tendência de evitarmos as responsabilidades e o fato de ser sempre tão difícil, para nós, a aplicação de princípios éticos às circunstâncias infinitamente variadas de nossas vidas. Isso nos leva a aceitar as incoerências do comportamento antiético nosso e das outras pessoas. Princípios éticos nos foram transmitidos através das gerações, mas não foram transmitidas as instruções de como o homem pode se tornar ético (a prática para se chegar a essa ética; enquanto não chegamos, a ética será falsa, imitação, ou por medo). Devidamente compreendidos, os códigos de ética não contêm regras para o comportamento externo, mas instruções para meditação interna, enquanto nos comportamos externamente. Para a maioria, “Ama a teu próximo como a ti mesmo” é regra inútil como código de comportamento, porque, para começar, nem sabemos o que seja o amor. No fundo desse mandamento está a certeza de que não somos separados de nosso próximo. A regra deve ser simplesmente “Aprenda a amar”.

Amor como conseqüência de meditações persistentes é diferente do amor como conjunto de regras de comportamento prescritas para serem seguidas (regras impostas, mandamentos). O verdadeiro amor vem com a meditação, vem de dentro; esse amor é que transforma nosso comportamento e permite que suavizemos as fronteiras de nosso ego em relação aos demais. É um comando interno, que perdemos quando, presos na identidade com o ego, perdemos, também, aos poucos, a sensibilidade de ouvir esse comando.

O prêmio pelo ato moral é na verdade o céu, mas não após a morte. O céu está nesta vida; não é um lugar, mas a experiência de viver na não-localidade quântica, no atemporal. Assim, evitar a ética implica eternizar a vida no nível do ego; esse é o inferno real. Na visão ética da filosofia quântica, o único pecado é reforçar o ego, o meu ou o dos outros, na modalidade clássica e, com isso, ter o acesso à modalidade quântica impedido, o que implica em bloquear a liberdade e a criatividade (este é o pecado original, pois que nos traz a separação de Deus). Como afirma Krishnamurti, nossa vida somente adquire sentido quando percebemos a realidade. O inferno está na terra, na servidão ao ego. A vida na modalidade quântica está além do bem e do mal, transcende todos os opostos; é liberdade plena, total. Mas, quanto mais forte o ego, menor a possibilidade de se alcançar essa liberdade, que só o percebimento do real proporciona.

O ego procura, com freqüência grande demais, encontrar um equilíbrio na dualidade dos conceitos dos opostos, como o do bem e do mal, prazer e dor, conflito e paz,... a tendência habitual, condicionada, de comparar, conceituar, dar nome e medir tudo. Esta tendência de introduzir dualidades leva-nos a julgamentos segundo padrões por nós considerados absolutos e corretos, mas que, na realidade, são falsos, pois limitam o potencial do indivíduo que julga e do que é julgado.

O bem transformador que buscamos (todas as ‘religiões’ buscam) é o da modalidade quântica, pois que transcende a dualidade de bem e mal. É o bem da consciência una, que deve conter a ética em sua essência, ética só encontrada na criatividade interior, no encontro transformador com nosso self quântico (Deus), através do salto quântico, possibilitado pela meditação. É a mensagem implícita na lição de Jesus sobre o perdão, sobre o dar a outra face como resposta às afrontas pessoais, tão difícil de aceitar por nossa modalidade clássica. Isso exige transformação radical da psique (consciência localizada), que somente a meditação realiza.

Na modalidade quântica temos poder de evitar as respostas condicionadas, usuais, poder que não temos na modalidade clássica. Temos que permanecer abertos a possibilidades novas, sem tomar o atalho de uma resposta considerada ética, condicionada e, por isso mesmo, mais fácil de acontecer e, provavelmente, errada por ser fruto da interpretação do self condicionado.

(A jornada da criatividade interior, contudo, não está terminada até que o produto dela, a transformação do nosso self, esteja concluída e comunicada para que os outros a vejam, a sintam e sejam por ela beneficiados. ‘Não coloque a luz sob o alqueire, mas sobre o velador...).

Os estágios da prática da ética idealista são três. No primeiro, praticar a ação sem cobiçar seus frutos. Esta cobiça interfere de tal maneira que impede que percebamos claramente nosso condicionamento. A incapacidade de perceber o condicionamento nos impede de reconhecer nossos deveres éticos e nos mantém alheios aos atos corretos, morais. Quando começamos a perceber o quanto estamos condicionados, começamos, também, a identificar nossos atos errados, porque condicionados, o que nos dá a possibilidade de agir moralmente, eticamente.

No segundo estágio, devemos agir a serviço dos demais; é o estágio do altruísmo, da ação ética e moral. E quanto mais amamos, mais somos capazes de agir eticamente com os demais e conosco.

No terceiro estágio, a nossa vontade é a mesma vontade da modalidade quântica do self (vontade de ‘Deus’). Renunciamos à vontade do nível do ego em troca da ‘escolha’ permanente da vontade da consciência una (é o “seja feita a vossa vontade e não a minha” da ética cristã, embora esse “minha”, então, não tenha mais sentido, pois estaremos identificados com o self quântico). Essa renúncia sugere que temos livre-arbítrio, o que não é o caso, porque, nesse estágio de maturidade a “minha” vontade é a mesma vontade do self quântico (Eu e o Pai somos Um). Renunciar ao ego em troca da modalidade quântica, não é coisa que traga humilhações e sofrimentos; pelo contrário, é o que nos torna verdadeiramente livres e criativos. A partir daí, ética e moralidade não serão mais necessárias como guias porque não há mais nenhum conflito, todos se dissolvendo na vontade da consciência una. Há, apenas, pensamento correto e ação correta (nem mais necessidade de escolha).

À medida que nos transformamos do nível do ego ao nível de buddhi, a definição de boa vida (à qual, aparentemente, renunciamos, nessa caminhada) como a busca de felicidade, muda gradualmente para uma vida de alegria. A busca contínua de prazeres transitórios cede a um viver estável, fácil, sem esforço na totalidade, embora seja uma vida de serviço. Mas, não existem conflito nem dor nesse tipo de vida, porque, nessa fase do desenvolvimento do ser humano, como disse o poeta, “serviço é alegria”.

Embora em todas as grandes religiões existam tendências dualistas, e na maioria ocorra o endeusamento de um determinado mestre, no cômputo final tudo isso é transcendido, é deixado para trás: todos os credos, sistemas, crenças, escrituras e mestres. Isso porque a fculminação do processo de desenvolvimento é, na verdade, uma ‘re-ligação’ com o que realmente somos: ligamo-nos, novamente, com os processos primários do nosso self quântico, não-local e, com isso, transcendemos todas essas coisas que nada mais eram que muletas das quais não mais necessitamos.

A consciência é o fundamento de todo ser e nossa autoconsciência é essa consciência. Portanto, ‘para quê crenças, escrituras, mestres?’ (Whitman). Isso foi o que os antigos tentaram nos transmitir de tantas maneiras. Enquanto o mundo dos fenômenos seja considerado, no budismo (e por Krishnamurti e pelas religiões), repleto de inquietude e sofrimento, entremeado de fugazes momentos de satisfação e alegria, fato que, para o cristianismo, significa o resultado do pecado original e sua necessária expiação, e às vezes seja visto como nada mais do que ilusão que nos faz sofrer, os antigos enfatizaram a iluminação, o nirvana, a renúncia ao ego, que trazem elevação espiritual, elevação que é considerada a mais alta das virtudes e que leva à compreensão e à união final com o todo.

O idealismo monista afirma enfaticamente que podemos, sim, realizar nosso pleno potencial, o acesso ao self quântico, à consciência una, ao absoluto. Aí, no self quântico, o sujeito primário além do ego, reside a autêntica liberdade, a criatividade e a não-localidade da experiência humana (o verdadeiro paraíso). E podemos ter acesso a tudo isso se nos esforçarmos para compreender profundamente nossos condicionamentos, na insistente busca de conhecermos, profundamente, a nós mesmos pela perseverança na meditação (o ‘conhece-te a ti mesmo e saberás que és Deus’; o ‘autoconhecimento’ dos antigos sábios gregos. Jesus: ‘Aquele que perseverar até o fim, será salvo’ e ‘Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará’).



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