quinta-feira, 29 de março de 2012

DÚVIDAS DE UMA AMIGA


      Uma amiga pergunta: Porq os homens sofrem, porq entram em depressão, se desesperam, porq seus pensamentos são tão negativos e os levam a tantos problemas? Porq ficam tristes? Possuem pensamentos e agem negativamente? Por que as pessoas querem moldar as outras? Por que todo mundo culpa todo mundo? Por que as pessoas simplesmente não compreendem o outro do jeito que o outro é? Se não cai uma folha da árvore sem que Deus seja servido.. Se Deus é amor. Por que as pessoas ainda pensam que possuem livre-arbítrio?
 
      Cel: Minha amiga; os pensamentos não são nossos; eles apenas surgem, por extensa gama de fatores, em nossa mente imperfeita e condicionada; a visão q o ego nos dá do mundo é totalmente distorcida, parcial mesmo, porq ele só age a nosso favor, nos defendendo de tudo q nos possa ser desagradável ou nocivo. Como vemos o mundo ao nosso derredor, julgamos-nos independentes e separados de tudo o mais; descobrimos um mundo ameaçador repleto de outros "eus", contra os quais, temos de nos defender a todo custo. Essa interpretação q o ego nos manda do mundo é q nos faz gozar ou sofrer e muito mais sofrer, pois tentamos encontrar a felicidade nas coisas do mundo, em seus atrativos; mas essas coisas, às quais nos agarramos, não são duradouras e, por isso, nos decepcionamos, nos desesperamos e, consequentemente, sofremos.
      Somos o resultado de todas  as causas e efeitos q ocorreram, desde os mais longínquos antepassados, e estão ocorrendo sem cessar, pelas influências q as experiências da vida, esta escola do bem e do mal, exercem sobre nós. Sofremos por ignorar o q somos realmente, "um com Deus". A vida no espaço-tempo simplesmente está acontecendo e ela nos joga daqui para lá e de lá para mais além, como uma correnteza irresistível, sempre cheia de incertezas, mudanças, conflitos etc. Cito a seguir trecho de um sábio e lhe digo q essa é a concepção dos místicos ocidentais e orientais, desde séculos a.C.; é assim q, também, compreendo a vida e o mundo:
          “Este mundo em que vivemos é um mundo de luta e labor, um mundo feroz, perigoso, destrutivo, devorador, no qual, a cada passo, queiramos ou não, algo é esmagado e destruído; no qual cada sopro de vida é também um sopro de morte.
          “Colocar a responsabilidade de tudo que nos parece mau ou terrível nos ombros de um demônio semi-impotente, ou deixá-la de lado, como sendo parte da natureza, criando uma oposição intransponível entre a natureza do mundo e a natureza de Deus, como se a natureza fosse independente de Deus, ou ainda lançar a responsabilidade sobre os homens e seus pecados, como se o homem tivesse voz ativa na criação deste mundo ou pudesse criar algo contra a vontade de Deus, tudo isso constitui estratagemas, artifícios cômodos... Erigimos, criamos, imaginamos um Deus de amor e misericórdia, justo, probo e virtuoso de acordo com as nossas concepções morais de justiça, virtude e retidão e, a todo o resto dizemos ‘Não é Ele’ ou ‘Não é dele’, isto é, ‘não foi Deus quem fez isso’ etc., mas que foi criado por um ser diabólico a quem, por um motivo qualquer, Ele permite cumprir sua vontade perversa e funesta; ou então foi culpa do homem egoísta e pecador, que estragou, pelo mau uso de seu livre-arbítrio, aquilo que foi criado originalmente perfeito.
          “Temos de encarar corajosamente a realidade e perceber que foi Deus, e ninguém mais, que criou este mundo em seu próprio ser (Paulo: ‘Em Deus vivemos e respiramos; Ele está acima e abaixo, à frente e atrás, à direita e à esquerda, fora e dentro de nós) e o fez como ele é. Temos que ver que a Natureza devorando seus filhos, o Tempo consumindo as vidas das criaturas, a Morte universal e inelutável e as violências no homem e na natureza são também o supremo Ser Divino em uma de suas representações cósmicas.  
          “Temos também de perceber que o Deus generoso, amoroso, o conservador, prestimoso, forte e benévolo é também o Deus devorador e destruidor”. O sofrimento, a dor e o mal com que somos torturados é também seu toque tanto quanto a felicidade, a suavidade e o prazer. Só quando vemos com a visão de completa união e sentimos essa verdade no âmago de nosso ser é que podemos descobrir totalmente, por trás dessa máscara, o rosto sereno e formoso da Divindade bem-aventurada.
          “As discórdias do mundo são as discórdias de Deus, são a vontade de Deus, e só aceitando-as e superando-as podemos ascender à concórdia maior de sua suprema harmonia, à vastidão, à imensidade transcendente. Porque a Verdade é o alicerce da verdadeira espiritualidade e coragem da alma” (Aurobindo).
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A MENTE MEDITATIVA


(31)  A MENTE MEDITATIVA (Krishnamurti)  (2/08)  (muita atenção!)

A qualidade da mente meditativa é complexa. Devemos examiná-la com atenção e com o propósito de descobrir sua natureza, suas minúcias, sua índole, sua essência; não apenas compreender, mas sentir sua verdade dentro de nós, com todo nosso ser. Talvez, com esforço constante e determinação para esse fim, poderemos ser capazes de ultrapassar a mente superficial, que torna nossas vidas tão vazias – tão dominada que é pelos condicionamentos e hábitos (ego) e, por isso, tão sem profundidade.

Mas antes, precisamos reconhecer, por nós mesmos, o quanto somos superficiais. Parece-me que quanto mais superficiais, mais nos tornamos ‘ativos’ (movimentamo-nos de cá pra lá, sem cessar, sempre ‘fazendo’ alguma coisa que julgamos útil) e ‘coletivos’ (agimos como todos os demais agem, em face de nosso condicionamento, regras sociais, cultura, crenças). Colecionamos obras de arte, tagarelamos interminavelmente, freqüentamos bibliotecas, dedicamo-nos a atividades sociais, concertos, conferências, entretenimentos etc. e estamos mergulhados na interminável rotina do emprego e dos negócios. Essas coisas tornam-nos embotados, medíocres e, quando percebemos esse embotamento, procuramos nos mostrar mais eruditos, penetrantes, por meio de palavras, de argumentações, do intelecto, das coisas da mente. Reconhecendo como somos superficiais, tentamos fugir dessa mediocridade, nos entregando à busca do saber, práticas religiosas, orações, jogo, bebida, aventuras, adrenalina, sexo, política; ou nos tornamos ‘idealistas’ etc. Estamos bem conscientes do quanto somos superficiais; de que a mente, que segue um hábito ou pratica uma disciplina a fim de ‘vir a ser algo’, torna-se cada vez mais embotada e estúpida, perdendo toda penetração e sensibilidade. E é dificílimo, a essa mente superficial, acabar com sua própria estreiteza, insignificância e limitações. Você já pensou, alguma vez, nisso?

Este assunto requer, não só certa habilidade intelectual, mas também, uma clara compreensão da linguagem e de suas limitações. E se pudermos entrar em comunhão uns com os outros, não apenas verbalmente, mas ultrapassando (com o sentimento, com profundidade) o símbolo a que a palavra se associa, e assim prosseguir cautelosamente nesse caminho, sem dúvida começaremos a descobrir, por nós mesmos, o que é meditar e qual a qualidade da mente capaz de meditação.

Se não chegarmos a compreender a extraordinária beleza da meditação, por mais que pareçamos inteligentes, prendados, competentes, penetrantes, nossa vida será superficial e sem significado. E, assim, reconhecendo quão pouco significativas são nossa mente e nossa vida, buscamos uma ‘finalidade na vida’, um objetivo, meta ou suposta missão, algo que nos preencha o vazio interior, provocado pela insatisfação que está quase sempre conosco. E, quanto mais ‘grandiosa’ a ‘finalidade’ que escolhemos, tanto mais nobres julgamos nossos esforços. A busca de ‘finalidade’, no entanto, é procedimento totalmente errado. A finalidade nada é. O que existe de importante e extraordinário é viver sem limitações. E, para se descobrir esse estado, requer-se uma mente perspicaz, clara, penetrante e precisa, e não uma mente embotada (defeituosa) pelos hábitos e condicionamentos (ilusões, crenças, opiniões, suposições, cultura...) que dominam nossas vidas.

Não há como negar que nossas vidas são vazias, superficiais, repetições sem fim dos mesmos hábitos (erros, procedimentos, coisas com as quais estamos condicionados). E essa mente supõe que se satisfaz facilmente, mas isso é ilusão pois, mais dia menos dia, surge de novo a insatisfação e a mente procura livrar-se dela, buscando nova finalidade a que se dedicar, modos de preencher o vazio da insatisfação etc. Ao ver-se descontente, põe-se a seguir uma rotina, fixa um ideal, sai atrás do que acha que ‘deveria ser’. E essa mente, não importa o que faça – quer se esteja sentado, a contemplar meditativamente o umbigo, quer meditando acerca do Supremo – permanecerá sempre vazia, porque sua essência mesma é sem profundeza. Uma mente estúpida nunca se tornará uma mente superior. No entanto, ela pode vir a compreender sua própria estupidez; e, no momento em que perceber, por si mesma, o que ela é (estúpida, medíocre, vazia, fútil), sem ficar imaginando o que deveria ser, quebra-se a estupidez. Com esta percepção, toda busca termina. Mas isto não significa que a mente se torne adormentada, estagnada. Pelo contrário; agora é que ela está vendo o que é, em sua realidade; e isso não é mais um processo de busca, mas um processo de compreensão.

A maioria das pessoas está, mesmo inconscientemente, em busca de felicidade, da compreensão, de Deus, da verdade, de satisfação de seus desejos, de amor permanente. Mas a mente que busca é muito superficial; ela apenas sente que tem de buscar ‘algo mais’ para compreender esta confusão que é a vida, para preencher seu vazio interior, sua insatisfação; mas sempre busca usando suas próprias operações limitadas, porque condicionadas. Devemos entender bem este ponto e investigar, ver como são absurdas a mente superficial, suas operações e atividades. Mas, nunca vamos poder penetrar a fundo nessa investigação se continuarmos a pensar em termos de busca, de esforço para descobrir esse algo mais. Ao contrário, necessitamos é de uma mente clara, muito penetrante, sem preconceitos, silenciosa, tranqüila. A mente sem profundeza, que se esforça para se tornar silenciosa, continua sem profundidade. A mente limitada, sempre tão ‘sabedora’, tão cheia de opiniões e crenças, tão sagaz, tão empolgada da ambição de achar Deus, a Verdade, um santo ou o que seja - porque seu desejo é sempre chegar a algo melhor – essa mente continua superficial, porquanto todo esforço é superficial, pois é produto da mesma mente limitada. Essa mente jamais será sensível; é necessário perceber esta verdade. A disciplina, o controle, o uso da força de vontade, o esforço para ‘vir a ser’, o esforço para rejeitar, resistir, cultivar a virtude, reprimir, sublimar, desejar – tudo isso, em essência, constitui a natureza da mente superficial, pois são esforços, tentativas, operações, que ainda só utilizam o conhecimento, a memória, as ilusões, a imaginação, o raciocínio da mente superficial e limitada, enfim o passado. Talvez a maioria não concorde com isso, mas tente observar se não é assim. Como a mente limitada poderá agir além de seus limites? Não pode; esse é um evidente fato psicológico.

Ora, quando a pessoa se torna consciente disso, quando percebe essa verdade, realmente e não apenas verbalmente e intelectualmente – e não deixa a mente fazer perguntas sem conta sobre como modificar esse fato, como se libertar de sua superficialidade, de suas limitações, ou delas fugir, esquecer – sendo que tudo isso envolve esforço – reconhece então que nada pode fazer para modificar esse estado. O que pode fazer é apenas perceber, ver as coisas cruamente, tais como são, sem deformação, sem preconceitos, sem invocar opiniões a respeito do fato; isto é, simplesmente observar, testemunhar, sem idéias prévias, limitadoras. E é dificílimo observar pura e simplesmente, pois que nossa mente sempre foi exercitada para comparar, julgar, condenar, competir, justificar, classificar ou identificar-se com o que vê. Nunca vê as coisas como são porque sempre colocamos, entre elas e nós, uma cortina de condicionamentos, de conhecimentos adquiridos (ego).

‘Viver com um sentimento’ tal qual ele é – ciúme, inveja, ambição, violência, medo, ódio, amor, seja o que for – ‘viver com ele’ sem o deformar, sem medos, sem emitir opinião ou julgamento, sem preconceitos, sem dele fugir, isso requer uma mente dotada de energia para seguir todos os movimentos do fato. Pois um fato nunca é estático; ele se movimenta, vive. Mas, nós o queremos estático, aprisionando-o com uma opinião, um julgamento (que pode ser apenas fruto de preconceitos ou de crenças que não sabemos se são verdadeiras ou falsas).
Assim, a mente vigilante, sensível, percebe a futilidade de todo esse esforço. Mesmo na educação, o estudante que se esforça para aprender, nunca aprende realmente. Pode adquirir conhecimento, tirar um diploma; mas aprender é coisa que transcende o esforço. Talvez, hoje, possamos aprender juntos, sem esforço, em lugar de ficarmos presos à esfera do conhecimento.
Estar consciente do fato, sem o desfigurar, sem o colorir de acordo com nossas conveniências e medos, sem lhe dar nenhuma tendência; observar a nós mesmos tais como somos, com todas nossas teorias, ilusões, esperanças, desesperanças, sofrimentos, crenças, fracassos e frustrações – isso torna a mente extremamente penetrante. O que torna a mente embotada, superficial, estúpida são as crenças, as religiões, ideais, hábitos, opiniões, ilusões, a busca de seu próprio engrandecimento, de seu próprio ser ou vir a ser. Como disse, para se seguir o fato, requer-se uma mente precisa, sutil, atenta, ativa, porque o fato nunca é estático.

Alguma vez você já olhou um fato, a inveja, por exemplo, seguindo-o, buscando compreendê-o totalmente? Todas as sanções religiosas baseiam-se na inveja, do bispo ao mais humilde clérigo. E toda nossa moralidade social, nossas relações, estão baseadas na aquisição e na comparação, e estas, por sua vez, significam inveja. Percebam isso! E seguir isso até o fim, em todos os seus movimentos, para entender o porquê da inveja (ou de outra coisa qualquer), requer uma mente muito atenta, vigilante e limpa (sem poluição, sem contágio de qualquer espécie).

É muito fácil reprimir o fato, dizendo: ‘Não devo ser invejoso’, ou: ‘Já que estou aprisionado nesta sociedade corrompida, tenho de aceitar esta condição’. Mas, seguir todos os movimentos do fato, cada nuance, cada sutileza – esse ‘processo’ de segui-lo torna a mente sensível, sutil. Se seguimos o fato sem tentar alterá-lo ou colori-lo (com opiniões, crenças, fugas, orações, promessas etc.) veremos que não existirá nenhuma contradição entre o fato, isto é, o que é realmente, e o que deveria ser. Não havendo contradição ou diferença entre o que é e o que deveria ser, nenhum esforço será exigido, pois, se a mente está apenas seguindo o fato, apenas o observando, não estará empenhada em alterá-lo, em torná-lo diferente. Isto também é uma verdade psicológica. E esse seguir o fato deve ser feito a todas as horas, noite e dia, mesmo durante o sono. Pois a atividade da mente, quando o corpo dorme, é muito mais deliberada, positiva, e os resultados dessas atividades nos chegam à mente consciente através de símbolos, sugestões e sonhos.

Se está sempre vigilante, atenta, observando, a cada instante, cada gesto, cada movimento ou reação do pensamento (auto-observação), a mente pode, então, vir a ultrapassar a própria consciência.

Para se descobrir o que é a verdade, Deus, ou o nome que preferirmos, é absolutamente necessário ter uma mente lúcida – não no sentido de talentosa, intelectual, argüitiva; mas ter uma mente capaz de, sem qualquer preconceito, raciocinar, examinar, questionar, duvidar, negar, indagar e investigar, a fim de descobrir. A mente que tem fronteiras, restrita, condicionada, limitada, não é sensível, pois não é livre. O nacionalista, o crente, o religioso etc. não têm uma mente sensível, livre, porque sua crença, seu nacionalismo lhes limita a mente. Assim, no seguir, apenas, o fato, a mente se torna sensível. O fato a torna sensível e não há necessidade de fazermos, por nosso esforço ou vontade, que ela se torne sensível.

Se isso está mais ou menos claro, qual é então a natureza da beleza que essa mente descobre? Para a maioria de nós, a beleza reside nas coisas que percebemos com os sentidos objetivos (visão, audição, tato etc.) – um quadro, uma melodia, um poema, uma sinfonia, uma árvore, uma flor, o pôr do sol, o mar imenso, um sorriso de criança etc. E existe, para nós, a negação da beleza, a reação à beleza, que é o dizermos ‘isto é feio’. Mas a mente sensível é sensível tanto para o feio quanto para o belo (certo ou errado) e, por conseqüência, (por não julgar, não comparar, coisas que são interferência do ‘eu’), não há nenhuma busca daquilo a que chama belo, e nenhuma rejeição àquilo que chama feio. E, com essa mente vamos descobrir que existe uma beleza inteiramente diferente das avaliações (percepções, interpretações) feitas pela mente limitada. Você deve saber que a beleza requer simplicidade, e a mente muito simples, que vê os fatos tais como são, sem julgá-los, conceituá-los, compará-los, é uma mente muito bela, simples (pura, limpa, inocente). Mas não podemos ser simples se não houver passividade e não há passividade se não houver austeridade. Não me refiro à austeridade da tanga, das longas barbas do monge, do tomar uma só refeição por dia, porém à austeridade da mente que se vê e se percebe como é (limitada, finita, preconceituosa, medíocre), e segue infinitamente aquilo que vê. E esse seguir é passividade, porquanto a mente não mais está apegada, não mais está comparando, fugindo, julgando; está apenas observando. A mente tem, portanto, de ficar totalmente passiva para poder ver ‘o que é’.

Assim, para se ver realmente a beleza se requer a paixão da austeridade. Já vimos o que é austeridade; e necessitamos evidentemente da paixão para sentirmos a beleza. Necessita-se de intensidade e de penetração. A mente embotada não pode ser austera, não pode ser simples, pura, livre (está cheia de amarras, apegos, crenças, opiniões, ilusões, desilusões, dependências, esperanças, desesperanças) e, por conseguinte, é sem paixão. E é na chama da paixão que se percebe a beleza, que se pode ‘viver com a beleza’.

Talvez tudo isso, para você, não passe de meras palavras para serem, mais tarde, lembradas. Mas não há ‘mais tarde’. Isso tem de acontecer agora, enquanto conversamos, enquanto estamos em comunhão uns com os outros. E esse percebimento da beleza não reside apenas nas coisas – obras de arte, céu, noite estrelada – pois começamos, também, a descobrir a beleza da meditação, e a intensidade e a paixão da mente meditativa (a beleza em tudo).

Vamos, agora, falar sobre a meditação, porque ela é extremamente necessária para se ter uma mente pura e passiva, e estamos aqui lançando suas bases. Para a meditação necessita-se de uma mente capaz de permanecer em silêncio – não uma mente forçada ao silêncio por meio de força de vontade, de artifícios, disciplina, controle, persuasão, repressão -, porém uma mente completamente tranqüila. Isso é absolutamente essencial à mente que deseja entrar num estado de meditação. Por conseguinte, a mente deve estar libertada de todos os símbolos, palavras, idéias, crenças, opiniões, vínculos. A mente é escrava das palavras, não é? Os ingleses são escravos da palavra ‘rainha’, os religiosos são escravos das palavras Deus, Buda, céu, pecado, carma etc. A mente repleta de símbolos, palavras, idéias, opiniões, é incapaz de estar em silêncio, quieta. Emaranhada em seus pensamentos, nunca está tranqüila. Essa tranqüilidade nada tem a ver com estagnação, com um estado ‘em branco’, ou de hipnose; contudo pode ser alcançada ‘no escuro’ (vazio), inesperadamente, sem volição e sem desejo, quando compreendemos inteiramente o ‘processo’ do pensamento.

O pensamento, afinal de contas, é apenas reação da memória; e a memória é resíduo da experiência; e o resíduo da experiência é o ‘centro’, o ‘eu’ (ego). Assim se forma o ‘eu’, que é, então, essencialmente acumulação de experiências passadas (uma coleção de memórias produzida pelas experiências que deixaram marcas), em relação tanto à coletividade como ao indivíduo. Desse centro, emana o pensamento; e esse processo precisa ser completamente compreendido; isso é ‘autoconhecimento’. Sem autoconhecimento, consciente e inconsciente, a mente nunca estará tranqüila. Só poderá hipnotizar-se para tornar-se tranqüila, mas isso é infantil, imaturo e nunca definitivo.

O autoconhecimento, portanto, é necessário e urgente, porque a mente que conhece a si mesma e a todos seus artifícios e artimanhas, imaginações e atividades, pode então chegar, sem esforço, sem exigência, sem premeditação, ao estado de completa quietude. Conhecer a si mesmo é conhecer a totalidade do pensamento e saber como este cria coisas, como divide a si próprio em ‘eu superior’ e ‘eu inferior’. É o percebimento da totalidade desse movimento de experiência, memória, pensamento. É isso que dá o percebimento do centro, do ‘eu’, que se torna pensamento, memória e experiência; e a experiência, por sua vez, se torna memória mediante o ulterior condicionamento da experiência. Portanto, o eu, o ego, não tem realidade; é apenas um feixe de memórias selecionadas.

Espero que você esteja me seguindo. Se você se observar atentamente, poderá perceber isso. O centro nunca é estático. O que era centro se torna experiência, e a experiência se torna centro e o centro se transforma em memória. É tal como causa e efeito: causa se torna efeito e efeito se torna causa. E esse processo não é só consciente, mas também inconsciente. O inconsciente é o resíduo da raça, do homem ocidental e oriental. Essas tradições herdadas, no encontro com o presente se transformam noutras tradições. Para perceber as múltiplas camadas do inconsciente e seu movimento, necessita-se de uma mente bem penetrante, viva e atenta, que nunca esteja, nem por um momento sequer, a buscar segurança, conforto, preenchimento do seu vazio. Porque, no momento em que busca segurança ou conforto, está tudo acabado; estamos de novo atolados, aprisionados (porque a mente não está mais livre, mas apegada a seu objetivo ou desejando fugir do que é). A mente, apegada na segurança, no conforto, num padrão, numa crença, em ilusões, em coisas que julga sejam verdades, num hábito, não pode ser ágil, livre, porque quem está apegado é escravo do seu apego.

Eis, pois, o que é o autoconhecimento; e conhecer a si mesmo significa descobrir (compreender) o fato e seguir o fato sem julgá-lo, sem nenhum interesse em modificá-lo. E isso requer atenção. Atenção é uma coisa e concentração é coisa muito diferente. A maioria dos que desejam meditar espera adquirir o poder da concentração. Todo colegial sabe o que é concentração. Ele deseja olhar pela janela e o mestre lhe diz: ‘olha para seu livro’; e trava-se uma batalha entre o desejo de olhar pela janela e a compulsão do medo, da competição, que o força a olhar para o livro. Concentração, pois, é uma forma de exclusão; excluímos tudo, menos aquilo em que estamos concentrados. E, embora em tal processo, você pode se tornar perspicaz, sua mente continua ainda muito limitada. Tenha a bondade de acompanhar isso que exponho, sem aceitar nem rejeitar; simplesmente observando.

A mente que se limita a se concentrar conhece a distração; mas, a que está atenta, não tolhida pela concentração, não conhece distração. Tudo, então, é movimento vivo. Compenetre-se bem disso e você verá como lançará fora toda a carga de crenças, opiniões, mandamentos religiosos, que lhe foi imposta; você olhará a vida de outra maneira. A vida torna-se, então, em algo extraordinariamente significativo, em algo extraordinariamente maravilhoso – o verdadeiro viver, que não é tentar fugir, esquecer, substituir, sofrer, duvidar.

Quando se dá um novo brinquedo a uma criança, cessa completamente seu desassossego e ela se torna quieta, toda absorvida no brinquedo. E o mesmo acontece conosco; temos também nossos brinquedos: mestres, salvadores, obras de arte, ideais, crenças, religiões, suposições, filosofias; e, neles se absorvendo, a mente se torna quieta. Mas, essa absorção é morte para a mente, ilusão temporária porque, logo mais, ela necessitará de outros brinquedos que a satisfaçam.

A atenção não é nem semelhante, nem o oposto da concentração e, por conseguinte, não tem relação com a concentração. Atenção é estar a mente consciente de cada movimento que se verifica dentro e fora dela mesma. Significa, não só ouvir os barulhos do tráfego, mas também o que se está dizendo, o que está vendo, ouvindo, degustando, cheirando, tocando; estar consciente da sua reação ao que todos seus sentidos objetivos estão captando, mas consciente sem escolha (de sua reação interior àquilo que seus sentidos objetivos percebem do mundo exterior, sem se prender ao que considera mais belo, mais agradável, ou mais feio, certo, errado etc., pois que isso é exclusão, concentração) para que não haja limitações à mente. Quando a mente está atenta dessa maneira, a concentração terá, então, significado completamente diferente; a mente pode, agora, se concentrar em qualquer coisa, objeto ou evento, mas tal concentração não exige qualquer esforço, pois já não existe mais julgamento, comparação, apego, medo etc. que tenhamos de afastar para perceber; não é, também, exclusão, porém é parte do percebimento total. Você está compreendendo?

Essa atenção é bondade, é virtude; e nela se encontra o amor e, portanto, aconteça o que acontecer, aí não pode existir o mal. O mal só existe onde há dúvida, escolha, medo, conflito, ilusão etc. E a mente atenta, completamente consciente de si mesma e de todas as coisas que se passam nela própria, é capaz de transcender a si própria.

A meditação, pois, não é um ‘processo’ de ‘saber meditar’, de ser ensinado ou de aprender a meditar. Isto é completamente infantil, pois daí nasce o hábito e todo hábito faz a mente embotada, aprisionada em seu próprio embotamento (condicionamento); com o hábito você poderá ter visões do Cristo, ou dos deuses de sua crença, ou do que quer que seja, mas, com certeza, sua mente continuará condicionada. O cristão pode ter visões de Jesus, e os demais poderão ter visões de seus deuses e santos prediletos. A mente meditativa não é imaginativa; portanto, não tem visões. O que ela ‘vê’ é o que é, é o Real.

Assim, quando a mente, depois de agitar-se inutilmente no círculo fechado de seus próprios movimentos limitados, começa a seguir, sem esforço, o movimento de seus pensamentos, a amar o seu centro, seu movimento, suas experiências, só então é capaz de compreensão, de permanecer quieta, pronta (Krishnamurti: arrume o aposento e deixe portas e janelas abertas; assim, a qualquer momento, a coisa poderá entrar).

Agora, um momento. Posso comunicar-lhe verbalmente o que então sucede, mas isso é muito sem importância (‘irrelevante’, disse o Buda), porque você é que tem de descobrir isso. Você deve chegar àquele estado de silêncio, abrindo você mesmo a porta. Se outro lhe abre, ou procura ajudá-lo a abri-la, então esse outro se torna sua autoridade e você seu seguidor; você ficará dependendo desse outro. E isso, por conseguinte, significa morte para a verdade; morte para a pessoa que diz que ‘sabe’, e morte para aquele que pede ‘ensine-me’. A ânsia de saber gera a autoridade, dependência, apego; e a mente continua condicionada.

Eu ´lhe exponho tudo isso, não com a intenção de convencê-lo, ou estimulá-lo, de demonstrar-lhe algo, ou coisa parecida, mas, sim porque, quando o compreender, você verá a relação existente entre o tempo e espaço.

Quando a mente está completamente livre de barreiras, limitações, acha-se então num estado de plenitude; e nessa plenitude, está vazia; e esse vazio pode conter o tempo – tempo como espaço e distância; tempo como ontem, hoje e amanhã. Mas, não havendo aquele vazio, não há tempo, nem espaço nem distância. E, quando a mente descobre isso, quando o experimenta, não apenas verbalmente, intelectualmente, ou como coisa lembrada, mas verdadeiramente – ela sabe, então, o que é criação – criação e não coisa criada.  E você verá então que, ao dobrar uma esquina, ao passar por belos campos ou por uma rua imunda, ou que quer que seja, sempre se encontrará (estará) com o Eterno.

A mente, pois, jornadeou pelo seu próprio interior, pelas últimas profundezas de si própria. Esta jornada não é semelhante à viagem à Lua num foguete, o que é relativamente fácil, mecânico; e a jornada interior, a visão interior não é mera reação ao exterior. Tudo é um só movimento: interior e exterior. E, quando há essa visão profunda, interior, essa atenção, essa percepção interior, a mente, então, não está mais separada do Sublime. Por conseguinte, toda busca, toda ânsia, tudo terminou.

Por favor, não se deixe influenciar ou hipnotizar por minhas palavras. Se está influenciado, você não poderá saber, por si mesmo, o que é o amor. A influência, a hipnose, como já vimos, nos prendem ao influenciador, ao hipnotizador, que se torna autoridade para nós e a ele nos apegamos, porque passamos a depender dele.

A meditação é o descobrimento dessa coisa extraordinária que se chama Amor.
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ILUMINAÇÃO 2a. Parte


(38)               ILUMINAÇÃO 2 – Outros testemunhos

Sri Aurobindo: Foi caminhando no pátio da prisão onde, por ter sido, por engano, confundido com um terrorista, esteve por certo tempo, que ele sentiu uma mudança de consciência: ‘Contemplei a prisão que me separava dos homens, e já não estava aprisionado por seus altos muros: era Vasudeva (Deus) que me cercava. Caminhei sob os ramos da árvore diante de minha cela, mas ela já não era mais a árvore. Eu sabia que era  Krishna (Deus) que eu via ali, estendendo-me sua sombra. Olhei para a grade de minha cela e novamente vi que a grade era Deus. Era Deus que me guardava na figura da sentinela. Deitei sobre os cobertores ordinários q me serviam de cama e senti que me aconchegava nos braços de Deus. Olhei para os prisioneiros, os assassinos de todas as espécies e vi que era Deus que eu encontrava naquelas almas entristecidas e naqueles corpos maltratados. Quando fui a julgamento, com cerca de 200 testemunhas, já não via a turba hostil nem os juízes, mas eu não os via senão como Vasudeva, risonho. Tudo era Deus, que se tornou o próprio mundo.
Assim dizem os Upanishades: ‘Ele está em todas as coisas e comanda todos os atos (Paulo: ‘É o Senhor q opera em nós o pensar, o querer e o fazer’). Ele se tornou conhecimento e ignorância, verdade e falsidade, bem e mal. Ele se tornou tudo que existe. Para o olho que ‘vê’, tudo é Um, tudo é Vasudeva’.

          Este mundo em que vivemos é um mundo de luta e labor, um mundo feroz, perigoso, destrutivo, devorador, no qual, a cada passo, queiramos ou não, algo é esmagado e destruído; no qual cada sopro de vida é também um sopro de morte.
          Colocar a responsabilidade de tudo que nos parece mau ou terrível nos ombros de um demônio semi-impotente, ou deixá-la de lado, como sendo parte da natureza, criando uma oposição intransponível entre a natureza do mundo e a natureza de Deus, como se a natureza fosse independente de Deus, ou ainda lançar a responsabilidade sobre os homens e seus pecados, como se o homem tivesse voz ativa na criação deste mundo ou pudesse criar algo contra a vontade de Deus, tudo isso constitui estratagemas, artifícios cômodos... Erigimos, criamos, imaginamos um Deus de amor e misericórdia, justo, probo e virtuoso de acordo com as nossas concepções morais de justiça, virtude e retidão e, a todo o resto dizemos ‘Não é Ele’ ou ‘Não é dele’, isto é, ‘não foi Deus quem fez isso’ etc., mas que foi criado por um ser diabólico a quem, por um motivo qualquer, Ele permite cumprir sua vontade perversa e funesta; ou então foi culpa do homem egoísta e pecador, que estragou, pelo mau uso de seu livre-arbítrio, aquilo que foi criado originalmente perfeito.
          Temos de encarar corajosamente a realidade e perceber que foi Deus, e ninguém mais, que criou este mundo em seu próprio ser (Paulo: ‘Em Deus vivemos e respiramos; Ele está acima e abaixo, à frente e atrás, à direita e à esquerda, fora e dentro de nós) e o fez como ele é. Temos que ver que a Natureza devorando seus filhos, o Tempo consumindo as vidas das criaturas, a Morte universal e inelutável e as violências no homem e na natureza são também o supremo Ser Divino em uma de suas representações cósmicas.  
          Temos também de perceber que o Deus generoso, amoroso, o conservador, prestimoso, forte e benévolo é também o Deus devorador e destruidor. O sofrimento, a dor e o mal com que somos torturados é também seu toque tanto quanto a felicidade, a suavidade e o prazer. Só quando vemos com a visão de completa união e sentimos essa verdade no âmago de nosso ser é que podemos descobrir totalmente, por trás dessa máscara, o rosto sereno e formoso da Divindade bem-aventurada. 
          As discórdias do mundo são as discórdias de Deus, são a vontade de Deus, e só aceitando-as e superando-as podemos ascender à concórdia maior de sua suprema harmonia, à vastidão, à imensidade transcendente. Porque a Verdade é o alicerce da verdadeira espiritualidade e coragem da alma’ (Aurobindo).

‘Tu és Ele’, eis a verdade eterna. ‘Tu és Isto’, ‘Eu sou Aquilo’, ‘Eu sou Ele’, ‘Não conheço nenhum Deus senão meu próprio Eu’, ‘Conhece-te a ti mesmo e serás Deus’, eis as verdades que todos os antigos mistérios ensinavam e que, as religiões q vieram depois, se esqueceram de ensinar. Assim, também, ‘Eu e o Pai somos Um’.

Jesus, o Cristo, também não disse ‘Este é meu corpo e este é meu sangue’ escolhendo esses dois símbolos mais materiais, mais triviais e terrenos do pão e do vinho para comunicar a idéia de que tudo é um corpo só, o corpo do divino? (Aurobindo).

‘Quando Isto é conhecido, Tudo é conhecido’ (Upanishades).

Roger N. Walsh: ‘O grande psicólogo Gordon Alportt lamentava-se: ‘Nada temos na psicologia acerca da libertação’. Ele lastimava o fato de a psicologia clinica e a psiquiatria ocidentais serem essencialmente voltadas para a patologia e terem poucos conhecimentos da saúde psicológica e, muito menos, da ‘iluminação’. Esses temas são bastante mal compreendidos. Muitos profissionais da saúde mental ainda consideram fenômenos como a maturação psicológica além das normas culturais, as experiências místicas e a iluminação como lendas na melhor das hipóteses, e patológicas, na pior ‘regressão psicológica no caso mais extremo, como descreve um conhecido tratado de psicologia.

‘Prazer e dor, louvor e censura, fama e vergonha, perda e ganho, mal e bem, são a mesma coisa. Assim eu e você’ (Buda).

‘Todos os Budas e todos os seres sencientes nada mais são do que Mente Universal. Acima e abaixo, fora e dentro de você, tudo existe espontaneamente, pois nada existe fora da Mente Buda’ (Zen).

‘Vê esse sereno homem do Tão, que abandona o aprendizado e não se empenha? Ele nem evita falsos pensamentos, nem busca a verdade, pois, na verdade, o ‘desconhecimento’ é a natureza búdica, e este corpo ilusório e mutável é o corpo da Verdade’ (Zen).
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ILUMINAÇÃO

      Amigos, para ler e refletir; há muito mais do q isso, inclusive na ciência moderna.

      ILUMINAÇÃO (Tentativas de explicar e testemunhos).                                 

      Para que alguém possa ingressar na Consciência Cósmica precisa pertencer à camada superior do mundo da autoconsciência. Não que precise ter inteligência extraordinária (isso tem sido muito valorizado no pensamento de todos, mas não é verdade), embora não deva ser deficiente nesse aspecto.

      Richard Maurice Bucke, psiquiatra canadense, que passou pela experiência, tenta explicar a iluminação (“Consciência Cósmica”):
‘Ela está além das palavras e símbolos (Paulo: ‘vi e ouvi coisas indizíveis’);
      a) a pessoa, de repente, sem aviso, tem a sensação de estar mergulhada numa chama ou nuvem cor de rosa ou avermelhada, ou de que sua mente está preenchida por essa nuvem;
b) no mesmo instante, se vê banhada por uma emoção de alegria, confiança, triunfo, salvação (esta palavra não representa exatamente o que significa a coisa, mas é a convicção de que a salvação não é necessária, pois o esquema do universo já é nesse sentido. É um êxtase muito além de tudo imaginado. Isso foi relatado em todos os tempos por aqueles que passaram por ele. Assim, Gautama (o Buda), em seus discursos, preservados pelos Sutras; Jesus (o Cristo), em seus sermões e parábolas; Paulo, nas Epistolas; Dante, no Purgatório e no Paraíso; Shakespeare, nos Sonetos; Balzac, em Serafita; Whitman, em Folhas da Relva; Eduard Carpenter, em Rumo à Democracia; Pascal, em seu Amuleto Místico e muitos outros mais);
c) simultaneamente, recebe uma iluminação intelectual impossível de ser descrita. Como um raio apresenta-se à sua consciência uma concepção clara que lhe dá o significado e direção do universo. A pessoa não passa simplesmente a crer, mas vê e sabe que o cosmos não é matéria morta, mas presença viva. Que os seres sencientes são partículas de morte relativa num oceano infinito de vida. Vê que a vida do homem é eterna; que a alma do homem é tão imortal quanto Deus. Que o universo é construído e ordenado de tal forma que, sem sombra de dúvida, todas as coisas funcionam juntas para o bem de todos; que o principio criador do mundo é o que chamamos amor e que a felicidade de todos é absolutamente certa. A pessoa conhecerá, em alguns instantes de duração dessa experiência, mais do que poderia conhecer em muitos anos com os melhores mestres. Aprenderá o que nenhum estudo jamais ensinou nem poderia ensinar. Obtém, sobretudo, uma concepção da totalidade (do Todo, da unicidade) que excede a qualquer outra concepção, imaginação ou especulação. Tal concepção torna velhas, insignificantes e até ridículas todas as tentativas anteriores de apreender o significado do universo e seu sentido. Os mistérios maiores não lhe são revelados: ele os contempla. Vê a origem de todos eles, de todos os contrastes e princípios discordantes, de toda dureza e suavidade, severidade e brandura, doçura e amargor, amor e sofrimento, bem e ‘mal’, céu e inferno. Junto com essa elevação moral e iluminação intelectual surge uma consciência de imortalidade. É muito mais do q uma convicção, é muito mais simples e elementar; é uma certeza absoluta e total de que sempre foi assim. O medo da morte, que faz sofrer a todos, cai como um manto velho, não como resultado do raciocínio, mas simplesmente desaparece. O mesmo acontece com a noção de pecado; não que a pessoa agora escape do pecado, mas ela deixa de ver no mundo qualquer pecado do qual deva escapar. Essa iluminação é como deslumbrante relâmpago numa noite escura que ilumina tudo que se acha oculto à mente; é a visão total. Mesmo a aparência da pessoa pode se tornar semelhante à de quem está sob intensa alegria (Moisés, Jesus, Francisco de Assis, Whitman...). Há uma gigantesca ampliação da consciência e das faculdades intelectuais independentemente de qualquer processo de aprendizado. O individuo percebe que absolutamente não é um individuo ou um ‘eu’ separado, uma consciência separada das demais e do mundo (q tudo é Um). Adquire, instantaneamente, uma capacidade infinitamente maior de conhecimento e de iniciativa para praticar qualquer ação (sabedoria). Sabe que o universo está construído para a felicidade de todos; que a existência continua para além do que chamamos morte.
      Resumindo: ‘1) luz subjetiva; 2) elevação moral; 3) iluminação intelectual; 4) consciência de imortalidade; 5) perda do medo da morte; 6) perda da noção de pecado; 7) desponta subitamente; 8) o fascínio adquirido pela personalidade que faz com que os demais se sintam atraídos por ela; 9) a aparência de ‘transfiguração’, muitas vezes percebida pelos outros; 10) com tudo isso vem uma certeza esmagadora de que o universo, exatamente como sempre foi e como é neste momento, é tão completamente correto e perfeito que não necessita de qualquer explicação ou justificativas além da de que ele simplesmente é. A existência não apenas deixa de ser um problema; a mente fica tão maravilhada diante de tudo, das coisas e fatos, incluindo até aquilo que, comumente, seria considerado ‘o pior’, que não consegue encontrar palavras para expressar a perfeição e a beleza da experiência. Vem-lhe a impressão de que o mundo se tornou luminoso e transparente, enquanto sua simplicidade dá a impressão de que tudo é ordenado por uma inteligência suprema. É comum perceber que todo o mundo se tornou seu próprio corpo e que o indivíduo sente que aquilo que ele é, não apenas se tornou assim com a experiência, mas que sempre foi aquilo que tudo o mais é. Percebe que a existência individual é apenas um ponto de vista adotado por ‘alguma coisa’ desmedidamente maior do que ele mesmo. O cerne da experiência parece ser a convicção ou compreensão de que o ‘agora’ imediato, seja qual for sua natureza, é a meta e a realização de todo o viver. Êxtase emocional, sensação de profundo alivio, liberdade e leveza e, com freqüência, um amor quase insuportável pelo mundo, fluem dessa percepção. E a compreensão disso tudo nunca se apaga’.

      William James, um dos maiores psicólogos da América: ‘O próprio céu pareceu se abrir e lançar raios de luz e glória. Não apenas por um momento, mas durante todo o dia e toda a noite, torrentes de luz e gloria pareciam me inundar a alma e, oh!, como fui transformado, e tudo se tornou novo. Todas as coisas me pareciam diferentes, mas eram as mesmas coisas de sempre.
      Voltei para a sala e ia me sentar quando a visão mudou. Abriu-se uma grande clareira e o chão parecia ceder... Olhei em derredor, para cima e para baixo, e todo o universo com seus múltiplos objetos percebidos pelos sentidos, parecia agora bastante diferente; o que era antes abominável ou detestável, juntamente com a ignorância e as paixões, agora nada mais era do que o fluxo de minha própria natureza profunda, que em si mesma continuava a ser brilhante, verdadeira e transparente’.

      Richard Maurice Bucke (complementando): ‘De súbito, sem qualquer aviso, vi-me envolvido por uma nuvem rubra. Por um instante pensei em fogo, um grande incêndio na grande cidade. Em seguida, conheci que o fogo estava dentro de mim. Logo depois me senti exultante, uma alegria imensa, acompanhada de uma iluminação intelectual impossível de descrever. Entre outras coisas, não passei apenas a acreditar, mas vi que o universo não é uma coisa morta, porém, ao contrário, é uma presença viva; tomei consciência da vida eterna em mim mesmo. Não era uma convicção de que eu teria a vida eterna, mas a convicção de que sempre tive vida eterna. Vi que todos os homens são imortais; que a ordem cósmica é tamanha que, sem sombra de dúvida, todas as coisas funcionam juntas para o bem de tudo e de todos; que o principio do mundo e de todos os mundos é o que chamamos amor e que a felicidade de todos é absolutamente certa’.

      ‘Se você compreende, as coisas são como são; Se você não compreende, as coisas são como são’ (do Zen). (Jesus: ‘Quem puder compreender, compreenda! ’, Buda: ‘Não pergunte nada! Venha e tenha sua própria experiência! ’).

      ‘O homem é infeliz porq não sabe que é feliz. Apenas isso. Isso é tudo, isso é tudo! Se alguém descobre que será completamente feliz imediatamente, ou em curto tempo, nesse mesmo instante ele deixaria de ser infeliz. Está tudo bem. Eu descobri isso repentinamente. Me perguntaram ‘e se alguém morre de fome, e se alguém insulta e maltrata um inocente, uma criança, está tudo bem?’ ‘Sim! E se alguém estoura os miolos por causa da namorada, esta tudo bem. E se alguém não faz isso, também está tudo bem. Tudo está bem, tudo! Esta bem para todos que sabem que está tudo bem. Se eles soubessem que está bem para eles, seria bom para eles mas, enquanto não sabem que são bons, estará mal para eles. Esta é a verdade, toda a verdade. Eles são maus porque não sabem que são bons. Quando perceberem que são bons, não mais maltratarão uma menininha. Descobrirão que são bons e eles se tornarão bons, todos eles’ (John White).

      Allan W. Watts: ‘Certa noite, logo que comecei a estudar as filosofias hindu e chinesa, eu estava sentado junto à lareira, tentando compreende qual seria a atitude mental correta na meditação daquelas escolas. Diversas atitudes afiguravam-se possíveis mas, como pareciam contraditórias, eu tentava sintetizá-las numa só – em vão. Por fim, totalmente insatisfeito, decidi rejeitá-las todas e não assumir uma atitude especifica. No impulso de abandoná-las parece que eu também me abandonei pois, de súbito, o peso do meu corpo desapareceu. Senti que eu nada possuía, nem mesmo uma personalidade, e que também nada me possuía. O mundo inteiro tornou-se tão transparente e livre quanto minha própria mente; o ‘problema que a vida é’ simplesmente deixou de existir. E durante cerca de dezoito horas eu e tudo à minha volta éramos como o vento soprando as folhas de um campo num dia fresco de outono’.
      ‘Outra vez, eu andava tentando praticar a consciência constante do presente imediato (do aqui-agora), diferente das divagações, lembranças e expectativas habituais, quando alguém, certa noite, observou: ‘Mas porque tentar viver no presente? Não estamos sempre exatamente no presente mesmo quando estamos pensando no passado ou no futuro?’ Essa observação, na verdade bastante óbvia, me produziu novamente a sensação repentina de não ter peso. Ao mesmo tempo, o presente pareceu tornar-se uma espécie de quietude em movimento, um fluxo eterno do qual nem eu nem nada podia se desviar. Vi que tudo, exatamente como é agora, é Isto – é toda a razão de existir a vida e o universo. Percebi que, ao afirmarem ‘Tu és Isto!’ ou ‘Todo este mundo é Brahaman’, os Upanishades estavam querendo dizer exatamente o que disseram. Cada coisa, cada fato, cada experiência, em seu inevitável agora e com toda sua individualidade particular, é precisamente o que deve ser, a ponto de adquirir uma autoridade e uma originalidade divinas. Percebi com a mais plena clareza que nada disso dependia do fato de, agora, eu estar vendo assim. É o modo como as coisas são, quer eu compreenda ou não. ‘Isso também é Isto’. Senti que agora eu entendia o que o cristianismo queria dizer com ‘Deus é amor’, isto é, que não obstante a ‘imperfeição’ das coisas, ainda assim Deus as amava exatamente como elas eram, e que esse amor equivalia a divinizá-las. Dessa vez a sensação de leveza e claridade durou toda uma semana’.

      Eckhart, místico cristão: ‘Quanto mais Deus está em todas as coisas, tanto mais está fora delas. Quanto mais Deus está fora, tanto mais está dentro’.

      William Law: ‘Embora Deus esteja presente em toda parte, ele só está presente para ti na região mais profunda de tua alma. Os sentidos naturais não podem possuir Deus, nem unir-te a ele: na verdade as faculdades intrínsecas de compreensão, raciocínio, imaginação, memória e vontade só podem procurar alcançar Deus, mas não podem ser o local de sua morada em ti e nem encontrá-lo. Existe, porém, em ti uma profundeza de onde emanam todas essas faculdades, como raios que partem do centro de tua alma. Essa profundeza é a unidade, a eternidade, a infinidade. Pois ela é tão infinita que nada pode satisfazê-la ou dar-lhe descanso senão a infinidade de Deus’.

      Plotino: ‘Cada ser contém em si mesmo todo o universo. Portanto, Tudo está em toda parte. Cada um é Tudo e Tudo é cada um’.
‘A natureza da Realidade deve ser conhecida pela nossa percepção clara; não pode ser conhecida por mais ninguém, seja um sábio ou um mestre’. 

      A libertação só pode ser alcançada pela percepção da identidade do espírito individual com o Espírito Universal (‘Eu e o Pai somos um’). Por mais nada. Nem pela pratica de cerimônias religiosas, nem por associar-se a qualquer religião (Krishnamurti: ‘Os cerimoniais e as religiões impedem o acesso à Verdade’).
      Não se cura a doença pela repetição do nome do medicamento, mas tomando o medicamento. Assim, não se atinge a libertação repetindo a palavra Brahaman, mas vivenciando Brahaman diretamente.
     
      Não tem nome nem forma, transcende mérito e demérito, bem e mal, saúde e doença; está alem do tempo, do espaço e dos objetos de nossa experiência. Supremo e indizível ainda assim Brahman pode ser apreendido pelo olho que ‘vê’. Assim é Brahman e ‘tu és Isto’. Medita nessa verdade dentro de tua consciência’.

      ‘A nossa ignorância é a causa de nossa identificação com o corpo, o ego, os sentidos, a memória etc., com tudo que não é Atman. É sábio o homem que supera essa ignorância pela devoção ao Atman. Os que raciocinam em vão, sem compreender a verdade, estão perdidos na selva das ilusões, correndo a esmo na tentativa de justificar sua opinião sobre a substância do ego’.

      ‘Em nossa natureza mais íntima, que não é a esfera dos que se entregam ao raciocino, está a pureza de Buda. Pura em sua natureza e livre da categoria do finito e infinito, a mente universal é Buda (Deus), imaculado e erroneamente percebido pelos seres sencientes’.
      ‘Meu ser está em união com Buda. E ele está além do louvor e da censura. Como o espaço ele não tem limites e está aqui mesmo dentro de nós, mantendo para sempre sua plenitude e infinidade. Só quando o buscas é que o perdes. Não podes possuí-lo, mas tampouco podes livrar-te dele. E, enquanto nada possas fazer, ele segue seu próprio caminho. Se falas ele permanece mudo; se guardas silencio ele fala (meditação). O grande portal da Luz está sempre inteiramente aberto, sem nenhum obstáculo à frente; o único obstáculo és tu mesmo (o ‘eu/ego/mente individual ou local’), que não emudeces’. (Yung-Chin).

      ‘Contempla só Uma em todas as coisas; a segunda é que te extravia’ (Kabir).

      A doença da humanidade é ver dois onde só há um.

      ‘O meu eu é Deus e não reconheço outro Eu senão meu Deus’ (Santa Catarina de Gênova).

      ‘Se a alma difere de Deus, a alma difere de si mesma’ (São Bernardo).

      ‘Para compreender a alma temos que compreendê-la como Deus, pois o fundamento (a essência) de Deus e o fundamento (a essência) da alma são uma só coisa’ (Eckhart, místico cristão).

      ‘O conhecedor, o conhecido e o conhecimento são uma coisa só. As pessoas simples imaginam que Deus está lá e elas aqui. Não é assim. Deus e eu somos um só no conhecimento’ (Eckhart, místico cristão).

      ‘Eu vivo, mas não sou eu quem vive; é o Cristo que vive em mim’. (Paulo).

      ‘O bem não precisa adentrar a alma, pois já se encontra lá, embora não percebido por nós’. (Teologia alemã).

      ‘Quando vemos todas as coisas em sua unicidade, voltamos à origem e permanecemos onde sempre estivemos’ (Sen T’Sen).

      ‘Por não saber quem somos, pois não temos consciência de que Deus está dentro de nós, procedemos de maneiras geralmente tolas, insensatas e até criminosas, e tão caracteristicamente humanas. Somos salvos e libertados ao perceber o Deus, (‘Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará’) ate então despercebido, que já existe dentro de nós, e retornamos ao nosso fundamento eterno e vemos que permanecemos onde sempre estivemos sem o saber’.

      ‘Existe em nossa alma algo que é mais glorioso, acima de tudo, disso e daquilo, do céu e da terra. Ele é livre de todos os nomes e vazio de todas as formas. É uno e simples, e nenhum homem, por mais sábio que seja, pode contemplá-lo’ (John White).

      ‘O desconhecimento de Deus é o cativeiro; o conhecimento de Deus é a liberdade e a sabedoria’ (Evelyn Underhill). (‘A verdade vos libertará’).

      ‘Queres que te mostre o que é Deus? Não acha paz aquele que de Deus está apartado’ (Santa Catarina de Gênova).

      ‘Quando o amor de Deus toca a alma, ele a encontra cheia de vícios e pecados; de início ele dá a ela um instinto de virtude para incentivá-la à perfeição; depois, infundindo-lhe graça, a leva à verdadeira auto-anulação (esquecimento do ego) e, finalmente, à real transformação. Deus conduz a alma ao longo do caminho (Paulo: ‘É o Senhor que opera em nós o pensar, o querer e o fazer’). Todavia, quando a alma chega ao nada e é transformada, ela não trabalha, nem fala, nem deseja, nem sente, nem ouve, nem compreende, nem tampouco nutre o sentimento do dentro e do fora, onde pode se movimentar. Então, em todas as coisas, é Deus que a governa e a conduz sem a mediação de nenhuma outra criatura. E o estado dessa alma é então um sentimento de paz e tranqüilidade tão ilimitado que seu coração e seu ser corpóreo, e tudo o que está dentro e fora, lhe parecem imersos num oceano de serenidade, de onde ela jamais sairia para o que quer que pudesse lhe acontecer na vida. E ela permanece imóvel, imperturbável, impassível a tal ponto que lhe parece nada mais poder sentir além daquela mais doce paz’ (Santa Catarina).

      ‘Quem sou eu?’ é a eterna pergunta do homem. Essa busca de autocompreensão, do significado último da personalidade, vem sendo respondida ao longo da história de várias maneiras, todas apontando para uma experiência na qual o buscador e o objeto de sua busca se fundem na percepção: ‘Eu sou Deus; não existe outro’ (Meher Baba). (‘Sujeito e objeto são um’).

      ‘Você é a eterna condição subjacente a todas as condições, que jamais nasceu e jamais morrerá, e de onde provém toda a criação. A essência de toda a criação, Deus, está exatamente dentro de você, de todos nós, quanto está dentro de tudo o mais’ (Baba).

      ‘Não que você esteja exatamente dentro do cosmos – o cosmos é que está exatamente dentro de você’ (Baba).

      ‘A busca é provocada pela ânsia de felicidade do homem e de sua procura de um meio de escapar da armadilha que é a vida.
Não é sua culpa se ele supõe que a solução para a sua profunda insatisfação reside numa vida sensual ou nas realizações profissionais ou do mundo social, ou ainda em uma vida de experiências excitantes. Tampouco é culpa sua se a vida, em geral, não é bastante longa para ensinar-lhe, concretamente, que ele encontraria uma desilusão ainda maior e mais profunda se esses objetivos fossem satisfeitos por completo.
O homem é impelido a essa busca pela desilusão (desencanto) com as coisas mundanas que o fascinam e das quais não consegue afastar o pensamento. Empenha-se o quanto pode em alcançar os prazeres dos sentidos e em evitar todos os tipos de sofrimento.
      Mas, enquanto ele atravessa dias, meses e anos das mais variadas experiências, surge, com freqüência, uma ocasião em que ele começa a questionar: ‘Qual a finalidade de tudo isso?’ E, incapaz de se contentar com as coisas transitórias da vida, questionando, ele se torna totalmente cético em relação aos valores habituais que até então aceitava sem hesitação.
E, nesse desespero, o homem toma a decisão de descobrir e compreender o propósito da vida. É então que ele principia a verdadeira busca, a busca dos prazeres duradouros (Baba).

      ‘Aqui está você, sentado nesta sala, me ouvindo e pensando que sua presença aqui é real. Mas eu lhe garanto, você está apenas sonhando. Suponha que esta noite você sonhe que está sentado aqui e, no sonho, alguém lhe diga que você está apenas sonhando. Você retrucará: ‘Não estou sonhando; estou realmente tendo a experiência de estar sentado aqui, ouvindo a palestra de Baba com todas as pessoas que me cercam!’ Mas, pela manhã você acorda e vê, então, que tudo foi um sonho. Pois, lhe afirmo, um dia também você ‘acordará’ e terá certeza de que tudo o que você sempre fez não passou de um sonho. Eu sou Deus, assim como cada um de vocês também é Deus. Mas, enquanto eu já acordei, vocês continuam ainda dormindo e enredados em seus sonhos. Despertar do sonho da separatividade e da limitação auto-imposta é o caminho místico, da libertação, do encontro com Deus’. (Baba).

      ‘Existe uma só pergunta: ‘Quem sou eu?’ e, para essa pergunta só existe uma resposta: ‘Eu sou Deus!’ E quando você conhecer a resposta a essa pergunta, não há mais nada a perguntar (‘...a verdade vos libertará’). O problema é que as pessoas não sabem quem realmente são. Você é o infinito, você está de fato em toda parte; mas você acha que é o corpo, os sentidos, a memória e, por isso, se acha limitado. Se você olhar para dentro de seu íntimo e vivenciar sua própria alma em sua verdadeira natureza, você  perceberá que é infinito e eterno e que está além de toda criação’ (Baba).

‘Finda a busca, todas as dificuldades são ofuscadas pela recompensa final. Os grilhões da individualidade limitada se rompem; o mundo das sombras (ignorância) chega ao fim; o véu da ilusão (ego) é removido para sempre. A agitação e a angústia torturante das buscas da consciência limitada (do ego) são substituídas pela tranqüilidade e beatitude da consciência ilimitada da Verdade. A inquietação, o frenesi e o sofrimento da existência mundana são tragados pela paz da bem-aventurança e da eternidade’ (Baba) (Buda: ‘A iluminação é o fim de todo sofrimento’).

      ‘A experiência espiritual (mística) vai muito além do q pode ser apreendido pelo intelecto, imaginação, raciocínio, pensamento. O misticismo costuma ser considerado como algo antiintelectual, obscuro e confuso e até patologia ou impraticável e sem relação com a experiência, mas, na verdade, nada tem a ver com essas idéias. Nada existe de irracional no misticismo verdadeiro, quando ele é como deve ser: uma visão ou comunhão com a Realidade. É uma visão absolutamente clara, e tão prática que pode ser vivida em cada momento da vida e expressar-se em todas as tarefas do dia-a-dia. Ele é a compreensão final de todas as experiências’ (Baba).

      ‘Para a busca não é necessário ter um mapa completo do caminho para iniciar a viagem. Ao contrário, a insistência em ter esse conhecimento completo pode dificultar em vez de facilitar o caminho. Os segredos mais escondidos são revelados àqueles que correm riscos e fazem experiências ousadas com ele. Não se destinam ao ocioso que busca garantias a cada passo. Quem especula, na praia, sobre o oceano conhece apenas sua superfície, mas quem deseja conhecer suas profundezas precisa estar disposto a mergulhar nele’ (Baba).
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      ILUMINAÇÃO 2 – Outros testemunhos

      Sri Aurobindo: Foi caminhando no pátio da prisão onde, por ter sido, por engano, confundido com um terrorista, esteve por certo tempo, que ele sentiu uma mudança de consciência: ‘Contemplei a prisão que me separava dos homens, e já não estava aprisionado por seus altos muros: era Vasudeva (Deus) que me cercava. Caminhei sob os ramos da árvore diante de minha cela, mas ela já não era mais a árvore. Eu sabia que era Krishna (Deus) que eu via ali, estendendo-me sua sombra. Olhei para a grade de minha cela e novamente vi que a grade era Deus. Era Deus que me guardava na figura da sentinela. Deitei sobre os cobertores ordinários q me serviam de cama e senti que me aconchegava nos braços de Deus. Olhei para os prisioneiros, os assassinos de todas as espécies e vi que era Deus que eu encontrava naquelas almas entristecidas e naqueles corpos maltratados. Quando fui a julgamento, com cerca de 200 testemunhas, já não via a turba hostil nem os juízes, mas eu não os via senão como Vasudeva, risonho. Tudo era Deus, que se tornou o próprio mundo.
Assim dizem os Upanishades: ‘Ele está em todas as coisas e comanda todos os atos (Paulo: ‘É o Senhor q opera em nós o pensar, o querer e o fazer’). Ele se tornou conhecimento e ignorância, verdade e falsidade, bem e mal. Ele se tornou tudo que existe. Para o olho que ‘vê’, tudo é Um, tudo é Vasudeva’.

      ‘Este mundo em que vivemos é um mundo de luta e labor, um mundo feroz, perigoso, destrutivo, devorador, no qual, a cada passo, queiramos ou não, algo é esmagado e destruído; no qual cada sopro de vida é também um sopro de morte. Colocar a responsabilidade de tudo que nos parece mau ou terrível nos ombros de um demônio semi-impotente, ou deixá-la de lado, como sendo parte da natureza, criando uma oposição intransponível entre a natureza do mundo e a natureza de Deus, como se a natureza fosse independente de Deus, ou ainda lançar a responsabilidade sobre os homens e seus pecados, como se o homem tivesse voz ativa na criação deste mundo ou pudesse criar algo contra a vontade de Deus, tudo isso constitui estratagemas, artifícios cômodos... Erigimos, criamos, imaginamos um Deus de amor e misericórdia, justo, probo e virtuoso de acordo com as nossas concepções morais de justiça, virtude e retidão e, a todo o resto dizemos ‘Não é Ele’ ou ‘Não é dele’, ‘não foi Deus quem fez isso’ etc., mas que foi criado por um ser diabólico a quem, por um motivo qualquer, Ele permite cumprir sua vontade perversa e funesta; ou então foi culpa do homem egoísta e pecador, que estragou, pelo mau uso de seu livre-arbítrio, aquilo que foi criado originalmente perfeito. Temos de encarar corajosamente a realidade e perceber que foi Deus, e ninguém mais, que criou este mundo em seu próprio ser (Paulo: ‘Em Deus vivemos e respiramos; Ele está acima e abaixo, à frente e atrás, à direita e à esquerda, fora e dentro de nós’) e o fez como ele é. Temos que ver que a Natureza devorando seus filhos, o Tempo consumindo as vidas das criaturas, a Morte universal e inelutável e as violências no homem e na natureza são também o supremo Ser Divino em uma de suas representações cósmicas. Temos também de perceber que o Deus generoso, amoroso, o criador e conservador prestimoso, forte e benévolo é também o Deus devorador e destruidor. O sofrimento, a dor e o mal com que somos torturados é também seu toque tanto quanto a felicidade, a suavidade e o prazer. Só quando vemos com a visão de completa união e sentimos essa verdade no âmago de nosso ser é que podemos descobrir totalmente, por trás dessa máscara, o rosto sereno e formoso da Divindade bem-aventurada. 
      As discórdias do mundo são as discórdias de Deus, são a vontade de Deus, e só aceitando-as e superando-as podemos ascender à concórdia maior de sua suprema harmonia, à vastidão, à imensidade transcendente. Porque a Verdade é o alicerce da verdadeira espiritualidade e coragem da alma’ (Aurobindo).

      ‘Tu és Ele’, eis a verdade eterna. ‘Tu és Isto’, ‘Eu sou Aquilo’, ‘Eu sou Ele’, ‘Não conheço nenhum Deus senão meu próprio Eu’, ‘Conhece-te a ti mesmo e serás Deus’, eis as verdades que todos os antigos mistérios ensinavam e que, as religiões q vieram depois, se esqueceram de ensinar. Assim, também, ‘Eu e o Pai somos Um’.

      Jesus, o Cristo, também não disse ‘Este é meu corpo e este é meu sangue’ escolhendo esses dois símbolos mais materiais, mais triviais e terrenos do pão e do vinho para comunicar a idéia de que tudo é um corpo só, o corpo do divino? (Aurobindo).

      ‘Quando Isto é conhecido, Tudo é conhecido’ (Upanishades).

      Roger N. Walsh: ‘O grande psicólogo Gordon Alportt lamentava-se: ‘Nada temos na psicologia acerca da libertação’. Ele lastimava o fato de a psicologia clinica e a psiquiatria ocidentais serem essencialmente voltadas para a patologia e terem poucos conhecimentos da saúde psicológica e, muito menos, da ‘iluminação’. Esses temas são bastante mal compreendidos. Muitos profissionais da saúde mental ainda consideram fenômenos como a maturação psicológica além das normas culturais, as experiências místicas e a iluminação como lendas na melhor das hipóteses, e patológicas, na pior ‘regressão psicológica no caso mais extremo, como descreve um conhecido tratado de psicologia.

      ‘Prazer e dor, louvor e censura, fama e vergonha, perda e ganho, mal e bem, são a mesma coisa. Assim eu e você’ (Buda).

      ‘Todos os Budas e todos os seres sencientes nada mais são do que Mente Universal. Acima e abaixo, fora e dentro de você, tudo existe espontaneamente, pois nada existe fora da Mente Buda’ (Zen).

      ‘Vê esse sereno homem do Tão, que abandona o aprendizado e não se empenha? Ele nem evita falsos pensamentos, nem busca a verdade, pois, na verdade, o ‘desconhecimento’ é a natureza búdica, e este corpo ilusório e mutável é o corpo da Verdade’ (Zen).

      O poeta americano Walt Whitman é um daqueles que tiveram vislumbres dessa experiência, daquilo que chamamos iluminação ou consciência cósmica. Ele, como outros que tiveram a mesma experiência, afirmou que ninguém conhece a verdade pelo fato de freqüentar templos e cultos, nem por ouvir sermões que emocionam, nem por pedir aos céus, ou por orar; nem por promessas ou por praticar as virtudes pregadas pelas diferentes igrejas e crenças, ou por sacrifícios.
     Como os místicos e os iluminados, ele afirma que, somente na solidão, no silêncio do “eu”, na perseverança da busca, é que nós podemos encontrar aquilo que é sagrado. E, depois disso, vamos perceber que sermões, escrituras, sacrifícios, rituais, cultos, orações, promessas, isto é, exterioridades, não têm qualquer valor; desaparecem como fumaça.
      E afirmou, também, que: “Enquanto estamos na escuridão, não compreendemos as escrituras; quando chegamos à luz, elas não são mais necessárias”.

      Pascal, conhecido matemático, cientista e escritor francês:
     A partir de certo dia, ele se afastou da sociedade e se tornou recluso em sua própria casa (como Jesus, nas chamadas tentações, no deserto; Paulo, que foi viver entre tecelões, depois de sua visão na estrada de Damasco, e outros que, depois da experiência, se retiraram para, na solidão, tentar compreender o que lhes havia ocorrido).
     Depois de certo tempo, Pascal recomeçou a escrever, mas suas obras, agora, tinham um caráter mais elevado, diferente das anteriores. Sua compreensão de vida e de mundo tinha se modificado de maneira drástica. Quando morreu, um criado encontrou, costurado com cuidado dentro da bainha de seu gibão (túnica), um pergaminho onde estavam escritas as seguintes palavras:
     “Ano da graça de 1654, segunda-feira, 23 de novembro... desde cerca das dez e meia da noite até meia-noite e meia... FOGO, FOGO... transfiguração... Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacob... Certeza, alegria, certeza, sentimento de alegria e paz... Deus de Jesus Cristo, meu Deus e teu Deus... Esqueci-me do mundo e de tudo, exceto de Deus. Ele só é encontrado nos caminhos dos Evangelhos... a GRANDEZA DA ALMA HUMANA... agora vejo que ela é o próprio Deus. Pai justo, o mundo não te conhece, mas eu te conheci. Alegria, alegria, alegria, lágrimas de alegria! Eu não me separarei jamais de ti... Meu Deus, esta é a vida eterna que se ganha depois de te conhecer, o único Deus verdadeiro, e aquele que tu enviaste - o Cristo; com ele, tudo é Um... Renúncia total e doce... submissão total a Cristo... eternamente em alegria por um momento de aprendizado sobre a terra... jamais esquecerei o que hoje me ensinaste... Amém”.
     Esse pergaminho existe até hoje. Recebeu o nome de “amuleto místico de Pascal” e está na Biblioteca Nacional, em Paris.

      Edward Carpenter: ‘... Acabados todos os sofrimentos, acabadas todas as penas... abriu-se dentro de mim um profundo oceano de felicidade... todas as coisas foram transfiguradas, cantando felicidade sem fim... Naquele dia, no dia da tua libertação, ela virá a ti em lugar que desconheces, sem que saibas em que tempo (como na parábola do ladrão)... tu, então, estarás livre para sempre... (“... a verdade vos libertará”); deixa que a felicidade te invada... a morte já não te separará daqueles a quem amas... o mundo da igualdade... da felicidade total...’.
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