sábado, 27 de março de 2010

Livre-arbítrio, uma tentativa de explicar o inexplicável.

Sempre se tentou encontrar uma explicação, uma justificativa para o sofrimento e os problemas do mundo. Dentro da concepção, adotada pelas religiões, de um Deus soberanamente bom e justo, a responsabilidade de todos os problemas do mundo só poderia recair sobre os ombros das pobres criaturas, os homens, que teriam feito mau uso de seu livre-arbítrio. Que Deus lhes deu vontade livre para pensar e fazer e, dentro dessa liberdade, mesmo as leis divinas estando impressas eternamente em sua mente, não as obedecem e, assim, agem erradamente. Do mesmo modo limbo, céu, inferno, pecados e castigos, pecado original, reencarnações dolorosas, méritos e deméritos nasceram dessa tentativa de explicar aquilo que ainda é inexplicável, e das observações daquilo que acontece na vida.

Desde sempre o homem buscou explicações para tudo que lhe sucedia, particularmente, se o que acontecia lhe fosse desagradável. Porque o homem sofre? A causa, como asseguram as diversas crenças e religiões, “não’ pode ser o Deus, para nós ainda desconhecido. A causa, portanto, só pode estar no homem. Será verdade essa maneira de ver as coisas?

Os mistérios sempre desafiaram o homem, pela sua ânsia de compreender e de dominar a natureza e o semelhante. Como não poderia ser Deus o causador do sofrimento, chegou-se à explicação “lógica”(?) de que, se o homem sofre, sofre porque agiu erradamente; se é feliz, é feliz porque agiu acertadamente. Sem dúvida, se o homem age erradamente pode prejudicar a si próprio e a semelhantes. Não é isso que vemos no dia-a-dia do mundo, desde os mais inocentes desentendimentos até os conflitos e guerras mais cruéis e destruidoras de tudo que o próprio homem construiu? Então o homem sofre porque age erradamente, mas não porque, como ensinam as doutrinas, esse sofrimento está previsto numa lei que lhe impõe punição, mesmo que educativa, por seu procedimento incorreto. É a lei de causa e efeito: se causou um dano, pode sofrer se esse dano o atingir; e pode fazer outros sofrerem, também; isto é lógico. Qualquer tentativa de explicar, como dizem as religiões, que o seu sofrimento vem de sua responsabilidade e culpa, isto é, que sofre como um castigo ou punição, mesmo que educativo-instrutiva, não cabe dentro da idéia de um Criador onisciente, onipotente e amoroso que, por sua onisciência, saberia desde sempre o que cada uma de suas criaturas faria de errado e de certo, de conformidade com suas leis ou das leis da vida e, de antemão, também sabia o que, cada uma, individualmente, sofreria devido aos seus desacertos. Seria como o fabricante de brinquedos que, mesmo sabendo que um brinquedo, por estar com algum defeito, destruiria, mataria, seria perigoso, produziria tantas dores, assim mesmo o faz e o entrega às crianças. Quem é o responsável? O brinquedo, as crianças, o fabricante?

Percebemos que temos de, urgente e necessariamente, repensar as concepções religiosas. Ou vamos permanecer cheios de ilusões, esperanças, remorsos e, sobretudo, culpas e medos. Vivemos dentro dessa tremenda ilusão de que a criatura é responsável pelo seu próprio sofrimento. Em certo sentido, esta é uma verdade; contudo, no sentido de que sofre porque fez outros sofrerem é um enorme absurdo. Não há punições infringidas por ninguém, nem por Deus, nem pelo próprio homem. O que acontece é que o ser humano está fechado na escuridão de sua enorme ignorância e nada vê, nada percebe, nada interpreta corretamente. Ele está com os olhos “cheios de terra”, como disse Teresa de Ávila; com os olhos “cheios de espessas trevas”, como disse Jesus. Essa é toda a causa do sofrimento que existe no mundo: os olhos “tapados”, a ignorância que só pode ser dissipada com o conhecimento da verdade que liberta. “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Não há culpados, ninguém a ser responsabilizado.

É evidente que nós devemos, e a sociedade deve tomar suas precauções. É como o escorpião que pica e envenena. É de sua natureza agir assim. O mesmo ocorre com o homem: é de sua natureza, ser, ainda, aquilo que ele é; é de sua natureza agir como age. Evidentemente, se temos por perto um animal perigoso, nos afastamos dele ou o afastamos de nós e dos nossos para que nenhum mal nos cause. Do mesmo modo, um homem perigoso, perverso, criminoso, ou dementado, deve ser afastado do convívio da sociedade para que a ninguém prejudique. Mas ninguém tem culpas de como pensa e de como age; cada um, apenas, é o que é. Cada um age de conformidade com aquilo, que em sua compreensão, mais ou menos deficiente, acha que deve agir. O problema é que estamos fechados nesta casca espessa de ignorância e imaginamos e criamos e inventamos um sem numero de explicações, respostas para nossas interrogações acerca da vida. Só isso. Essas respostas, por mais que nos esforcemos, que imaginemos, que raciocinemos, nunca vamos atingir. Enquanto o homem não afastar esse espesso véu de ilusões, enquanto não romper essa ignorância, que não o deixa conhecer a verdade, continuará sofrendo e fazendo outros sofrerem. Essa é a vida e o sofrimento. Não há como fugir disso. A única solução é buscar o conhecimento da verdade citada por tantos sábios. É afastar o obstáculo que não nos deixa conhecer a verdade. E, isso é difícil. porque esse obstáculo é o próprio “ego”, a própria mente onde estão armazenadas as ilusões e suposições recebidas, desde que viemos à existência, daquilo que a cultura, as tradições, os costumes, crenças e religiões nos transmitiram. E como afastar esse obstáculo, se ele é nossa mente e, por conseqüência, ele é nós mesmos? Como ensinou o profeta do Antigo Testamento, “Aquieta-te e sabe: eu sou Deus”; como ensinou Jesus, “Quando quiseres falar com teu Pai, fecha-te em teu quarto e, em silencio, em oculto fala a teu Pai que em oculto te ouve”.

Aquietar a mente, falar ocultamente, estas são as recomendações...

Vejam só, amigos, um exemplo simples de como nossas escolhas não dependem de nosso livre-arbítrio, de nossa vontade: você caminha por uma estrada que, de repente, se bifurca; por qual das duas vai prosseguir? Ninguém decide ou escolhe como num jogo de cara-ou-coroa, nem num estalar de dedos. Sempre analisamos, por mais simples que essa analise seja, qual a estrada a seguir; a mais vantajosa, a mais sombreada, a que tem menos obstáculos a transpor. E porque essa analise é necessária e produtiva? Porque, pelas experiências anteriores na nossa vivencia de todos os dias, já aprendemos alguma coisa. Aprendemos que devemos continuar por aquela cuja ponte está inteira, pela mais sombreada, pela cujo pavimento é melhor etc. Só não age assim aquele que está desesperado, enlouquecido, descontrolado e, por isso, pode até continuar sua marcha pela estrada pior, ou cometer desatinos, como vemos no mundo. Até para escolhermos entre guloseimas, analisamos: se o apetite é grande, a maior; se não, a mais apetitosa ou que nos parece mais saborosa etc. Logo, nosso dito “livre-arbítrio” nunca é totalmente livre: está sempre atrelado, preso ao conhecimento, à compreensão anterior, que já temos das coisas e do mundo. E se não é totalmente livre, não é livre-arbítrio. Todas as escolhas que fazemos e todas as decisões que tomamos estão totalmente presas ao nosso passado e, assim, portanto, não agimos totalmente livres. Do mesmo modo acontece em todos os aspectos da vida coletiva ou individual. Sempre, qualquer decisão, escolha ou arbítrio, depende totalmente da experiência anteriormente adquirida. Não escolhemos livremente. Talvez, para nos esclarecer isso, o apóstolo Paulo tenha afirmado: “É o Senhor que opera em nós o pensar e o fazer”. Pense nisso!

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