(32) A ENERGIA DO AMOR (Krishnamurti) (muita atenção)
Vamos falar sobre a meditação e a verdadeira beleza. A beleza é um sentimento do belo, sentimento inacessível aos sentidos, não provocado pelas coisas feitas pelo homem ou pela natureza. Ela transcende tudo isso; e para fazermos a investigação dessa beleza – que não é meramente subjetiva ou objetiva – temos de atingir o percebimento imenso que se alcança por meio da meditação. A meditação, a mente meditativa é um requisito essencial, e já vimos que a mente meditativa é aquela que questiona e investiga (que não tem preconceitos), que percorre todo o processo do pensamento e é capaz de ultrapassar-lhe as limitações.
Talvez, para alguns, seja dificílimo meditar e muitos nem pensaram, ainda, nisso. Mas quem examina atentamente a questão da meditação – que não é auto-hipnotismo, nem imaginação, nem evocação de visões, e outras infantilidades que tais – alcança, invariavelmente, aquele mesmo sentimento, aquela mesma intensidade própria da mente que percebe o belo sem ‘provocação’. E a mente que está em silêncio (sem operar), naquele estado de intensidade, descobre um estado novo, antes desconhecido, que não é limitado nem pelo tempo, nem pelo espaço.
Desejo falar, hoje, sobre o significado da mente religiosa. Estamos a fazer juntos, em comunhão, esta jornada. Portanto, por favor, não me escutem com preconceitos, parcialidades, preferências ou ‘despreferências’, pois vocês estão escutando para que possam descobrir, por vocês mesmos, o que é verdadeiro. E para se descobrir o que é verdadeiro, quando se está emaranhado em tantas coisas falsas (ou q supomos verdadeiras, opiniões suas ou de outrem, crenças, religiões, culturas, costumes, ilusões), pensamentos superficiais, esperanças e desesperanças, cumpre não aceitar, de modo algum, nada do que está dizendo o orador. O que é preciso é questionar, investigar, explorar (mas sem julgar, sem comparar) e isso requer uma mente livre e não a mera reação de uma mente tolhida por preconceitos e opiniões; necessita-se de uma mente verdadeiramente livre, quer dizer, não ancorada, não presa ou dependente de determinada crença, autoridade, dogma ou experiência, ou modo de pensar; uma mente capaz de seguir um fato (até suas raízes, até as últimas conseqüências), com muita clareza e precisão; para isso, a mente tem de ser muito sutil.
Um fato nunca é estático; está sempre em movimento – seja um fato que observamos em nós mesmos, seja um fato que observamos fora de nós, objetivo, portanto. A observação de um fato exige uma mente capaz, precisa, lógica e, sobretudo, livre para seguir (livre de preconceitos, crenças, dogmas, superstições, mestres, opiniões, culturas, costumes: nada de que ela dependa ou de q venha a depender).
Parece que no mundo atual, com tanta confusão, aflição e agitação, são necessárias a mente cientifica e a mente religiosa. Estes dois são os únicos estados mentais reais, pois não é real o estado da mente que crê, da mente condicionada, quer pelo dogma do cristianismo ou de outra qualquer crença ou religião ou qualquer outra coisa. Afinal, temos problemas imensos e a vida tornou-se muito complexa. Talvez, exteriormente, haja um sentimento muito maior de segurança, o sentimento de que talvez não tenhamos guerras atômicas no futuro, dado o terror que inspiram. Ou sentimos (ou supomos) que, embora possa haver guerra, não será em nosso país, ou não nos afetará profundamente e, assim, podemos sentir-nos mais seguros física e emocionalmente. Mas a mente que busca segurança (nas situações externas ou internas) se torna embotada, medíocre; e, em tais condições, ela é incapaz de resolver seus próprios problemas.
Para vivermos neste mundo - com suas rotinas, seu tédio, a existência superficial da classe média, superior ou inferior – e resolvermos nossos problemas, ultrapassá-los, penetrar profundamente em nós mesmos, só há dois caminhos: o cientifico e o religioso. O caminho religioso inclui o cientifico, mas este não inclui aquele. Necessitamos do espírito cientifico uma vez que só este é capaz de examinar rigorosamente todas as causas da miséria humana; o espírito científico pode promover a paz mundial, objetivamente – alimentar a humanidade, dar-lhe casas e roupas etc; não apenas a estes ou àqueles, mas a todo o mundo. Não se pode viver na prosperidade (e na satisfação) numa extremidade da terra, enquanto na outra extremidade existe degradação, doença, fome e esqualidez (insatisfação). Talvez a maioria de vocês ignore isso, mas todos devem sabê-lo. Para se resolverem todos esses imensos problemas, perceber toda a estupidez do nacionalismo, dos conchavos políticos, do inveja, da ambição, da avidez do poder, da violência, do ódio, necessita-se de espírito científico. Mas, infelizmente, como se vê, o espírito científico está agora mais interessado em viagens à Lua ou mais além, ou em aumentar nossos confortos com geladeiras melhores, carros melhores etc. Isso, de modo geral, está certo, mas é um ponto de vista muito limitado.
Espírito científico é o espírito de investigação, nunca satisfeito com seus achados, sempre variável, nunca estático. Foi esse espírito que criou o mundo industrial, mas esse mundo, sem revolução individual interior, produz uma maneira de viver completamente medíocre. Sem essa revolução, todas as glórias e belezas da chamada vida intelectual, só tornam a mente mais embotada, estúpida, mais contentada, satisfeita, segura (ilusoriamente).
O progresso em certos sentidos é essencial, mas também destrói a liberdade. Vocês já notaram que, quanto mais temos, tanto menos somos livres? E, por isso, os religiosos do Oriente têm dito: ‘Renunciemos às coisas materiais, pois não importam. Busquemos a outra coisa’, mas eles também não encontraram essa ‘outra coisa’. Sabemos pois, mais ou menos, o que é espírito científico, o espírito que existe no laboratório. Não me refiro ao cientista como indivíduo; este provavelmente é igual a nós, entediado da existência de cada dia, avarento, ávido de poder, posição, prestígio.
Muito mais difícil é averiguar o espírito religioso. Como proceder quando se deseja descobrir algo verdadeiro? Queremos saber o que é espírito religioso; não esse estranho espírito que prevalece nas religiões organizadas, porém o genuíno espírito religioso.
Só se começa a descobrir o verdadeiro espírito religioso por meio do pensar negativo, porquanto, para mim, o pensar negativo é o pensamento em sua forma mais elevada (que nega tudo e só dá valor ao fato; que questiona, não crê, não aceita simplesmente a opinião dos outros, seja do sacerdote, das escrituras etc). Entendo por pensamento negativo aquele que despreza, que rompe e destroça todas as coisas falsas construídas pelo homem (opiniões, crenças, religiões, costumes, regras sociais etc.) para sua própria segurança, seu sossego interior; que destroça todas as defesas e o mecanismo de pensamento que constrói essas defesas. É preciso destroçar tudo isso, ultrapassá-lo rapidamente, para ver se existe algo além. E o ultrapassar as coisas falsas não é uma reação ao que existe. Para descobrirmos o que é espírito religioso e dele nos aproximarmos negativamente, precisamos saber no que cremos e porque cremos, porque aceitamos todos os inumeráveis condicionamentos que as religiões organizadas, do mundo inteiro, impõem à mente humana. Por que cremos em Deus? Por que não cremos em Deus? Por que aceitamos tantos dogmas, crenças, regras, ensinamentos, religiões etc. sem questionar?
Vocês dirão, talvez, se ultrapassarmos todas essas estruturas chamadas positivas, atrás das quais a mente se abriga, ultrapassá-las sem desejar encontrar algo mais, nada mais restará senão desespero. Mas eu acho que temos de passar também pelo desespero. Só existe desespero quando há esperança, a esperança de nos pormos em segurança, permanentemente confortados, perpetuamente medíocres, perenemente felizes. Para a maioria de nós o desespero é reação à esperança. Mas, para se descobrir o que é espírito religioso, essa investigação deve se realizar sem nenhuma provocação nossa, nenhuma reação (em passividade total, portanto). Se sua busca é apenas uma reação – porque você deseja mais segurança interior – nesse caso ela visa apenas a um conforto maior, seja numa crença, numa idéia, seja no conhecimento ou na experiência. E tal modo de pensar, nascido da reação, só pode produzir mais reação e, por conseguinte, não oferece libertação do processo de reação que impede o descobrimento.
Há uma maneira negativa de proceder e isso significa que a mente deve se tornar consciente do condicionamento (dela própria) imposto pela sociedade em relação à moralidade; consciente das inumeráveis sanções (e crenças) impostas pelas religiões; e consciente, também, de como, rejeitando com esforço essas imposições exteriores, a mente cria e cultiva certas resistências internas, conscientes e inconscientes, baseadas na experiência, no conhecimento, e que se tornam fatores diretores de nossas vidas e experiências posteriores.
Assim, para descobrir o que é o verdadeiro espírito religioso, a mente deve estar num estado de revolução. Estado de revolução significa a destruição de todas as coisas falsas que lhe foram impostas, seja por pressão externa, seja por ela própria, pois a mente está sempre em busca de segurança. (Revolução, pois que a mente limitada (e seu condicionamento) foi ou está sendo, revolucionada totalmente, desfeita, destruída).
O espírito religioso encerra um constante estado mental que nunca constrói para sua própria segurança. Por que, se a mente constrói com essa ânsia de segurança, ela fica vivendo atrás de seus próprios muros, dependente do que construiu e não livre, ainda dentro da esfera limitada dela própria e, portanto, incapaz de descobrir algo novo.
Por conseguinte a morte, a destruição do velho, é necessária: destruição da tradição, libertação total do que foi, do passado, abandono das coisas acumuladas como memória através dos séculos. Vocês dirão, então: ‘O que mais resta? Tudo que sou é constituído por esse conjunto de fatos, essa historia, experiência; se tudo isso desaparece, se apaga, o que resta?’. Em primeiro lugar, pode-se apagar tudo isso? Podemos falar a esse respeito, mas é possível apagá-lo? E eu digo que é possível, mas não por influência (da própria mente) ou coerção, vontade ou esforço, pois isso é insensatez, infantil, falta de madureza. Mas é possível se penetrarmos tudo isso profundamente, afastando de nós toda autoridade (dos mestres, sacerdotes, professores, cientistas, imprensa, cultura, crença, escrituras etc). E esse ‘limpar da lousa’ – que significa morrer todos os dias e de momento em momento, para as coisas acumuladas – requer abundante energia e profundo discernimento; portanto a destruição do velho, do conhecido faz parte do espírito religioso.
Outra parte do espírito religioso é o espírito-força, que inclui a ternura e o amor. Estou me expressando por meio de palavras, mas tenham a bondade de não se contentarem, apenas, com palavras (procurem sentir o que digo, profundamente, em vocês mesmos). Eu disse que outra parte do espírito religioso é a força proveniente do amor. E, com a palavra força, quero me referir a algo completamente diferente do impulso para ser poderoso, do desejo de dominação ou controle; do poder que a abstinência confere; ou do poder de uma mente sagaz, cheia de ambição, avidez, inveja, ávida de perfeição. Esse poder é maligno. O domínio de uma pessoa sobre outra, o poder do político, o poder de influenciar outros para pensarem de certa maneira, seja exercido pelos políticos, pelas igrejas, pelos sacerdotes ou pela imprensa, esse poder é extremamente nocivo. Estou me referindo a coisa muito diferente, sob todos os aspectos, sem nenhuma relação com poder dominador. Existe essa força, esse poder, que não é interior nem exterior, nem produzido por nossa vontade ou desejo. Nesse poder reside aquela coisa extraordinária que é o amor; e este faz parte do espírito religioso.
O amor não é sensual; nenhuma relação tem com a emoção; não é reação ao medo; não é o amor materno, conjugal etc. (é amor total, sem razões, incondicional, sem limites).
Sigam bem isso, penetrem-no, sem nada aceitar, nem rejeitar. Talvez vocês digam: ‘Um tal amor, um tal estado mental não baseado na lembrança, é impossível’ Mas ele pode ser encontrado. Encontramo-lo ao investigarmos, no seu todo e profundamente, o processo do pensamento, as peculiaridades da mente. É um poder existente por si só; é energia não causada. Difere inteiramente da energia gerada pelo ‘eu’ (força de vontade, determinação) em sua ânsia de alcançar as coisas que deseja. Essa energia existe, mas só é encontrada pela mente não vinculada ao tempo e ao espaço e a nenhuma outra coisa; mente totalmente, absolutamente livre. Essa energia nasce quando o pensamento – como experiência, conhecimento, memória, como ego, centro – o eu – gerador de sua própria energia, volição e concomitantes pesares, aflições etc. – cessa, se dissolve (e só se dissolve quando a mente se liberta). Dissipado esse centro, manifesta-se aquela energia, aquela força que é amor.
E há, também, outra camada da mente religiosa que é o movimento - movimento não dividido em exterior nem interior. Conhecemos o movimento exterior (objetivo, referente a tudo que percebemos com nossos sentidos); desse movimento resulta uma reação que chamamos movimento interior, um afastamento do exterior, renúncia ao exterior, ou, também, aceitação dele como inevitável, resistência a ele pelo cultivo de uma reação de movimento interior, com suas experiências, crenças etc. Existe o movimento para o exterior, o impulso para fora – ser ambicioso, ávido, determinado etc.; e quando esse movimento falha, nos voltamos para o interior (procurando encontra ali forças que nos consolem, nos protejam do movimento exterior).
Não se busca a verdade quando a mente é feliz. Quando a mente se acha contentada, satisfeita, deleitada, tamanha é sua vitalidade que não precisa murmurar sequer o nome de Deus. Só quando nos sentimos infelizes, quando as coisas exteriores falham, quando não temos êxito, quando temos desgosto, perdas importantes, quando há morte, ou risco de morte, conflito etc., só então nos voltamos para o interior. Nunca recorremos à religião quando somos jovens, porque, então, nossas glândulas estão funcionando a toda velocidade. Encontramos satisfação no sexo, na posição, no prestígio, no dinheiro, na fama, no êxito etc. Quando essas coisas começam a falhar, só então nos voltamos para o interior; ou, se ainda somos jovens, nos tornamos beatniks (existencialistas, anti-conformistas, rebeldes à ordem social vigente). Tudo isso é reação. Mas revolução não é reação.
Se se percebe com toda a clareza a verdade contida em tudo isso, ocorre, então, um movimento que é tanto interior como exterior; não há divisão. É um movimento que consiste em ver as coisas exteriores precisa, clara e objetivamente, tais como são (sem interpretação, sem preferências, sem parcialidade, sem julgamento, sem memória de outras coisas); e esse mesmo movimento se verifica também interiormente, não mais como reação, porém como o movimento dos ventos, das nuvens, das marés, o fluxo e o refluxo das mesmas águas, um movimento natural, sem esforço. O movimento para fora significa ter olhos, os sentidos, todo nosso ser, abertos, vivos (atenção). E o movimento para dentro é o fechar os olhos – emprego esta expressão como meio de comunicação, mas ninguém precisa ficar de olhos fechados. O movimento para dentro é a visão interior. Depois de compreender o exterior, os olhos se voltam para dentro, mas não como reação. E a visão interior, a compreensão interior significa quietude e tranqüilidade completas; porque nada mais há para buscar, para compreender.
Esse estado interior é criação. Ele nada tem em comum com o poder humano do artista ou do cientista de inventar, de produzir coisas etc. Esse estado de criação só se manifesta quando a mente compreendeu a destruição, a morte. E só quando a mente vive nesse estado de energia, que é amor, só então há criação.
Agora, a parte não é o todo. Temos descrito as partes, mas os raios de uma roda não são a roda, embora a roda contenha os raios. Não podemos alcançar o todo por meio de uma parte. O todo só pode ser compreendido ao se perceber o todo em sua inteireza; neste caso, tudo o que estivemos falando sobre as várias partes da mente religiosa. Ao terem esse percebimento total, verão que nesse sentimento total está incluída a morte, a destruição, o sentimento de força pelo amor, e a criação. E isso é a mente religiosa. Mas para alcançar esse estado religioso, a mente deve ser precisa, pensar com clareza, logicamente, nunca aceitando as coisas externas, ou as internas que para si mesma criou (conhecimento, experiência, opinião, crenças, etc.).
Portanto, a mente religiosa encerra em si a mente científica; mas a mente científica não encerra a religiosa. O mundo vem tentando controlar as duas, mas isso é impossível; assim sendo, tratam de condicionar o homem para aceitar a separação (a negação da religião pela ciência). Mas estamos tentando uma jornada de descobrimento, e isso significa que você tem de descobrir. Apenas aceitar o que estou dizendo, não tem valor algum, pois, assim você estará voltando à velha rotina, à escravidão à propaganda, à influência ou dependência àqueles que você julga que sabem mais do que você etc.
Mas, se você empreendeu bem a jornada e é capaz de descobrir, verá que pode viver neste mundo; então, as agitações deste mundo têm significação (percebe-se a razão de tudo?). Porque, neste conteúdo total, neste sentimento total, há ordem e há desordem. Não é assim? É preciso destruir (causar desordem) para criar (construir a ordem). Mas não a destruição à maneira dos pseudo-idealistas. A desordem, se podemos empregar essa palavra, existente na mente religiosa, não é o contrário da ordem. Sabeis como gostamos da ordem. Quanto mais limitados e medíocres, tanto mais amamos a ordem. A sociedade quanto mais corrupta se torna, mais deseja a ordem. É o que querem os políticos: um mundo em perfeita ordem. Todos nós desejamos a mesma coisa; temos medo da desordem. Compreendam, por favor, que não estou advogando um mundo em desordem; não estou empregando a palavra ‘desordem’ em sentido reacionário. A criação também é desordem (desordem que se transforma em ordem); mas essa desordem, sendo criadora, contém a ordem. Isto é difícil de compreender?
A mente religiosa, pois, não é escrava do tempo. Onde existe o tempo – o ontem com todas suas lembranças, movendo-se através do hoje e criando, assim, o futuro e o condicionamento da mente – não existe aquela desordem criadora. A mente religiosa, portanto, é uma mente que não tem futuro, não tem passado e tampouco não está vivendo no presente, compreendido como oposto de ontem e de amanhã, por que nessa mente não está contido o tempo (apenas a eternidade). Você está entendendo?
A mente, pois, pode alcançar aquele estado religioso. Estou usando a palavra ‘religioso’ com um novo sentido, indicando algo que não tem nada a ver com as religiões do mundo, todas elas mortas, moribundas, decadentes, que julgamos sejam verdades absolutas. Assim, a mente religiosa é aquela que só pode ‘viver com a morte’ (em todos os instantes) e, daí viver com a poderosa e extraordinária energia do amor. Não procurem traduzir isto em palavras comuns. Não façam perguntas sobre o ‘amar um’ ou ‘amar todos’; isso é infantil; respostas não dão a percepção do todo. Só a mente religiosa pode voltar-se para dentro; e esse ‘voltar-se para dentro’ não está em relação com o tempo e o espaço. É ilimitado, infinito, e não pode ser medido por uma mente aprisionada no tempo. Só a mente religiosa resolverá nossos problemas porque só ela não tem problemas. E só a mente que não tem problemas, uma mente realmente religiosa, pode resolver todos os problemas. Essa mente, por conseguinte, está em relação íntima com a sociedade (se importa com a sociedade); mas a sociedade não está em relação com ela (‘a sabedoria de Deus é loucura para os homens’).
Assim, nesse sentido da palavra ‘religioso’, é necessária uma revolução em cada um de nós – uma revolução total e não parcial. Toda reação é parcial. Mas, essa revolução deve ser total. E só essa mente pode ter intimidade com a Verdade, só essa mente pode ter ‘amizade’ com Deus, ou o nome que você preferir. Só essa mente pode participar da Realidade.
Aparte: A mente mesma cria a ordem e a desordem?
K.: Parece que você não fez a jornada conosco. Deve haver morte para que algo novo possa existir. Palavras, frases, a formulação intelectual de perguntas – nada disso tem relação com aquilo que falamos (temos de ‘sentir’, mas sentir isso profundamente dentro de nós). Como vocês sabem, quando se vê algo verdadeiramente belo, imenso – as montanhas, os rios, o mar – a mente se torna silenciosa, não é verdade? A beleza, do que se está vendo, varre-nos da mente toda indagação, todo sentimentalismo, todo sussurro de pensamento. Naquele segundo tudo isso é varrido da mente, porque a coisa que se vê é sumamente grande. Mas se esse varrer é efetuado por algo externo a você, nesse caso é uma reação, e você voltará, posteriormente, às suas lembranças. Porém, se você, realmente empreendeu essa jornada (de ‘sentir profundamente’) sua mente se acha então naquele estado em que não faz perguntas, em que não tem problemas. A mente que está a morrer, que está morta tem problemas; mas não os tem a mente ativa, viva, fluente como um rio, intensa.
Aparte: É possível a uma pessoa religiosa atuar sobre a sociedade como ela aí está? Contra todos os outros que estão atuando de maneira diferente?
K.: Que valor tem isso para a sociedade? Que vantagem há em uns poucos, um ou dois alcançarem aquele estado? Que é a sociedade e o que ela deseja? Ela deseja posição, prestigio, dinheiro, sexualidade; sua própria estrutura se baseia na aquisição, na competição, no êxito. Se dissermos algo contra tudo isso, eles não nos ouvirão; não podemos evitar isso. Se algumas das pessoas religiosas, sacerdotes etc. começassem a falar da necessidade de não ser ambicioso, de não se fazerem guerras, nem praticar violência, você pensa que terão seguidores? Ninguém lhes dará ouvidos. E estou certo de que você não dá ouvidos ao que se está dizendo aqui, (não dará ouvidos se você não fez aquele mergulho de penetrar profundamente no sentido do que se está dizendo aqui). Se não penetrar profundamente nisso, você continuará a trilhar o mesmo caminho anterior, o caminho da ambição, da frustração, segurança, das ilusões, que, na verdade, esse sim, é o caminho da morte. Você apenas levará daqui, umas ‘migalhas’ do que ouviu, para acrescentá-las ao que já sabe. Mas estamos falando de coisa inteiramente diferente, de coisa verdadeiramente extraordinária, pela sua beleza e profundidade. Mas, para a alcançar, para compreender, ‘viver com ela’, requer-se imenso trabalho – o trabalho de penetração a fim de esclarecer a mente consciente e inconsciente, e perceber o mundo que nos circunda. Ou você pode ver tudo num súbito clarão e eliminá-lo ou compreendê-lo de vez. Tanto uma coisa como outra requer extraordinária energia.
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