(3) ‘ALÉM
DA MENTE’ – Psicologia Transpessoal. (Jan
2008)
Baseado
no livro ‘Além do Ego’. Renomados físicos, psicólogos, psiquiatras e
pesquisadores da Psicologia Transpessoal e da meditação Zen e Yoga, falam sobre
a realidade da meditação como único caminho para a ‘salvação’ do ser humano. O
raciocínio, o pensamento, a imaginação não podem alcançar o ‘sagrado’, pois são
coisas finitas e limitadas e somente aquilo que é ilimitado e infinito, isto é,
que está ‘além do ego’, pode fazer isso.
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ROGER N.
Walsh, M.D., PhD., catedrático de Psiquiatria na Universidade da Califórnia,
autor de muitos livros de ciência da meditação e do cérebro, e Frances Vaughan,
PhD., clínica e professora de psicologia do Instituto de Psicologia
Transpessoal da Califórnia, autora de revistas científicas especializadas sobre
o tema.
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Nos últimos anos comprovou-se que as suposições ocidentais, sobre quem e o que
somos e do que podemos vir a ser, estavam erradas. Não conhecíamos o
extraordinário potencial para o bem-estar e para o crescimento psicológico extremo
que o ser humano possui.
Como grande parte desses novos dados não é aceita pela psicologia ocidental,
surgiu a psicologia ‘transpessoal’ para pesquisar tais capacidades humanas,
apoiando-se, particularmente, na física quântica e na sabedoria das tradições
místicas orientais. Seus interesses incluem pesquisas sobre estados
transpessoais (isto é, além do ego) de consciência, consciência cósmica,
bem-aventurança, êxtase, experiência mística, caminhos espirituais, compaixão,
percepção e práticas de meditação. É transpessoal porque leva a experiências
que estão além da identidade e da personalidade do ego. Esse potencial pode ser
alcançado pela meditação e, muitíssimo raramente, por maneira espontânea.
A psicoterapia e a psicologia do Ocidente só eram dirigidas à cura de doenças
da psique; nunca à saúde ou ao crescimento do ser pela ampliação da
consciência. Como, no Ocidente, não era aceita a existência de estados
alterados de consciência, que muitas vezes trazem expansão da consciência para
além das fronteiras do ego e do espaço e tempo, esses estados, comuns na tradição
oriental, eram diagnosticados (pelos cientistas ocidentais) como regressões
patológicas e mesmo psicoses.
Com o uso de psicodélicos (drogas que, com o tempo, causam embrutecimento da
mente), e de técnicas de meditação, muitas pessoas começaram a ter experiências
extraordinariamente poderosas de estados de consciência, que iam além das
experiências do dia-a-dia ou de qualquer conhecimento da psicologia ocidental.
Isso incluía experiências que, pela história, só ocorreram, rara e
espontaneamente, em indivíduos que haviam dedicado a vida a disciplinas
meditativas ou religiosas (os místicos e os chamados ‘santos’). Aquilo que,
durante séculos, os ocidentais julgaram ser superstições, mentiras ou
patologias, tornou-se, sem sombra de dúvida, verdadeiro e, sempre, o
acontecimento mais importante na vida de grande número de pessoas (Jung: ‘é a
mais importante e sublime experiência do ser humano’).
Muitos compreenderam a importância de certas psicologias orientais; que elas
oferecem técnicas que levam a estados superiores de consciência, e que a
capacidade para se chegar a esses estados, e às profundas intuições acerca do
‘eu’ e seu relacionamento com o universo, é natural em todos nós.
Sendo esses estados a própria finalidade das disciplinas orientais de
consciência, muitos dos que riam dessas idéias, ou as julgavam patologias,
começaram a meditar e estudar textos antes considerados só para místicos,
filósofos ou religiosos. Falar de estados superiores de consciência, unidade
mística, expansão da identidade, era coisa absurda. No entanto, inúmeras
pesquisas em psicologia, medicina e física (quântica), comprovaram sua
realidade. E, hoje, só nos EUA, o número de meditadores chega, talvez, a
milhões.
A reação de muitos foi de espanto e crítica, o que mostra a dificuldade de
descrever os estados alterados de consciência para quem ainda não os
experimentou (Paulo: ‘vi e ouvi coisas inefáveis’). A comunicação entre estados
diferentes de consciência é limitada por numerosos fatores.
O universo, visto pela ciência clássica, é atomístico, divisível, estático e
não-interdependente, enquanto, pela nova física, é holístico (abrange tudo; é
uma coisa só, um todo único), indivisível, interligado, interdependente,
dinâmico e inseparável da consciência do observador, o que fez que os próprios
físicos afirmassem que a sabedoria das antigas tradições místicas orientais
estava sendo re-descoberta.
Oppenheimer, físico: ‘As noções trazidas pela nova física não são novas, nem
desconhecidas. Até em nossa cultura elas têm uma história e, no budismo e
hinduísmo, um lugar central. O que estamos assistindo é uma redescoberta e um
aprimoramento da sabedoria dos místicos’.
Bohr, físico: ‘Para termos um paralelo da visão da física quântica basta nos lembrarmos
das visões do Buda (500 a .C.) e Lao Tse’ (600 a .C.) (ambos do misticismo oriental).
Suzuki: ‘Olhando ao derredor, percebemos que todo objeto se acha relacionado
espacial e temporalmente com todos os outros objetos. É fato da pura experiência
que não há espaço sem tempo, nem tempo sem espaço; eles se interpenetram e se
complementam’ (Talvez, por isso, o Buda foi retratado, assim que atingiu a
iluminação, ornado com um colar de gemas preciosas no qual as cores e os
brilhos de todas estavam refletidos em cada uma).
Minkowisk, físico: ‘De agora em diante, espaço e tempo estão condenados a se
tornarem meras sombras’ (em face da teoria da relatividade).
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DANIEL Coleman, Ph.D., psicólogo
clínico, professor de meditação na Universidade Harvard, autor e editor de
revista científica sobre psicologia, pesquisador das técnicas de meditação do
Ceilão e da Índia.
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Enquanto, no Ocidente, a psicologia nem
mesmo havia iniciado a investigação do bem-estar extremo psicológico, ou dos
estados superiores de consciência, no Oriente já eram encontradas concepções
radicalmente diferentes relativas à natureza e ao potencial psicológico do ser
humano. Reconhecidas nossas limitações culturais, abriu-se caminho para uma
visão mais ampla da nossa psicologia, com a criação de novos modelos capazes de
acomodar as concepções ocidentais e orientais.
Algumas das principais diferenças de
concepção:
No Ocidente, a matéria é considerada o
constituinte principal da realidade e é ela que cria a consciência ou mente
(isto é, a mente não passa de um subproduto da matéria cerebral).
No Oriente, a consciência é o elemento
principal e é ela que cria todo o universo material (ver Amit Goswami e outros).
Para o Ocidente, o universo é
reducionista e atomístico, isto é, pode ser decomposto em suas partes
componentes, ou entidades isoladas. Contudo, a física quântica redescobriu as
antigas descrições místicas de um universo indivisível e interconectado. A
realidade parece mais estranha que a ficção pois provas indicam que cada parte
do universo está conectada com todas as outras partes (isto é, em todo o
universo tudo está conectado com tudo).
A psicologia ocidental, para a qual ‘o
comum é o melhor’, considera o estado de consciência comum como sendo o estado
ótimo, visão que rejeita a possibilidade dos estados superiores das concepções
orientais.
Freud afirmou que o sofrimento é
inevitável e que a alternativa é derrotá-lo, porém, o psicólogo budista oferece
outra alternativa: alterar os processos da consciência ordinária e alcançar o
‘estado de Buda’ que acaba com todos os sofrimentos, sejam quais forem. Esse
estado é atingido principalmente pela meditação e, uma vez alcançado, extingue
os demais estados (ansiedade, depressão, orgulho, egoísmo, ciúme, inveja,
violência, medo, ignorância etc) que geram todos os sofrimentos.
O estado de Buda possui uma coerência de
ordem mais elevada do que as integrações sugeridas por qualquer ramo da
psicologia ocidental. A psicologia oriental ensina e, hoje, os ocidentais estão
compreendendo (em face das implicações das descobertas da física quântica) que,
pela meditação, esse estado pode ser atingido por todas as pessoas.
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ROGER N. Walsh e Frances Vaughan, já
citados acima, e Duane Elgin, pesquisadora em ciências sociais e autora de
obras sobre meditação, e Ken Wilber, pesquisador do misticismo oriental e autor
de importantes obras sobre psicologia transpessoal (Deepak Chopra diz que as
obras de Wilber estão sempre à sua cabeceira e ao alcance de suas mãos).
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A psicologia oriental faz afirmações que
contrariam completamente as pressuposições ocidentais relativas à consciência:
1)nosso estado ordinário (comum) de
consciência está muito abaixo do nível considerado ótimo;
2)existem muitos estados de consciência,
incluindo verdadeiros estados ‘superiores’;
3)esses
estados podem ser alcançados por treinamento
(meditação);
4) a comunicação entre tais estados é,
necessariamente, muito limitada.
Os místicos desenvolvidos afirmam, de
modo indiscutível, que o nível de consciência considerado ótimo pela psicologia
ocidental é apenas sonho e ilusão; que, saibamos ou não, somos prisioneiros de
nossa própria mente, emaranhados, sem percebermos, num diálogo-fantasia interior
(Benoit: o ‘filme’ emotivo-imaginativo) sem fim que cria distorções ilusórias na
nossa percepção da realidade; que essa condição nos permanece oculta até que
comecemos a submeter nossos processos de percepção à rigorosa análise, como o
que acontece na meditação.
A pessoa ‘normal’ é considerada
‘adormecida’ ou ‘mergulhada em sonho’. Quando o sonho é doloroso se torna
pesadelo e é reconhecido como uma condição patológica mas, como a imensa
maioria das populações está ‘sonhando’, essa condição permanece não-percebida.
Quando alguém desperta (isto é, se
ilumina) e deixa, em conseqüência, de se identificar com o sonho, pode perceber
que seu estado anterior de consciência, e o da população em geral, é apenas
ilusão.
Aqui no Ocidente, a psicose é definida
como um estado de consciência deficiente, que vê a realidade distorcida e não
reconhece essa distorção. Então, pela visão dos místicos, o estado comum de
consciência ocidental atende a todos esses critérios referentes à psicose: é
deficiente, tem visão distorcida da realidade e não reconhece essa distorção;
nós, ocidentais, portanto, na visão dos místicos, somos, todos, psicóticos.
Cada estado ou nível de consciência é, apenas, um grau relativo de percepção da
realidade, o que significa que nós somente percebemos uma parcela da realidade
(só os místicos desenvolvidos a percebem inteira; e esse percebimento vem com
meditação).
Tart: ‘Estudamos, no Ocidente, aspectos
do Sansara (maya, ilusão, mundo “material”) com muito mais detalhes do que as
próprias tradições orientais que criaram esse conceito. No entanto, quase
nenhum psicólogo ocidental aplica o que estudou a si mesmo. Eles supõem que
seus estados de consciência são lógicos, claros e sadios e não ilusão. A
psicologia ocidental precisa reconhecer que nosso estado ‘normal’ de
consciência é um estado psicótico, estado de Sansara (de ilusão, de sonho)’.
Os
estados superiores de consciência, que trazem liberdade total, iluminação,
superação do sofrimento e de todos os problemas da vida, nem chegam a
ser considerados pela psicologia ocidental, que só se aplica a tentar a cura de
patologias do nível do ego e existenciais. No entanto, os estados superiores
são dotados de todas as capacidades do estado comum e apresentam outras aptidões
adicionais superiores às do estado comum. Podem vir acompanhados de percepções,
intuições e afetos não usuais na experiência cotidiana, alguns fundamentais
para o desenvolvimento de uma verdadeira sabedoria
superior.
Mas, como disse Ramana: ‘Ninguém obtém
êxito sem esforço. Quem é bem sucedido deve à perseverança seu sucesso’ (Jesus:
‘Aquele que perseverar até o fim será salvo’).
King: ‘Convencemo-nos uns aos outros de
que nossa condição comum de consciência desperta é saudável e própria do homem,
pela simples razão de que todos somos suas vítimas’ (ela nos ilude a todos).
Assim, enquanto as experiências de
nirvana, iluminação, samadhi, satori, consciência cósmica, reino de Deus,
consciência de Cristo ou de Buda trazem um sentido de unidade e harmonia com todo o universo, os psiquiatras e
psicólogos ocidentais as interpretam como fuga ou regressão a um estágio
infantil primitivo (ao útero, ou ao seio materno). Faz pouco sentido para o
cientista de saúde ocidental a afirmação de que nosso estado comum de
consciência é limitado, carregado de fantasia, obscuro e ilusório, porque eles
não experimentaram estados elevados, embora a comprovação individual seja
relativamente fácil. Em poucos dias de investigação intensa (quando se tenta a
meditação), pode-se verificar a natureza irracional, obscura e incontrolável da
mente não treinada, e os investigadores se espantarão de não o terem percebido
antes.
A explicação de que as experiências
transcendentais são aberrações, porque não podem ser transmitidas verbalmente
(Paulo: ‘vi e ouvi coisas indizíveis ’), não leva em conta o fato de que a
linguagem pode ser excelente para a comunicação de experiências que as pessoas
têm em comum; mas experiências não compartilhadas implicam pouca ou nenhuma
comunicação. Daí, os obstáculos para a comunicação entre pessoas de diferentes
estados de consciência (Paulo: ‘A sabedoria de Deus é loucura para os homens’).
Assim, pela visão ocidental, as afirmações orientais sobre a consciência só
podem parecer sem sentido e incompreensíveis.
Vimalo: ‘As intuições místicas não podem
ser julgadas por pessoas não iluminadas, apenas com a visão limitada do
conhecimento intelectual’.
Assim, enquanto um objeto, para um
animal, pode não passar de algo estranho (o que ele é), para um selvagem pode
ser apenas papel marcado (o que ele é), para um adulto educado médio pode ser
um livro que traz afirmações estranhas e complicadas sobre a natureza e o mundo
(o que ele é), para o físico pode ser um brilhante tratado científico que
revela descobertas e profundas realidades (o que ele é). Para cada nível de
compreensão, há um grau diferente de significação, o que faz com que, em um
nível, não se tenha nenhuma compreensão dos significados, talvez
importantíssimos, de determinado evento de um nível superior. Por isso, pode-se
pensar que o místico afirmou bobagens e absurdos, resultantes de uma condição
patológica ou de um estado de consciência deficiente quando, na realidade, ele
afirmou verdades de níveis superiores.
A experiência transcendental ou mística é
um estado alterado de consciência que se caracteriza, entre outras coisas, por:
1) ser inefável: tem tamanho poder e é
tão diferente de qualquer outra experiência, que sua comunicação, isto é, que
falar sobre ela, é impossível;
2) desperta sentido aumentado de clareza
e compreensão (sabedoria);
3) traz percepção alterada do
espaço-tempo;
4) produz apreciação da natureza
integrada, holística e unitiva do universo e da própria unidade com este;
5) desperta intenso amor por todos; e
6) traz a percepção de que o universo é
perfeito.
Experiências simples ocorrem a muitos,
mas em geral essas pessoas as reprimem, as escondem, pelo temor da perda de
controle e da intolerância da sociedade, ou são mal interpretadas em face da
cultura vigente. Elas podem produzir mudanças benéficas e duradouras, tendo
Jung afirmado sua importância espantosa para a saúde mental: ‘O fato é que a
aproximação do numinoso (do transcendental, do miraculoso, da percepção de
Deus, do sagrado) é a verdadeira terapia e, na medida em que alcança essas
experiências, a pessoa se liberta da maldição da patologia’ (semelhante a ‘todo
mal e todo bem, mental ou fisiológico, pois mente e corpo são interdependentes,
vêm de uma menor ou maior aproximação da percepção do divino’).
Maslow afirma que a experiência mística
é ‘tão profunda e chocante que pode mudar o caráter de uma pessoa para sempre’.
Ao retornar dela, a pessoa ‘sente-se, mais do que nunca, o centro responsável,
ativo e criativo de suas próprias percepções e atividades, mais determinada e
com mais livre-arbítrio do que nunca’. E, dentro de uma ‘hierarquia de
meta-necessidades do homem’, considera a busca da transcendência do ego como o
objetivo mais importante e sublime da vida do ser humano (como Jung, também
afirmou). Pesquisadores da meditação afirmam que evidências comprovam seu potencial
de levar a estados superiores de consciência e a uma maior saúde mental. E
também que o investigador não pode ser apenas experimentador; tem de ser,
também, participante ativo. Outros alertam para o fato de que um dos mais
delicados problemas que os investigadores têm de enfrentar pode ser o
reconhecimento de que poderão sofrer resistências ativas acerca de idéias e
experiências advindas da meditação, pois suas crenças e concepções mais
fundamentais sobre a vida podem ser tremendamente questionadas até mesmo por
eles.
Satprem: ‘Eis porque é tão difícil
explicar o caminho para quem não o experimentou: a pessoa verá apenas seu atual
ponto de vista, ou melhor, receará a perda de suas crenças, a perda de seu
ponto de vista. E, no entanto, se ao menos percebesse que cada perda de ponto
de vista é um progresso e que a vida muda quando se passa do estágio da verdade
fechada para o estágio da verdade aberta - uma verdade que se assemelha à
própria vida, demasiado grande para ser aprisionada por pontos de vista, já que
abrange todos eles... uma verdade grandiosa o suficiente para negar a si mesma,
e passível de levar sempre e interminavelmente para uma verdade superior’.
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ROGER N. Walsh e Frances Vaughan, já
citados acima:
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A psicologia transpessoal considera a
pessoa por quatro dimensões: consciência, condicionamento, personalidade e identidade.
1) A consciência comum é um estado
contraído e defensivo, invadido por um fluxo contínuo de pensamentos e
fantasias incontroláveis (o filme emotivo-imaginativo, do Zen-Budismo), que
estão de acordo com nossas necessidades e defesas para a sobrevivência. Assim,
disse Dass: ‘Somos todos prisioneiros de nossa mente. Perceber isso é o
primeiro passo para a libertação’. Enquanto o homem não o percebe, nada faz
para se libertar.
É essencial, para a ampliação da
consciência, abandonar tal contração defensiva, apaziguando-a, e perceber seu
enorme potencial de ampliação, o que pode ser conseguido pela prática da
meditação.
Satprem: ‘O que traz a revelação do segredo é o silêncio
da mente. Na verdade, todos os tipos de descobertas ocorrem quando a mente
pára, e a primeira descoberta é que, se o poder de pensar é um dom grandioso, o
poder de não pensar é mais
grandioso ainda’. As técnicas de meditação das tradições orientais sérias têm
por objetivo exatamente a cessação do pensar, para que, cessando o pensar, a
mente se livre de suas impurezas, esvazie-se de seus obstáculos e tenha
condições de ver a ’Realidade’.
A afirmação de que nosso estado comum de
consciência pode ser ampliado traz implicações inesperadas. Como já vimos, o
estado comum de consciência do homem ocidental é idêntico à psicose. Nessa
perspectiva, cada estado de consciência revela sua própria gama de realidades,
podendo-se definir a psicose como um apego ou aprisionamento a ‘qualquer’ conteúdo
da consciência, seja de qual nível for (exceto o nível da Mente pura, Deus, pois
nesta, não há mais qualquer mal, obstáculo, doença, ou apego).
A realidade, tal como a conhecemos
(sendo essa a única maneira pela qual a conhecemos), é apenas ‘parte’ da
realidade. Ram Dass: ‘Crescemos num plano de existência, percepções e interpretações,
que julgamos real. Identificamo-nos por inteiro com essa realidade, que
consideramos absoluta e verdadeira, e descartamos as experiências incompatíveis
com ela. O que Einstein demonstrou na física se aplica a todos os aspectos do
universo: a realidade é relativa ao nível de consciência do observador.
Cada realidade só é verdadeira dentro de determinados limites (de consciência);
não passa de uma versão possível do que as coisas são. Há sempre múltiplas
versões da realidade. Despertar de uma delas é reconhecer sua relatividade’. (Só
no nível da Mente pura a realidade é absoluta).
William James: ‘Nossa consciência
desperta e comum é apenas um dos tipos de consciência; ao seu redor, separadas
dela pelo mais fino véu, há formas potenciais de consciência que dela diferem
inteiramente. Podemos passar pela vida sem suspeitar de sua existência, mas
aplique-se a elas o estímulo necessário e, num instante, elas surgem em toda
sua inteireza. Não pode ser completo o significado do universo em sua
totalidade se não se considerar essas outras formas de consciência. ’
Logo, a realidade que percebemos reflete
nosso estado de consciência do momento, e jamais podemos explorar a realidade
sem explorarmos, ao mesmo tempo, a nós mesmos, tanto por sermos como porque nós criamos a própria realidade que
queremos explorar (conforme o misticismo e a física quântica).
2) Quanto ao condicionamento, a
psicologia transpessoal afirma que nele estamos totalmente presos, mas que a
libertação é possível. Estamos presos principalmente ao apego, o que significa
que a não-realização do desejo (ao qual nos apegamos) produzirá sofrimento.
Logo, o apego tem papel crucial na causa de toda infelicidade do homem, sendo o
abandono do apego fundamental para a
cessação do sofrimento (‘... e a verdade vos libertará’).
Dass: ‘Associar-se ao apego traz
interminável sofrimento e miséria’.
Jung: ‘Enquanto estivermos apegados,
estamos possuídos, e, quando estamos possuídos, existe algo mais forte do que
nós, que nos aprisiona’.
O apego não é só a objetos externos ou
pessoas. Há apego às posses materiais, a relacionamentos especiais, à condição
social, à auto-imagem particular, a padrão de comportamentos e a processos
psicológicos (modo de pensar, crenças, suposta realidade etc); entre os apegos
mais fortes estão o apego ao sofrimento e à falta de valor próprio.
Enquanto acreditarmos que nossa
identidade nasce de nossos papéis, problemas, relacionamentos ou conteúdos da
nossa consciência, o apego será reforçado para fins de sobrevivência pessoal,
porque acreditamos que dependemos deles: ‘Se abandono meus apegos, quem serei e
o que serei?’
Há também apego ao drama ou história
pessoal que cada um tem para contar aos outros sobre si mesmo; é um luxo
desnecessário, parte de nossa bagagem emocional. É benéfico para todos
desapegar-se de seu drama e dos dramas pessoais dos outros (das emoções,
portanto).
3)
Quanto à identificação, define-se como o processo pelo qual alguma coisa é
vivenciada como o ‘eu’. E é tamanha nossa identificação que jamais questionamos
aquilo que tão claramente parecemos ser. Toda tentativa de questionar nossa
identificação pode encontrar considerável resistência de nós mesmos e daqueles
que nos rodeiam.
Laing:
‘As nossas tentativas de despertar costumam ser punidas, especialmente pelos
que mais nos amam, porque eles, abençoados sejam, estão ‘dormindo’ e pensam que
quem desperta, ou percebe que o que considera realidade não passa de um sonho
(ilusão), está ficando louco’ (‘A sabedoria de Deus é loucura para os homens’,
disse Paulo).
A nossa identificação com nosso conteúdo
mental torna-nos inconscientes do nível de consciência mais amplo que contém esse
conteúdo; o conteúdo da mente passa a ser o crivo pelo qual interpretamos todos
demais contextos. Por exemplo, se o pensamento ‘estou com medo’ surgir e for
tomado pelo que é, ou seja, apenas um pensamento, pouca influência terá. Mas,
se nos identificarmos com ele (se ele passar a ser nosso conteúdo mental), a
realidade, nesse momento, será o nosso medo (Krishnamurti: somos o medo, a
violência, a raiva, a inveja etc) e nós, muito provavelmente, geraremos uma
série de pensamentos e emoções de medo, e nos identificaremos com eles;
interpretaremos os mais indefinidos pensamentos como medo; perceberemos o mundo
como algo ameaçador e agiremos de acordo.
A identificação põe em movimento um
processo auto-realizador no qual os processos psicológicos tornam válida a
realidade daquilo com que nos identificamos. Tudo parecerá provar a realidade
do nosso medo. Ao se identificar, a pessoa não percebe o fato de que sua
percepção vem do pensamento ‘estou com medo’. Não percebemos esse pensamento,
mas passamos a interpretar todas as coisas a partir dele. A consciência passa a
ver o mundo de uma forma limitada e auto-validadora. ‘Enquanto estivermos
identificados com um pensamento ou objeto, somos seus escravos, não somos
livres’. (Por isso, Jesus disse: ‘Conhecereis a verdade e a verdade vos
libertará’).
Quando nos lembramos de que nossa mente
está sempre repleta de pensamentos com os quais, sem perceber, nos
identificamos, fica evidente que, no estado comum de consciência, estamos,
literalmente, hipnotizados. Como na hipnose, o indivíduo não percebe o transe em
que está, nem as limitações impostas à consciência, nem se recorda de sua
identidade anterior. Enquanto hipnotizados, pensamos que somos aquilo que nossa
mente contém, o conteúdo mental, os pensamentos que ali estão. Assim, os
pensamentos com os quais estamos identificados criam o nosso estado de
consciência, de identidade e de realidade. (Por isso, disse o Buda: ‘Somos o
que pensamos. Tudo o que somos vem de nossos pensamentos. Com eles vemos e
interpretamos o mundo’).
Suzuki: ‘O que é consciente e o que é
inconsciente está subordinado à estrutura da sociedade e aos padrões de
pensamento e sentimento que ela produz. O efeito da cultura da sociedade não apenas
canaliza ilusões para a nossa consciência, mas também evita a percepção da
realidade... Esse sistema funciona como um filtro social condicionado; a
experiência só chega à nossa percepção se puder passar por esse filtro’ (se
estiver de acordo com os costumes e cultura da sociedade em que vivemos).
Pode-se, assim, considerar a tarefa de
despertar como uma progressiva desidentificação do conteúdo mental em geral.
Isso é bem evidente nas práticas como a meditação de percepção, em que se
treina para observar e identificar, com rapidez e precisão, todos os conteúdos
mentais. É um lento processo de gradual aperfeiçoamento da percepção que
resulta em retirar a consciência dos conteúdos mentais cada vez mais profundos
e sutis com que ela se acha identificada. No final, a percepção deixa de identificar-se
com qualquer coisa, fato que representa uma mudança radical e duradoura da
consciência, conhecida como iluminação.
Como já não há identificação com qualquer coisa, temos a percepção como sendo,
ao mesmo tempo, nada e tudo. A dualidade eu/não-eu é transcendida, e tem-se uma
vivência de si mesmo como sendo, ao mesmo tempo, percepção pura (nenhuma coisa)
e como sendo todo o universo (todas as coisas), dando lugar à transcendência do
ego e do espaço-tempo.
Nos níveis mais sutis da percepção, atingidos
por meditação de percepção, vê-se toda a Mente e, portanto, todo o universo
fenomênico, em contínuo movimento e mudança; cada objeto é percebido vindo do
vazio para a percepção e desaparecendo em seguida, em instantes, no vazio
(Paulo: ‘não somos donos nem de nossos pensamentos’). Isso mostra a
impermanência de tudo; tudo se transforma, tudo é transitório, nada é imutável.
Perceber isso pode ser a maior força que motiva os meditadores avançados para
transcender todos os processos mentais e alcançar o estado imutável e
incondicionado que é o nirvana, satori ou iluminação (foi pela percepção da
impermanência de todas as coisas que o Buda fundou sua filosofia).
Nesse estado de pura percepção, não há
mais identificação com a mudança, pois não há mais identificação com conteúdos
mentais. Como o tempo é função da mudança, isso resulta na experiência de se
haver transcendido o tempo, fato que é experimentado como eternidade, o agora
sem fim, e o tempo é percebido como produto ilusório da identificação.
Silesius: ‘O tempo é nossa criação.
Quando se pára o pensamento, também o tempo pára, morto’.
Os conteúdos e processos mentais vêm do
condicionamento, como afirmam as psicologias ocidentais e orientais. A
identificação com esses conteúdos gera a experiência de um ‘eu’ condicionado.
Transcendida essa identificação, cessam os efeitos do condicionamento e com
isso, cessa o ‘eu’ (que nada mais é que um feixe de memórias, os conteúdos da
consciência com os quais nos identificamos). Pensamentos e emoções ainda passam
pela mente, mas não há identificação com eles, e vivencia-se uma percepção de
bem-aventurança porque, não havendo identificação com pensamentos e emoções
dolorosos, não há mais experiência de sofrimento (pois, a causa do sofrimento é
a identificação ou apego aos conteúdos mentais dolorosos).
Sem condicionamentos, fica-se livre das
identificações com conteúdos inconscientes distorcedores e restritivos, e a
consciência é capaz de uma percepção clara e precisa que, no budismo, se chama
‘espelho de cristal’, porque ele reflete fielmente a realidade. Sem
identificação, o espelho e aquilo que ele reflete, o sujeito e o objeto, são
percebidos como uma coisa só. A consciência, agora, é percebida como sendo
aquilo que antes ela observava (Krishnamurti: o observador é a coisa
observada), pois o observador ou ego, produto ilusório da identificação, deixa
de ser vivenciado como real. O indivíduo se vê como consciência pura em unidade
com tudo, idêntico a qualquer outro indivíduo. Vem daí a afirmação mística de
que ‘todos somos um’, e não mais ocorrem pensamentos que possam ferir os
‘outros’. Amor e compaixão são expressões naturais desse estado.
Todos os relatos de experiências nesse
estado deixam claro que elas só ocorrem em momentos em que se vai além do ego (o ego cessa com a perseverança
nas tentativas de meditação). Como a comunicação entre diferentes estados de
consciência é difícil, as descrições em geral são incompreensíveis na visão da
psicologia ocidental. Assim, é fácil rejeitar essas experiências sem qualquer
análise, considerando-as sem sentido ou patológicas, erro cometido por alguns
dos mais notáveis profissionais de saúde mental do Ocidente.
Nesse estado, a pessoa se vê como pura
percepção, incondicionada, eterna e, também, experimenta ser tudo o que existe.
Nas profundezas da psique humana, cessadas as identificações limitadoras com os
conteúdos mentais, a percepção não encontra limites à sua identidade e se
percebe como aquilo que está além do espaço e do tempo, aquilo a que a
humanidade deu o nome de Deus (‘eu e o Pai somos um’). Por isso, afirmou
Bugental: ‘Para mim, Deus é uma palavra usada para indicar nossa subjetividade
inefável, o potencial indescritível e inimaginável que está dentro de cada um
de nós’.
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FRITIJOF
Capra, físico quântico, autor de O Tao
da Física, Ponto de Mutação, Sabedoria Incomum, e outras importantes obras sobre os avanços
da nova ciência e suas conexões com o misticismo. É físico pesquisador do
Laboratório Berkeley, Universidade da Califórnia, um dos mais importantes do
mundo:
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Com a física quântica, a visão ocidental
de mundo mudou para uma visão semelhante à do misticismo oriental. A física
clássica, a física anterior (cartesiana, newtoniana), dera uma visão de mundo
de caráter mecanicista (teoria que pretende explicar os fenômenos da vida pelas
leis da mecânica dos corpos inorgânicos), geradora do dualismo mente e matéria,
mente e corpo, característico da cultura e do pensamento ocidental, o que fez
que os cientistas tratassem a matéria como algo morto e totalmente separado da
mente. Em oposição a essa, está a visão mística (hoje aceita pela ciência
quântica), caracterizada pela palavra ‘orgânica’, que considera o universo um
organismo harmonioso e indivisível. Nessa visão, tudo, coisas e eventos, estão
inter-relacionados, ligados entre si; são aspectos ou manifestações da mesma
realidade última (daquilo a que chamamos Deus).
Nossa tendência de dividir o mundo em
‘coisas’ distintas e separadas, e de experimentar a nós mesmos como egos
separados e isolados, é vista como ‘ilusão’ (maya) decorrente de nossos
processos mentais que tudo quantificam e dividem. Esses processos são úteis
para a sobrevivência, mas ocultam e distorcem a realidade. A visão mística é de
um mundo inerentemente dinâmico e em constante mutação (tudo é impermanente e
está num eterno fluir).
O cosmo é uma realidade indivisível,
sempre em movimento, viva, orgânica, a um só tempo espiritual e material. As
forças que causam o movimento não estão fora dos objetos, como julgava a
ciência anterior, mas constituem sua propriedade intrínseca, a própria natureza
dos objetos. Partículas não existem nem aqui, nem ali; apenas mostram
tendências de existir... Os eventos não ocorrem com certeza em lugares,
momentos ou de maneiras definidas; mostram tendências de ocorrer. E essas
tendências ou probabilidades, não são probabilidades de ‘coisas’, mas probabilidades de interconexões. Enfim, a nova
física veio comprovar uma interligação essencial de todo o universo; cada
fenômeno, cada objeto, está ligado a todos os outros fenômenos e objetos. E
quando penetramos na matéria, descobrimos que ela se compõe de partículas, mas
essas partículas não são os ‘blocos básicos de matéria’, como afirmava a física
clássica; são apenas ‘abstrações’, úteis na prática, mas sem qualquer
significado fundamental. Niels Bohr: ‘As partículas materiais isoladas são
abstrações (ilusões), só sendo possível definir e observar suas propriedades
por meio do intercâmbio com outros sistemas’.
Os objetos materiais sólidos, da física
clássica, são apenas padrões de probabilidades, não de ‘coisas’, mas de
interconexões. O universo não é um conjunto de objetos, mas uma complexa teia
de relações entre as várias partes de um todo indiviso (como falou Teilhar de
Chardin, monge católico em ‘A Teia da Vida’; por essa afirmação e outras, foi
proibido, pela igreja, de publicar qualquer coisa até o dia de sua morte).
Heisenberg: ‘O mundo se mostra como uma rede complexa de eventos na qual
ligações de diferentes tipos se alternam, se interpenetram, se combinam,
determinando a organização do todo’.
Essa é a maneira como os místicos vêem o
mundo, e usam expressões quase iguais às usadas pelo físico quântico. Lama
Govinda: ‘O mundo exterior e o mundo interior são apenas dois lados do mesmo
tecido, no qual os fios de todas as forças e de todos os eventos, de todas as
formas de consciência e de objetos, são trançados numa rede emaranhada de
relações infinitas, mutuamente interdependentes’.
Essas palavras revelam uma
característica fundamental tanto da física moderna quanto do misticismo: a
interligação universal da natureza sempre inclui o observador humano e sua
consciência, de modo essencial. Na física quântica, os objetos observados só
podem ser entendidos dentro de uma cadeia de processos cujo final está sempre
na consciência do observador. O elemento fundamental da quântica é o fato de o
observador ser necessário, não só para observar, mas também para determinar as propriedades dos
objetos. Jamais podemos considerar a natureza sem considerarmos, ao mesmo
tempo, a nós mesmos. O homem não é um observador distante, mas está ligado
àquilo que observa. Assim, Wheeler sugeriu a substituição da palavra
‘observador’ por ‘participante’, outra idéia reconhecida pelo misticismo, que
afirma que o conhecimento real nunca pode ser alcançado pela simples observação
ou reflexão, mas exige plena participação de todo o ser do investigador
(Krishnamurti).
A teoria da relatividade (Einstein) já
mostrara que as noções de tempo e espaço estavam erradas. Segundo ela, o espaço
não é tridimensional e o tempo não é entidade distinta. Tempo e espaço estão
intimamente ligados, um não existindo sem o outro. No misticismo, a visão é
semelhante. Os místicos alcançam estados incomuns de consciência nos quais se
vêem fora do espaço-tempo, numa realidade superior, multidimensional,
impossível de ser descrita pela linguagem comum (Paulo: ‘... vi e ouvi coisas
inefáveis’. Govinda: ‘Atinge-se a experiência de uma dimensão superior...). Daí
decorre o caráter indescritível, no plano da consciência comum, das
experiências de meditação’. E Suzuki: ‘Como fato de pura experiência, não há
espaço sem tempo, nem tempo sem espaço’.
A unificação de espaço e tempo, e a
equiparação entre massa e energia daí advinda, influenciaram profundamente a
concepção de matéria na nova física. Nesta, a massa já não é associada à
substancia material; as partículas não são formadas por matéria, mas por
agregados de energia, o que implica que sua natureza é intrinsecamente dinâmica,
isto é, está, toda ela, em movimento constante (Capra: ‘uma dança sem
dançarinos’). As partículas somente existem no espaço e no tempo. Fora do
espaço-tempo, não há partículas e, conseqüentemente, não há formas (só ‘energia’).
Suzuki: ‘Um objeto (agregado de partículas)
é somente um evento e não uma coisa ou substância’.
Assim, as teorias fundamentais da atual física
provam que a visão de mundo do misticismo oriental sempre foi correta.
Diferentemente da física clássica, pela
qual a natureza é constituída de elementos fundamentais, na nova filosofia
ocidental bootstrap, (levantar-se puxando as próprias
botas, auto-suficiência), o universo não possui quaisquer entidades, leis,
equações ou princípios fundamentais. É uma rede dinâmica de eventos
inter-relacionados; nenhuma propriedade de qualquer parte dessa rede é mais
importante do que qualquer propriedade de qualquer outra parte; todas as partes
se definem a partir das propriedades de todas as outras partes, e a
consistência geral de suas inter-relações mútuas determina a estrutura da rede
como um todo indivisível. Esta idéia se aproxima muito do pensamento oriental:
um universo indiviso, em que as coisas e eventos estão interligados,
determinando a coerência interna do todo. Tudo no universo está vinculado com
tudo o mais, e nenhuma parte é mais importante do que qualquer outra.
Até recentemente, a psicologia ocidental
ignorou quase completamente o estudo da consciência, porque esta não pode ser
analisada pelos instrumentos que servem para medir fenômenos materiais, e
porque, segundo a visão ocidental, a matéria seria o principal constituinte da realidade,
sendo a consciência apenas um subproduto da matéria cerebral.
Nas psicologias orientais, a visão é bem
diferente: a consciência é o elemento central e é ela que cria o mundo material
(ver Amit Goswami), e a meta humana mais elevada é ampliar a própria
consciência (Jung) o que significa buscar o caminho para a saúde psicológica e
a iluminação (a percepção de que nós e Deus somos um só, como Jesus ensinou ao
afirmar ‘eu e o Pai somos um’, e ‘Conhecereis a verdade e a verdade vos
libertará’).
A motivação mais poderosa para isso tem
sido o reconhecimento de uma série de estados superiores de consciência (antes
negados pela ciência ocidental), que podem ser atingidos pela meditação,
prática essencial para o crescimento psicológico mais avançado do ser humano.
Esse crescimento está vinculado estreitamente com a saúde mental tanto que,
para algumas psicologias, a inconsciência (consciência restrita) é descrita
como a única enfermidade (como
diz Wilber, ‘para irmos a Buda temos que passar por Freud’, isto é, temos de
‘acertar, curar’ nossa mente). Afirma-se, também, que o potencial para se
atingir os estados superiores de consciência, desconhecidos pela psicologia
ocidental, existe em todos nós.
Nessa perspectiva, nossa consciência
comum nos dá, associado ao ego, um sentido de identidade incrivelmente
estreito, mas que, pela persistência na meditação, pode ser ampliado até
a identidade suprema com a Mente Universal, Deus. Então, o homem se identifica
com o próprio universo, ele é o
Universo. Esse não é um estado anormal ou alterado de consciência, mas é o
único estado real, sendo os outros, entre eles o nosso estado comum do
dia-a-dia, nada mais que ilusão (maya). Em suma, a consciência mais elevada a
que o homem pode chegar é idêntica à realidade última do universo (Deus).
Cada estado de consciência, com exceção
do nível da Mente, o único real, tem suas próprias enfermidades, geradas
justamente pelo fato de não se haver alcançado a identidade suprema. Daí a
afirmação de que ‘toda patologia vem da ignorância acerca da Mente’ (ou da não
percepção de Deus). Quanto mais próximos da identidade suprema, isto é, quanto
mais próximos da percepção de Deus, mais saúde mental e menos enfermidades
fisiológicas.
Com as recentes descobertas da ciência,
cuja visão se assemelha, como vimos, à visão mística, intensificou-se o
interesse pelo misticismo e pela meditação, que tornam possível a expansão da
consciência para além das fronteiras do ego e das limitações do espaço-tempo, e
que resultam num sentimento de identificação com tudo que existe: pessoas,
animais, plantas e coisas, toda vida e toda a criação; e trazem experiências
paranormais, compreensão dos símbolos e mitos universais e, finalmente,
Consciência Cósmica, a mais profunda, ilimitada, completa e inefável experiência
a que se pode chegar. A pessoa sente que é a totalidade da existência, e as
ilusões da matéria, espaço e tempo, são superadas. Problemas e sofrimentos,
dualidades e opostos (bem e mal, justo e injusto, saúde e doença, certo e
errado etc), que afligem a existência, cessam. Enquanto, nos estados inferiores
predominam funções biológicas, instintos, sensações, percepções simples, e impulsos
emocionais e sexuais, no estado de Consciência Cósmica o ser se dissolve na
Divindade e percebe que a Divindade desde sempre foi sua verdadeira identidade
que, iludido, não percebia (as tentativas de meditação são o caminho para se
poder chegar a essa percepção).
Então, fica sabendo que o extraordinário
e o ordinário, o incomum e o comum, o sobrenatural e o mundano, o sagrado e o
profano, são precisamente uma só coisa. O homem funde-se na Unidade Absoluta
onde Tudo é Um.
Jung: ‘O inconsciente pessoal inclui todos os conteúdos psíquicos esquecidos ou reprimidos na vida do indivíduo, todas as percepções e
impressões subliminares, todos
os conteúdos psíquicos incompatíveis
com a atitude consciente. Há
várias razões para que ele se torne inconsciente, todas estando numa desatenção contínua, desde o
esquecimento simples até o esquecimento seletivo
forçado, isto é, certos
aspectos do conteúdo psíquico são reprimidos por não serem compatíveis ou não serem aceitos
pelo meio social ou cultural’.
Em cada nível de consciência, o sentido
do ‘eu’ se identifica com as estruturas
surgidas nesse nível e não podemos ver além dele e, por conseqüência, nem
conhecer completamente aquele
que está vendo, isto é, nós mesmos; falta-nos, portanto, auto-conhecimento.
Usamos as estruturas do nosso nível como filtro para perceber e traduzir o mundo
a partir desse nível, que é o que existe na realidade para nós e, como é
evidente, não podemos traduzir (interpretar) as estruturas de níveis superiores
ao nosso e, em conseqüência, não podemos interpretar o universo totalmente.
As principais características dos estados
mais elevados de consciência são:
1) intemporalidade (perceber-se fora do
tempo; inexistência do tempo; isto é o que chamamos eternidade);
2) amor e compaixão (sem restrições);
3) não-aversão (por nada; tudo é
necessário e, por isso, existe);
4) aceitação total (nada é inferior ou
superior a qualquer outra coisa, nem o certo, nem o errado, nem o bem, nem o
mal); e
5) destruição do dualismo sujeito-objeto
(percebe-se que o sujeito é o próprio objeto; que o observador é a coisa
observada).
E são esses os resultados
que a meditação busca e pode encontrar. (‘Mantém-te sempre no Agora; reconhece
tuas aversões; age com amor em todas as circunstâncias; aceita tudo porque tudo
é Buda’, isto é, tudo é Deus).
À medida que a meditação progride, os
conteúdos do inconsciente afloram e, em seguida, seus aspectos resistentes ou
reprimidos vão sendo aos poucos desmantelados, perdendo a exclusividade; isto
é, o eu é libertado de sua identificação inconsciente com o inconsciente
embutido (reprimido; os conteúdos mentais não conscientes), que agora emerge
como percepção e perde o domínio sobre esta. Abrem-se os traumas, fixações,
complexos, condicionamentos e os resíduos de todos os níveis anteriores que estiveram
presentes em sua vida. Até aí, o meditador viu o seu passado, talvez o passado
de toda a humanidade; a partir daí, vê o seu futuro, talvez o futuro de toda a
humanidade (Krishnamurti: ‘Todos chegarão lá’).
A meditação é, assim, o caminho para a
transcendência, a ampliação da consciência até que ela se torne a Consciência
Universal que ela é. E o ego só
a julga misteriosa porque ela leva a um desenvolvimento que vai além do ego. No final, o espelho e o
que ele reflete são uma coisa só, porque não há mais ego a interferir com seus
pensamentos e emoções que distorceriam a imagem refletida, que, no caso, é a nossa
percepção do mundo (agora sem interpretações produzidas pelo ego; corretas,
portanto).
Por tradição, psicólogos e filósofos
ocidentais evitam definir o bem
mais precioso da humanidade,
por desconhecerem qual seja. Já as tradições místicas orientais o definem como
sendo a bem-aventurança que o auto-conhecimento traz, isto é, a percepção de
que todos somos da natureza de Buda (Jesus: ‘Eu e o Pai somos um’). O ser
humano plenamente realizado é aquele cujas portas da percepção foram limpas (mente
limpa, pura, sem condicionamento, inocente) e tem capacidade de ver as coisas
tais como são, libertas da influência distorcedora do desejo, da aversão, da
ignorância e do medo.
O desejo de transcender o ego pode ser
mais forte do que os desejos egocêntricos de auto-estima, posses, sexo etc. As
tradições místicas afirmam que o apego à satisfação das próprias necessidades (por
trás disso está sempre o medo) é a fonte de todo o sofrimento, e que os
indivíduos altamente desenvolvidos são motivados pelo desejo de servir (logo,
pela satisfação das necessidades alheias). E a saúde é associada com menos
apegos e com mais inclinações de servir os outros, isto é, com menos
comportamento egocêntrico.
Afirma-se que a saúde mental ótima
(obtida pela meditação) está ligada ao fato de se reconhecer responsável pelas
próprias experiências; a uma sensibilidade maior em relação aos outros, o que
se manifesta por mais generosidade, amor e compaixão; a uma apreciação maior da
existência, revelada em atitudes de reverência, gratidão e sensibilidade
ecológica; e a uma participação integral na vida, com total abertura para as
alegrias e tristezas da condição humana.
Tal como os demais opostos, a diferença
entre saúde e doença desaparece nos níveis mais profundos
do ser. Como as tradições místicas sustentam, aquilo que somos por trás das identificações
ilusórias está além da saúde e
da doença. Assim, caminhar em direção à saúde
não implica em mudar para melhor aquilo que pensamos que somos (cheios de defeitos morais, como nos supomos,
conforme as crenças e religiões), mas, sim em perceber aquilo que já, e desde sempre, somos (a própria
divindade).
Para o homem comum, em face de sua
ignorância, as necessidades de crescimento da consciência (iluminação) são
secundárias em relação às necessidades básicas (alimento, abrigo, sexo etc). Mas
tudo leva-nos a crer que a expansão da consciência, a iluminação, está num continuum em relação às necessidades
básicas, e que a vida ‘espiritual’ é a parte mais elevada da nossa vida
biológica, parte sem a qual a vida nunca será completa (como asseguram
Krishnamurti, Maharish, Chardin, sábios e cientistas).
E como é fácil esquecer as realidades
mais importantes na agitação do dia-a-dia, particularmente entre os mais
jovens! Em geral, somos simples respondedores; só reagimos a estímulos, às
possibilidades de recompensas ou castigos, às urgências, dores e medos, às
exigências dos outros, às coisas superficiais (isto é, às coisas acidentais e
não às essenciais). As coisas essenciais, se conhecidas, proporcionam adoração
e reverência e vale a pena viver e morrer por elas. A contemplação (iluminação)
ou a fusão com elas oferece um tão grandioso deslumbramento que a mente humana nem
é capaz de imaginar (bem-aventurança).
Como afirma Krishnamurti, o homem é insano,
insalubre e corrupto, e a ilusão (a ignorância) é a fonte de todas essas
condições. A ilusão nos dá uma visão falsa das coisas do mundo, que nos impede
uma compreensão, ou interpretação correta; por isso, interpretamos de forma errada
e sofremos. Tudo, coisas, objetos e eventos são considerados apenas em termos
de satisfação de nossos desejos ou necessidades de nosso ego. Medo, apego,
agitação e preocupação, que constituem a ansiedade, são os geradores essenciais
do sofrimento. Avidez, avareza e inveja caracterizam o forte apego a alguma
coisa. Mas, isso está tão disseminado entre os homens, que o consideramos
próprio da natureza humana. É por isso que, na psicologia ocidental, o
desperto, o iluminado, parece utopia, bom demais para existir, a não ser nas
escrituras e no idealismo dos povos. Desse modo, todos julgam impossível que o
homem de hoje possa atingir a Consciência Cósmica. Contudo, esse preconceito é
totalmente desmentido, particularmente no Oriente, nas suas escolas de
tradições místicas.
A meditação é todo exercício voltado
para o aumento da percepção por meio do direcionamento consciente da atenção. A atenção deve ser dirigida
ao fluir sem fim da experiência, ou ao fluir
incessante dos pensamentos; ou à respiração, ou a um
som ou imagem. No início, todo conflito psicológico não-resolvido tende a vir à
superfície, e logo se evidencia a agitação da mente não treinada, mostrando que
nossos níveis comuns de consciência são desprovidos de sensibilidade,
distorcidos e fora de controle. Por isso, nossa visão (interpretação) do mundo
é irreal e ilusória.
Com a prática, aumentam a calma, a sensibilidade,
a empatia (retraimento das sensações e emoções), o discernimento, a aceitação e
a clareza mental, pálidas amostras daquilo que a meditação regular e
persistente pode trazer, pois a transcendência do ego produz tão elevado
grau de coerência, sensibilidade, compreensão, alegria, discernimento e amor,
que não se compara a nada que alguém já possa ter experimentado ou imaginado.
Quando a percepção já não se identifica
com os seus objetos, ficamos livres para levarmos a percepção, pela atenção,
para onde desejarmos, com capacidade de penetrar nas profundezas da psique,
observar os processos psicológicos e estados mentais, perceber as distorções da
percepção que nos levam a interpretações erradas ou incompletas, e a sabedoria
e quietude que se ocultam sob a agitação da superfície da mente.
Em cada instante, há várias linhas de
pensamentos dominando nossa mente, cada uma compondo uma identidade pessoal (um
ego) diferente: intelectual, sexual, cultural, emocional, social, econômica,
histórica, filosófica, espiritual, violenta, calma, bondosa, maldosa, alegre,
triste, entre outras. Uma ou outra identidade assume o controle de acordo com a
situação.
Se vamos ver um bom filme, quando, ao
final, as luzes se acendem, ficamos um pouco desorientados. Leva algum tempo
para voltarmos a ser a pessoa sentada na sala de exibição; estávamos
mergulhados na trama do filme. Se este não nos atrair a atenção, atentamos para
a pipoca, a qualidade técnica do filme ou as pessoas da platéia; nossa mente
foge do envolvimento com o filme. A quietude trazida pela meditação equivale a fugirmos,
a nos afastarmos do envolvimento com o filme que é nossa vida, com seu enredo
melodramático: ‘Conseguirei o emprego? Casarei? Terei filhos? Comprarei aquele
carro? Isso dará certo? Chegarei à iluminação? E se o que temo acontecer
amanhã? Perderei tudo o que consegui? Conseguirei ter saúde de novo?’ Eis os
elementos do enredo (no qual o tempero principal é o medo), dos quais nos
afastamos pela meditação (que nos liberta de todos os medos).
Outro modo de entender a meditação é
pelos sonhos. Talvez você já tenha tido a experiência de acordar de um sonho
num sonho. Mas, quando você acorda toda manhã, você acorda de um sonho em quê?
Na realidade? Em outro sonho? A palavra sonho sugere irrealidade. A resposta
correta é: sempre que acordamos, nós passamos de uma realidade relativa para
outra realidade relativa. Crescemos num plano de existência que supomos real;
identificamo-nos inteiramente com essa realidade, que julgamos absoluta, e
rejeitamos todas as experiências incompatíveis com ela como se fossem sonhos,
alucinações, fantasias. Mas, como Einstein demonstrou na física, cada realidade
é verdadeira apenas dentro de seus limites; é somente uma versão possível do
modo de ser das coisas naquele nível. Despertar de uma realidade relativa é perceber
sua natureza relativa. A meditação leva a essa percepção. A consciência comum,
os estados emocionais e os sonhos etc. são realidades diferentes entre si
(níveis de realidades diferentes), canais diferentes que conseguimos sintonizar
e, com isso, criar novas cenas. Mas, na meditação, não são as cenas que mudam;
é nossa compreensão que muda. Ela elimina todo envolvimento com os conflitos,
dúvidas e sofrimentos e nos mostra a suprema
visão, aquilo que é.
A meditação
com atenção sem escolha nos dá a percepção de tudo que ocorre em nós e a
nossa volta. Sem escolha e sem esforço,
atentemos para o campo inteiro da percepção. Se, com perseverança, nos
aprofundarmos, com total atenção, mais e mais, podemos chegar ao objetivo dos
místicos, à iluminação, que nos dará a percepção da Verdade, do Absoluto e de
que somos e sempre fomos esse
Absoluto.
O ego nada mais é que um conjunto de
pensamentos e memórias, que definem nosso universo (o mundo e a vida).
Interpretamos tudo, no universo, através do ego e nele confiamos, mas, na
medida em que temos medo de nos aventurar fora dele, ele se torna uma prisão,
pois acreditamos que, sem ele, sem seus pensamentos e memórias, perdemos nossa
própria identidade, nossas referências mais caras, e não sobreviveremos. Mas,
não precisamos destruir o ego para escapar de sua prisão. Devemos nos
conscientizar que somos infinitamente maior que ele, que podemos afastá-lo e a
ele voltar quando quisermos. Necessitamos do pensamento e da memória para nossa
sobrevivência. O ego nos mostra o que fazer em cada situação e como satisfazer
nossas necessidades. Rotula o que sentimos, pensamos e vemos.
Mas, não somos só aquilo que o ego diz
que somos (o pensamento, os sentidos, o corpo, o nome, o pai, o filho, o
profissional, inteligente, ignorante, violento, deprimido, ciumento, medroso,
ambicioso etc). A maioria não escapa dessa prisão, pois todos estamos
identificados com nossos conteúdos mentais, pensamentos e memórias. Pela
meditação, a liberdade é possível, pois ela permite acabar com a identificação
e nos liberta para dirigirmos a atenção para onde quisermos, não mais só para o
ego e suas limitações. O caminho da liberdade é o desapego dos velhos hábitos
do ego. Isso nos leva para além do ego até que, por fim, nos fundimos com o
universo (Jesus: ‘Eu e o Pai somos um’, ‘Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará’).
Pensamentos, fantasias, devaneios, preocupações,
inveja, raiva, ambição, ciúmes, sexo, orgulho, vaidade, gula (os chamados pecados
capitais e outros, pelas religiões) levam à distração na meditação. Fazem
perder tempo e energia. Purificação psicológica significa afastar os
pensamentos que distraem (essa, talvez, a razão do ensinamento das religiões
sobre a prática das virtudes). A atenção afasta a distração. A essência da meditação é a atenção.
O fluir dos pensamentos costuma ser aleatório e dispersivo; assim, devemos
fixar a atenção no fluir dos pensamentos ou num mantra ou na respiração. O
primeiro bom sinal vem quando percebemos que nossa mente não é mais afetada por
distrações externas: sons, ruídos, luzes; ou internas: emoções, memórias,
pensamentos e sentimentos. Mesmo que esses fatores existam, não mais perturbam.
As principais distrações são má vontade, impaciência, desejo sexual, raiva,
lembranças, remorsos, dor, compromissos, preguiça, agitação, preocupação,
descrença, inveja, ressentimento, dúvida (aquilo a que as religiões populares
dão nome de pecados capitais e outros). Tudo isso pode ser superado com a prática
perseverante da meditação.
Aos poucos, vem uma total ruptura com a
consciência ‘normal’. Os pensamentos perturbadores desaparecem totalmente.
Cessa a percepção dos sentidos e do corpo. Pela persistência, podemos prolongar
cada vez mais esses momentos. A libertação
vem quando não há mais pensamentos ou sensações; a mente permanece vazia e
quieta, perceptiva e não mais reativa; nada mais é rejeitado, reprimido ou
seguido. Tudo pode ainda surgir, mas não mais nos atrai ou causa identificação,
nem distração (ou desatenção).
‘A essência da atenção’,
ensinam os místicos, é ‘a clara e simples consciência daquilo que está
acontecendo dentro e em torno de nós, aqui e agora, isto
é, nos momentos sucessivos da percepção’. Essa atenção deve ficar
ininterrupta, e tudo será percebido numa interminável cadeia de eventos que não
mais afetam. Virão, depois, sensações de deslumbramento, tranqüilidade mental e
fisiológica, sentimentos de devoção à meditação e ao Todo, desejo de aconselhar
parentes e amigos à pratica da meditação, sublime felicidade, bem-aventurança
sem fim, impossibilidade de se calar sobre os resultados da experiência,
equanimidade com tudo o que surja na percepção.
O meditador fica sabendo que seu eu é um erro conceitual, uma tremenda ilusão (apenas um feixe de memórias, emoções, imaginações, condicionamentos,
ideais, ilusões, crenças, superstições enfim). Ele vê todo seu campo de
percepção num fluir contínuo. Vê que o mundo da realidade é renovado, a cada
momento, num interminável fluir de eventos. Percebe, então, que nada é permanente. Verificando que esses fenômenos surgem e
desaparecem a cada momento, passa a vê-los como algo não merecedor de
confiança. Instala-se o desencanto: o que muda o tempo todo não pode ser base
de nenhuma satisfação duradoura. É levado, então, a um estado de desapego de
seu mundo de experiências. Sente que não há, nas formas do vir-a-ser, nenhuma coisa
em que possa se apegar ou depositar esperanças. Torna-se absolutamente
desapaixonado e contrário à multiplicidade dos estados mentais, dos estados de
consciência. Percebe, então, que só encontrará alívio na cessação de todos
os processos mentais. Conhece a natureza e a razão da impermanência e do
sofrimento, com uma evidência cristalina.
Depois disso, a meditação lhe ocorre
automaticamente sem esforço, talvez de modo sustentável. As dores físicas não mais existem (no vazio, Jesus,
Ramana, não sentiram dor). Não há mais medo, nem necessidade de satisfação.
(Jesus: ‘Buscai em primeiro lugar o reino dos céus e tudo o mais vos virá por
acréscimo’). Manifestam-se uma clareza mental de natureza incomparável (sabedoria)
e uma equanimidade (serenidade de espírito frente aos fatos da vida, igualdade e
justiça, amor) que se estende a tudo. Sua observação não se aprisiona a nenhum
evento físico ou mental. É o estado mental incondicionado, o nirvana, a iluminação, que produz
alteração permanente na consciência e que só pode ser descrita em termos
daquilo que não é. A pureza torna-se, então, o único comportamento possível.
Todo seu egoísmo, todo seu passado, ‘morreram’. Está absolutamente livre dos sofrimentos. O mínimo
resíduo de pensamento ou ação incorreta é literalmente inconcebível.
Seus motivos são sempre totalmente puros (não vê, nem mesmo, qualquer diferença
entre o certo e o errado).
Pela meditação chega-se à compreensão que
não somos aquilo que costumamos pensar: um eu separado do mundo e do fluir em
constante mutação do universo circundante. Somos prisioneiros da tremenda
ilusão de que somos um ‘eu’ imutável e separado que temos de defender e que, de
algum modo, pensamos que é eterno. Essa ilusão é a causa fundamental de todos
os problemas, medo, ansiedade, tensão, tristeza, depressão, violência, ambição,
inveja, insatisfação, sofrimento e infelicidade na vida. Aí estão os males que
a psicoterapia tem tentado, sem êxito, solucionar, mas que a meditação, sim, consegue ‘curar’.
Medard Boss: ‘Para que a ciência da
saúde mental tenha verdadeira eficácia, os psicoterapeutas terão que associar
as técnicas e conceitos da psicologia com as técnicas da meditação das
tradições místicas.’
Blake: ‘Se pudéssemos limpar as portas
da percepção (eliminar as crenças e condicionamentos ali acumulados durante
toda a vida), tudo se revelaria ao homem tal qual é: infinito e eterno’.
Jesus: ‘Se teus olhos são trevas, quão
escuras serão tuas trevas’ (isto é, se ainda tens interpretação incorreta das
coisas do mundo tua vida estará na escuridão da ignorância e, por isso, ainda sofrerás).
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CITAÇÕES:
Huxley (durante ou logo após a experiência): ‘...
palavras como Graça e Transfiguração me vieram à mente. A Beatífica Visão, Sat-Chit-Ananda (Existência,
Consciência, Beatitude); pela primeira vez entendi, não vagamente ou por
insinuações, mas precisa e completamente, o que querem significar essas palavras
prodigiosas. Lembrei-me, então, de uma passagem que lera de Suzuki: ‘Que é o
Dharma-Corpóreo do Buda?’ (o Dharma-Corpóreo do Buda é outro modo de nos
referirmos à Mente, ao Vazio, à Divindade). A pergunta foi feita, em um
mosteiro Zen, por um indeciso noviço. E, com a vivaz insensatez de um dos Irmãos Marx, respondeu o superior: ‘A sebe no fundo do jardim.’ ‘Eu
poderia perguntar’, retrucou timidamente o noviço, ‘quem foi que concebeu essa
verdade?’ Ao que o superior, dando-lhe uma pancada nas costas com seu bastão,
respondeu: ‘Um leão de cabelos de ouro!’
“Quando li esse diálogo, achei-o um
amontoado de pura loucura. Agora, porém, tudo está tão claro como o dia, tão
evidente quanto o postulado de Euclides. Não há a menor dúvida de que o Dharma-Corpóreo do Buda seja a
sebe do fim do jardim. Ao mesmo tempo, e com igual certeza, ele é estas flores;
ele é qualquer coisa que desperte a atenção de meu ego, ou melhor, de minha
bem-aventurada despersonalização (além do ego), liberta, por um momento, de meu
abraço asfixiante (do abraço asfixiante de meu ego). Assim também os livros, as
estantes, os móveis de meu escritório...” (e tudo o mais, são o Vazio, a
Divindade, Deus).
Jung: ‘A visão ocidental de consciência
não é a da consciência geral; é uma visão histórica e geograficamente
condicionada e limitada, pois é representativa de apenas parte da
humanidade’.
Einstein: ‘É erro ver como separadas
coisas que não se pode separar’.
Gordon Globus: ‘Visões (convencimento,
compreensão, concepção, entendimento, verdade, percepção, interpretação) são
diferentes a partir de diferentes estados (níveis) de consciência’.
Wilber: ‘A realidade é a Mente
universal’.
Teilhard de Chardin: ‘A evolução é uma
ascensão para a consciência (total)’ (Conforme as tradições orientais, a
consciência não evolui; ela já é o que é. O que existe é uma ascensão gradual do
ser humano, pelo desenvolvimento (amadurecimento) de seu instrumento de
percepção, no sentido de uma apreensão, cada vez mais ampla, da consciência (restrita)
até a consciência universal).
Newton: ‘Somos como uma criancinha
brincando na praia, que encontra aqui e ali uma concha mais brilhante, enquanto
que, em torno de nós, o grande oceano da verdade permanece oculto’.
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