sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

RETIRE A MÁSCARA DO EGO E SINTA A BEM-AVENTURANÇA

TUDO INTERAGE NO UNIVERSO, TUDO É INTERLIGADO, TUDO É DE ACORDO COM A NATUREZA




Um amigo:

“... tudo no Universo interage o tempo todo e se movimenta para um equilíbrio e harmonia absoluta”.

Resp: essa interação é, também, a visão da ciência moderna: no universo nada é independente; todos os fenômenos estão interligados e uns dependem dos outros. Não existem blocos básicos, partes mais importantes ou fundamentais do que outras; todas têm a mesma importância. Já o budismo, de 600 anos antes de Jesus, dizia isso; talvez, por essa razão, Sidarta, o Buda, foi retratado (como se fosse em seguida à sua iluminação), com um colar de gemas no qual cada uma reflete o brilho de todas as outras.

Amigo:

“Também não foi confuso se pensarmos na lei da construção e desconstrução, observando a Natureza por exemplo, que nas suas diversas estações as folhas nascem, caem passam pelo período invernal e floresce de novo.

Resp: tudo é de acordo com a natureza; por isso quando um monge perguntou como se dá a evolução, ou o avançar no caminho, o mestre respondeu: “Olha as folhas caindo e o vento as levando”.

Amigo:

“Talvez o que queira dizer é que com o ser humano acontece a mesma coisa. O que passamos aqui são etapas ou estações até chegar a harmonia absoluta, ou seja, o homem já é perfeito em sua essência e todo o seu movimento de vida concorre para o estado de depuração e percepção de sua natureza divina. Nesse caso voltando ao que diz a DE no capítulo do porquê da necessidade das desigualdades entre os homens para seu aprendizado”.

Resp: o espírito/homem já é perfeito; logo, etapas não são necessárias; o necessário é calar o ego; assim, também, nenhuma necessidade de superarmos qualquer desigualdade, ou necessidade do aprendizado que elas podem nos proporcionar. Tudo isso está na deficiente compreensão do ego. Já somos “Aquilo”, que é perfeito.

Amigo:

“Na filosofia chinesa, uma representação do principio da dualidade de yin e yang, o conceito tem sua origem no Tao (ou Dao), da união dos opostos chega-se a completude. Você pode dizer então que o bem e o mal existem, para que essas duas forças façam com que o homem, ao reconhecer em sua natureza, encontre o caminho do meio (Buda), amando tanto a um quanto ao outro alcançando sua plenitude”.

Resp: lembre-se que no transcendental não há opostos; tudo é um. Yin e yang, bem e mal, caminho do meio só têm relação com o mundo do espaço-tempo. Todos os mestres ensinaram ou tentaram ensinar a compreender a vida (quando ainda sob o comando do ego), para minimizar os conflitos e dores, enfim, para uma melhor compreensão da vida e harmonia no relacionamento entre os homens. Calando-se o ego, cessam as ilusões e tem-se a plenitude, o amor incondicional, a sabedoria, o encontro com o que sempre fomos.

Amigo:

“Todo o problema está no desequilíbrio em negar a dor e ir cegamente só em busca do prazer origem do egoísmo acabando em erro novamente”.

Resp: esse é o problema causador ou da alegria ou da dor, no espaço tempo; enquanto tudo isso existe “aqui”, nada disso existe “lá”. Como dizem: “retire a máscara do ego e sinta a bem-aventurança”.

Um abraço.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

SÓ VÊM DE DEUS O QUE É BELO, AGRADÁVEL E INSPIRADOR?

E A FEIÚRA, O DESAGRADÁVEL, O QUE NOS ABATE, DE ONDE VÊM?

Perguntamos: Porque será que nos lembramos de Deus somente nas coisas interessantes e inteligentes, nas coisas agradáveis, belas, suaves, inspiradoras e que fazem bem ao coração, à imaginação e nos dão alívio e conforto e esperanças de um futuro mais feliz? O céu estrelado, o por do sol, a imensidão do mar, a cor e o perfume das flores, o sorriso da criança inocente, um ato de amor? Será que somente o que é belo, vem de Deus? E a feiúra, o desagradável, o que não nos conforta mas, ao contrário, nos abate e perturba, as epidemias, os cataclismos, terremotos, tsunamis, erupções e tempestades que destroem tudo o que o homem construiu, os animais ferozes, vorazes e peçonhentos, de onde vêm? As pragas e os temporais que destroem as plantações, o alimento do homem?


Não será interessante uma reflexão sobre isso?

Fiquem em Deus.

O CAMINHO DO MEIO - Uma visão do Budismo

O CAMINHO DO MEIO

Caminho do Meio é uma tradicional expressão budista que procura, de um modo sucinto, apontar o rumo àqueles que se propõem a dar seus primeiros passos em direção à sabedoria ou, pelo menos, ao alívio de seus conflitos.

É uma das imagens que brotam espontaneamente na alma sempre que ela é atormentada pelo Conflito dos Opostos, vale dizer, conflito de desejos ou necessidades que aparecem como absolutamente excludentes. É uma metáfora, uma das imagens recorrentes em todas as épocas e culturas sob as mais diversas formas e denominações, pois que representa um poderoso determinante da alma humana: o arquétipo da União (Conjunctio) especificamente a União de Opostos (Conjunctio Oppositorum, como diziam os alquimistas, em latim), a mais radical das uniões.

Digo a mais radical porque os opostos não se justapõem ou se mesclam simplesmente, como bananas num cacho ou tintas numa palheta de pintor, nem se deixam reduzir um ao outro por submissão violenta ou a golpes de raciocínios bem intencionados. Os opostos são o que são: opostos. Mas quando somos pegos pelo calor do embate que eles travam em nossa alma, imediatamente o arquétipo de União é ativado (tenhamos ou não consciência dele) lançando-nos à estranha aventura de reconciliar o irreconciliável. Tal aventura é inescapável pois que significa, se não a cura, ao menos alívio para intenso sofrimento.



O arquétipo ativado traz esperança de calma, ordem no caos, inspira nobres ideais, mostra agora um pouco de felicidade ou a promete para um futuro próximo, alimenta utopias, fascina, alenta, convida a alma a não desesperar-se, encoraja-a a prosseguir entre as dificuldades. No entanto, ele também se manifesta por dúvidas, inseguranças, culpas, remorsos, depressões, ansiedades, estresses, e que tais. E, também, por uma estranha teimosia que parece realimentar o processo de sofrimento. Mas não. É aquela aventura, também estranha, que exige as teimosias, obsessões, persistências, certezas, paranóias, manias, indiferenças, preconceitos, e outras coisas mais, para que nos mantenhamos no caminho e não percamos o rumo. Assim, talvez, possamos perceber algum sentido em meio a tanto sofrimento e... talvez, vislumbrar o alívio.

As margens de um caminho não são opostas por si mesmas, tornam-se opostas em função do ponto de vista do caminhante. O lado direito e o esquerdo são os do caminhante, não os do caminho. Vale dizer, os da alma do caminhante, que facilmente projeta neles suas tensões em conflito. E é bom que o faça, pois a metáfora do caminho traz consigo diagnósticos e esperanças de transformação.

Senão, vejamos: o lado direito e o esquerdo fazem às vezes de lados bom e mau, certo e errado, reto e torto, claro e escuro, consciente e inconsciente, esposa e amante, etc. No caminho se vai para frente ou para trás, se progride ou regride, há futuro e passado, se tem rumo ou se está perdido, ele está impedido ou desimpedido, os obstáculos são fáceis de serem transpostos ou muito difíceis, ele é perigoso ou nem tanto, se estamos só ou acompanhados, se nos ajudam ou não, se aguardamos a próxima curva, a próxima vila, ou se voltamos já. E será ainda possível o retorno? E a bifurcação? E a decisão numa encruzilhada? Muitas estórias... Espelhos onde a alma se reflita, se veja, reflita e se retoque.

Os opostos só existem na alma. Quando os lados direito e esquerdo de um caminho voltarem a ser apenas os lados direito e esquerdo de um caminho, então o caminhante estará em paz. E o arquétipo de União terá cumprido o seu desígnio.

(então não haverá mais nem lados, e logo, nem caminho...)

Caminho do Meio é uma expressão que sugere evitar os caminhos extremos, cuidado, consideração aos dois lados da questão, atenção. Isso lembra os gregos.

Os gregos antigos ensinavam a temperança, a prudência, o bom senso, a moderação, a modéstia como um estado de espírito calmo e são. Esta era uma virtude que se contrapunha à Hybris que significava o contrário: desmedida, excesso, orgulho, insolência, impetuosidade, desenfreio, ultraje, insulto, desespero... violência! Nada em excesso, recomendavam seus mestres, contando maravilhosas estórias de homens e heróis castigados pelos deuses por conta de seus excessos.

Observa-se um benefício simples e ancestral da arte de unir opostos (é uma arte!) contemplando, por exemplo, a tensão de um arco retesado prestes a lançar a sua flecha (criada pela aproximação das duas extremidades “opostas” da haste de madeira unidas por um cordel) e a perícia do atirador em acertar o seu alvo (nem para cima demais ou para baixo, nem demais para a direita ou a esquerda).

Outro exemplo ainda mais simples e mais ancestral ainda: o homem, a mulher, e seus filhos.

Observemos também os cuidados de afinação das cordas de um instrumento musical: não podem ser frouxas ou tensas demais. Esta foi exatamente a imagem que Buda usou ao tentar mostrar aos seus cinco ex-companheiros de rígido ascetismo que o corpo (e a mente) não deve ser agradado ou desagradado em excesso. É preciso encontrar o Caminho do Meio.

O caminho do Meio é conhecido na tradição budista como a Quarta Nobre Verdade, vejamos rapidamente as outras três:

A Primeira -- (nobre verdade sobre a dor) -- anuncia que todos os seres vivos sofrem. Sofrem quando nascem, sofrem quando envelhecem, sofrem quando adoecem, sofrem quando morrem. Sofrem quando não se unem àqueles que amam ou se unem àqueles que odeiam, e sofrem quando deles se separam. Sofrem quando não conseguem realizar os seus desejos. Sofremos, metidos todos que estamos numa realidade que se transforma incessantemente. Insatisfação sem fim. A impossibilidade do descanso garantido. Só a insegurança não passa: o meu mundo não permanece, o meu corpo não permanece, eu mesmo não permaneço.

A Segunda – (nobre verdade sobre a origem da dor) -- denuncia o desejo, a sede de existir, de viver, sede de prazer, sede de poder, como a causa de todo o sofrimento. Desejamos a permanência do nosso mundo, do nosso corpo e de nós mesmos. Desejamos não só a permanência como ampliá-la, protegê-la. Estamos apegados a umas tantas coisas que temos por essenciais ou agradáveis que lutamos todo o tempo para que elas não se vão. Mas elas se vão. Mais cedo ou mais tarde, e não se deixam conservar. O desejo se reproduz, vai de um a outro, e nos lança numa interminável corrente de dor: desejo de ser isto e de não ser aquilo, desejo de prazer e de não sofrer, de permanecer, não morrer. O desejo é a fonte de toda a ilusão, que por sua vez reforça o desejo, num ciclo vicioso infernal.

O desejo alimenta a noção ilusória de um “eu” permanente e substancial que é “quem” sofre. É o suporte da dor, e a ela dá continuidade.

O desejo se acende e arde nas duas paixões que se opõem: o amor e o ódio, e se alucina com a própria ilusão que produz! -- O amor, desejo ardente de união, representado no imaginário budista por um galo, ou uma pomba -- O ódio, desejo ardente de repulsão, representado por uma serpente. -- A ilusão, desejo ardente de não saber, ignorância, indiferença, preguiça, indiferenciação, inconsciência, indiscriminação, loucura, confusão, representada por um porco, é o desejo de dissipação, que de tão dissipado já, pode nem mais aparecer como desejo. Atração, Repulsão e Indiferença – dois caminhos opostos e um pseudo caminho do meio -- são os chamados Três Venenos, Os Três Males.

A sede de existir, de viver, que começa e continua em ilusão, engano e dor, recomeça incessantemente a sua sina através dos sucessivos ciclos de renascimentos.

A Terceira – (nobre verdade sobre a cessação da dor) -- prenuncia a libertação do sofrimento, o alívio da dor: se não nos apegarmos ao mundo, ao corpo e a nós mesmos, então não sofreremos jamais! Extinguindo o desejo faremos cessar a dor. Extinção do desejo, do apego, da sede de existir, do “eu”, do ciclo de renascimentos, da ilusão, enfim. Quando a chama se extingue, quando se foi o último alento, quando já não houver mais o sopro, ex- (nir) soprado, (vana) -- apagado de um sopro -- expirado (nirvana) estará o prazo da chama, do pavio, da vela. Extinguiu-se o incenso. Não há mais ações (karma) que exijam ter continuidade ou desejo de as ter.

Elimine-se a causa que desaparecerá o efeito. Lógico e simples, não é mesmo? Lógico e simples demais... Na prática, porém, muito provavelmente porque não somos Budas, seja talvez impossível andarmos assim tão desapegados pela existência a ponto de não sofrermos nem ao menos um tiquinho. Mas também não precisamos e nem devemos nos exigir tanto, pois seria um excesso, e paradoxalmente estaríamos alimentando um desejo, ficaríamos apegados a uma mera idéia, mesmo que ela seja uma idéia tão nobre. A vida concreta e cotidiana é, muitas vezes, mais generosa que a mente abstrata dos filósofos e sacerdotes em sua demanda das coisas absolutas. Se conseguirmos sofrer bem menos e esse sofrimento não nos afastar do caminho, já está muito bom.

Resumindo: Primeira Nobre Verdade – Todos os seres sofrem.

Segunda Nobre Verdade – A causa do sofrimento é o desejo

Terceira Nobre Verdade – A cessação do desejo faz cessar o sofrimento.

Quarta Nobre Verdade – O Caminho do Meio faz cessar o desejo.

Ao contrário da nossa compulsão de viver, de ser, de ter, do nosso medo e pânico a respeito da morte, o budismo propõe a extinção; não a teme, almeja-a. Mas essa extinção não é, simplesmente, a morte do corpo, que é uma das formas materiais e que é muito fácil de acontecer, mas também a morte da alma, como podemos entender a palavra sânscrita para nome, o que, para os budistas, é muito mais difícil de acontecer. s significa o conjunto das cinco sensações (vedana), provenientes dos cinco órgãos voltados para fora, ou instrumentos do exterior – olho, nariz, ouvido, língua, pele; as representações mentais dessas sensações, ou percepções; as conscientizações dessas percepções; e a assim chamada mente, considerada um sexto órgão de conscientização, voltado para dentro, ou instrumento do interior, formada pela atenção seletiva ou “intelecto”, a atividade do ego, o discernimento (buddhi). Em suma, características que configuram o que conhecemos por psique, alma.

A extinção do conjunto de nomes-e-formas, a unidade psicossomática, alma-e-corpo, se dá ao longo de um caminho que pode durar muitas vidas, tantas quantas forem necessárias até que o não-saber (avidya), a ignorância, a escuridão, o sono, o sonho, a ilusão, cesse e ceda lugar à sabedoria (vidya), deixe surgir a iluminação (boddhi) .

Caminhar pelo Meio é, pois, a arte de ir-se eliminando apegos pela vida a fora, e vida a dentro. É procurar não sofrer e não fazer sofrer. É procurar não estar enlaçado a uma coisa nem a seu oposto. É escorrer, fluir como água entre uma margem e a outra. Mesmo que as águas fluam com excessiva rapidez e desbarranquem as margens que a contêm, observe, sofra, mas tenha calma, não se desespere, espere, não há pressa.

Atenção para uma importantíssima diferença:

Caminho do Meio não é o mesmo que caminho medíocre.

Não é cinzento, sombrio ou morno. Ele cheira e fede. Vão nele as Marias-sem-as-outras.

Não é atalho para hipócritas, nem o refúgio de ambíguos. Estes, e os confusos, perdem-se nele logo à vista da primeira encruzilhada.

Passar entre dois extremos não é o mesmo que evitar os extremos. As águas de um rio não evitam as suas margens, ao contrário, apoiam-se nelas! Um trem não evita os trilhos que lhe dão o rumo.

Pelo Caminho do Meio sobe-se às mais altas montanhas e se desce aos vales mais profundos. Por ele se vai ao céu e ao inferno.

É a coluna central, flexível como a da serpente, que se comunica com todas os aspectos da tragédia humana.

É o fio da meada.

Nele, há calor e frio. Macho e fêmea. Há fraqueza e força. Espírito e matéria. Tudo e nada. Há vida e há morte.

Nele, somos tolos e sábios, inteiramente luz e inteiramente treva. Não há meio-a-meio, é isto tudo e mais tudo aquilo. É inteiro e completo como a natureza é.

O Caminho do Meio tem os extremos.

O caminho medíocre teme os extremos.

Não há como confundi-los: a virtude da temperança inclui temperos, temperaturas, não é insensível nem insípida, é plena de sabores, comporta mil saberes. Provar, conhecer o sabor, é saber. Saborear é o ofício do sábio.

Uma outra distinção merece ser feita:

Caminho do Meio não é o mesmo que meio do caminho.

Ele não nos leva a lugar algum. Na verdade, não é um caminho por onde se passe para chegar a um outro lugar mais distante, é um caminho onde se chega. Estar nele, caminhando, é já ter chegado.

Estamos sempre no meio do caminho quando estamos sempre evitando alguma situação e ansiando por alguma outra. Um lugar lá atrás, um outro mais lá na frente. Sempre alguma coisa no passado e sempre alguma outra no futuro. Assim, estamos sempre no meio...

Observem, agora, esta passagem sutil: ESTAMOS SEMPRE NO MEIO.

Perceber que sempre estamos no meio do caminho, que sempre estivemos e estaremos sempre, é entrar no Caminho do Meio. Um caminho que, se podemos dizer conduza a algum lugar, conduz a ele próprio. Algo assim como caminhar tranqüilo na intimidade da própria casa.

Um caminho o mais reto possível que nos leve o mais rapidamente possível a algum lugar distante e exótico, para fora ou para dentro de nós, e ainda para mais além dos nossos mesquinhos problemas e insatisfações, não é o Caminho do Meio, embora seja exatamente assim que uma quantidade enorme de budófilos (os apegados ao Buda) o compreenda.

Qualquer caminho leva a todos os outros caminhos, o que vale dizer que levam todos a si mesmos, a diferença está no jeito com que se caminha.

O viajante estará perdido se tentar encontrar algo diferente de si mesmo, já que na verdade, é só o que ele encontra constantemente.

Um budista senta-se à sombra de uma árvore e descansa. Descansa de si mesmo, em si mesmo. Ao reiniciar sua caminhada caminhará sentado, sabendo que por mais longe ele chegue, por mais que ande, estará sempre ali, chegado. Tornará sempre a si mesmo, àquele mesmo descanso, à sombra mesma daquela árvore.

Ora, um caminho que nos traz de volta sempre ao mesmo ponto, certamente não é um caminho reto, mas de natureza curva, circular.

Caminhar em círculos, eternamente, sem chegar a parte alguma, parece coisa de louco, ou pelo menos de alguém completamente perdido. E é mesmo. Mas é isso o que fazemos normalmente, sem o saber, agarrando-nos a objetivos provisórios aos quais conferimos valor perene: uma profissão, um cargo público, um casamento, um filho, uma conta no banco, uma religião, um amor, um ideal político... Nos enganamos assim, e sofremos muito quando o que parecia eterno se esvai impiedosamente diante dos nossos olhos incrédulos.

Quando sabemos disso, quando sentimos seu gosto, seu estranho sabor, então já não é mais possível crer em metas ilusórias tendo-as por verdadeiras. Imediatamente já não estamos mais na periferia de nós mesmos, mas chegados a uma espécie de Centro surgido inesperadamente do nada (ou do tudo) que nós somos.

Caminho do Meio é o caminho do Centro.

Nele encontram-se todos os extremos. Nele todos os extremos se apoiam. Dele jorram todas as diferenças. Aqui já não há (ou ainda não há) a terrível luta entre os opostos. Estes, no Centro, de alguma forma, se ajeitam por si mesmos.

Um bicho acuado entre dois monstrengos pode, no máximo, escapar com alguma habilidade, fazer algum tipo de malabarismo, algum equilibrismo, ser hábil, esperto -- o que é bom -- mas não propriamente um sábio, um Desperto (Buddha). Não escapará de si mesmo, e tornará a encontrar os monstrengos, até cansar (e descansar) no Centro...

O Caminho do Meio é representado no budismo por uma roda de carroça com oito raios e um centro vazio. Os oito raios, que se “opõem” entre si, representam os oito caminhos principais (é infinito o número de oposições possíveis) que ligam a periferia da roda ao seu centro. Por isso o Caminho do Meio é também chamado de O Nobre Caminho Óctuplo. Imaginemos que estamos todos amarrados a uma enorme roda de carroça em movimento; que tentamos faze-la parar quando chegamos no alto, aliviados da dor, e sentindo prazer mesmo que saibamos que outros de nós, lá embaixo, no extremo oposto, estraçalham-se em sofrimentos e desejam com ardor que a roda se mova.

Imaginemos que essa roda não pára nunca e, em breve, voltará a nossa vez de suportarmos o alívio dos outros, e o peso dessa lei inexorável.

Se não tentamos nos enganar, e aos outros, veremos cruamente que é mesmo aí onde estamos metidos e daí não se sai fácil, não se sai falso.

Ser verdadeiro é muito difícil pois embora sendo esta uma grande virtude, o que ela expõe aos olhos da consciência costuma ser muito assustador, mormente aquela dança macabra que é o drama oculto no majestoso girar da Roda da Existência, Roda da Vida, ou Roda do Vir-a-Ser.

Encontrar um jeito de ser o que se é mesmo. Eis nossa tarefa! Ser autêntico da melhor forma possível. Estar no centro das próprias contradições, revelá-las, deixar que elas tramem alguma arte.

O que há de comum em cada um dos oito caminhos é exatamente a autenticidade. Na verdade, os oito caminhos são um só: ser próprio, não imitar, ser igual a si mesmo, autêntico. Não se trata de obedecer a um código de regras prefixadas em busca do comportamento perfeito.

A palavra sânscrita samiak e a sua equivalente páli samma significa algo como “completo em si mesmo” e pode ser traduzida nas línguas ocidentais por right, richt, proper, perfect, certo, direto, direito, reto, correto, pleno, perfeito, próprio, completo, inteiro, integral, puro, verdadeiro, autêntico, etc. Com exceção dos adjetivos reto, certo, direto, direito (right, richt) – que sintomaticamente revelam a compulsiva impaciência ocidental para tratar das questões da alma – os demais têm uma conotação mais próxima do sentido original, mais rotunda, mais cheia, plena de suas partes.

Eu prefiro autêntico, porque esta palavra, embora seja também muito mal usada e compreendida, pois parece justificar quaisquer ações, palavras ou pensamentos, é a que reclama mais atenção para o que se faça, fale ou pense. Portanto, exige mais responsabilidade. O que fazemos espontaneamente pode ser bom ou muito ruim para nós mesmos e para os outros. Depende do que se tem na alma.

A atenção dilui os impulsos nefastos e... concentra-se (junta suas partes no centro).

Se somos autênticos, por qualquer dos caminhos chega-se ao centro, e de lá a todos os outros, rapidamente.

Abaixo seguem os oito caminhos, em sânscrito, com a tradução que me parece a mais adequada e algumas outras possibilidades; entre aspas o sentido aproximado de algumas palavras sânscritas; e em itálico a tradução para o inglês.

1º- Compreensão autêntica – concepção, visão, view.

2º- Decisão autêntica – determinação, resolução, resolve.

3º- Fala autêntica – “palavra”, discurso, linguagem, speech.

4º- Conduta autêntica – “ações”, action.

5º- Sustento autêntico – “enquanto se vive”, meio/modo de vida, trabalho, livelihood.

6º- Empenho autêntico – aplicação, esforço, effort.

7º- Atenção autêntica – mindfulness.

8º- Contemplação autêntica – “absorção”, fixação, meditação, concentration.



Compreender, decidir, falar, agir, sustentar-se, empenhar-se, prestar atenção (ouvir), contemplar. Autenticamente. Isto é, sem fingir.

Até mesmo o fingir pode ser autêntico, e quando o é, podemos nos perceber artistas.

Tais caminhos por serem autênticos, verdadeiramente não se opõem. Mas não só esses oito, mostrados desde o início pela tradição budista. Se autêntico, podemos acrescentar: caminhar, tomar chá, lutar, comer, plantar, cozinhar, enfeitar, vestir-se, fazer amor, conversar, cantar, dançar, pintar, sofrer, morrer... e tudo o mais.

Nada podemos fazer para sermos autênticos. Imagine uma girafa esforçando-se para ser girafa. Não há normas para o Caminho do Meio, nem mesmo esta. Com as normas podemos apenas criar um personagem qualquer, que possa até ser muito útil e interessante a nós mesmos ou aos outros, mas não seremos necessariamente autênticos.

Podemos tentar apenas não ser falsos.

Mergulhar em nossa mediocridade, profundamente, e chafurdamos nela até o limite do nojo. Podemos também, depois disso, sentarmo-nos sobre a pedra que há no meio do caminho e ali, então, descansar, talvez verdadeiramente.

O Caminho do Meio é um tesouro invisível. Surge à imaginação enquanto ainda não o encontramos, ou quando já o perdemos.

O medíocre meio do caminho tem a peculiaridade de ser bem visível, principalmente nos outros e aos outros.

Não sabemos tanto o que é a verdade quanto sabemos ser a mentira. Nos enganamos mais facilmente quando lidamos com a verdade, mesmo quando tentamos ser honestos. Nossas certezas costumam mostrar-se precárias com o passar do tempo. No entanto, sabemos quando mentimos.

É, pois, mais fácil (?) falar da mediocridade que da sabedoria, já que é possível vê-la. Por aí devemos começar.

O Caminho do Meio virá por si mesmo, e por si mesmo irá embora se não soubermos andar por ele.

Por ser assim tão invisível, é também chamado o Não-Caminho.

Estamos acostumados a parar de caminhar apenas quando já chegamos, mas aqui trata-se justamente do oposto: chegamos quando paramos de caminhar!

Quem busca estará sempre no meio do caminho.

Quem encontra estará sempre no Caminho do Meio.

O próprio Caminho do Meio, portanto, não pode ser buscado jamais, apenas encontrado. Tudo o que se encontra nos remete a ele, mesmo as coisas mais desprezíveis.

O caminho que nos leva não entre os opostos, mas através deles; o caminho que nos leva não para longe dos extremos, mas para dentro deles, este é o Caminho do Meio.

No centro da Roda do Vir-a-Ser, no olho mesmo da confusão, aqui, bem no meio do caminho, alucinados pelo desejo, possuídos pela paixão, agarrados às coisas do mundo, sofridos, radicais, imperfeitos, pecadores ... há uma flor.

Há uma flor agora.

Há um belo e puro lótus, desses que crescem nos pântanos mais imundos.

Sobre ele senta-se em paz o Desperto.





malaquias@rubedo.psc.br

NÃO TEMOS CONTROLE SOBRE NADA

NADA ESTÁ SOB NOSSO CONTROLE



Um amigo:
“Como não temos controle sobre nada? Será assim? Claro que somos surpreendidos por vários acontecimentos durante a vida, até concordo, mas tudo vai depender de como percebemos estes acontecimentos; essa boa dose de indiferença e de humor é válida, mas também não deixa de ser uma forma de defesa diante de situações inesperadas. É muito comum rir da própria desgraça, mas isso acontece depois do susto, quando a cabeça esfria”.

Resp: é exatamente assim; nós estamos sendo, agora, o que tudo que está atrás de nós nos está fazendo ser. Até mesmo, usando suas expressões, a compreensão que temos, as surpresas perante os acontecimentos da vida, nossa percepção deles, o humor ou indiferença, o uso de defesas, a capacidade de usá-las, o susto, as reações ao susto, o esfriar ou esquentar a cabeça, vem desse movimento universal.

Amigo:
“O amigo X uma vez citou um provérbio ou pensamento muito válido. Disse que tem dois cães dentro dele , um feroz e um manso, sobrevive o que ele alimentar. Penso que diante das nossas experiências, cultura e aprimoramento moral podemos ter controle sobre as situações que nos aflige. Basta não ser arrastados por elas. Tudo depende da dimensão que vamos dar ao fato.

Resp: o que o amigo X disse está correto; o alimentar o cão feroz ou o manso, a decisão de alimentar um ou outro vem também desse movimento ininterrupto...; o achar o pensamento muito válido, também. Outros não o acharão válido porque esse movimento não os levou à compreensão ou ao ponto de achar esse pensamento válido. Tudo, nossas experiências, cultura, aprimoramento moral, controle que possamos ter sobre o que nos aflige, ou sobre qualquer coisa, vem desse movimento. Tudo o que somos, o que pensamos etc, é resultante dessa “força”, sempre e sempre impelindo todos para frente, desde a origem do cosmos, passando pelos nossos mais longínquos ancestrais, e fazendo que sejamos o que somos agora.

Amigo:
“Porém isso é individual; uma exposição a um trauma para um individuo pode ser facilmente superada, quanto que para outro pode ser uma catástrofe que o imobiliza enquanto ele se apegar ao ocorrido”.

Resp: pois é isso mesmo. Qual o motivo pelo qual um superará um trauma, ou o que for, mais facilmente do que outro? Pelas experiências passadas, pela cultura, vivencia, genética, meio, que de algum modo lhe permitem maior compreensão ou força moral etc, para essa superação; e tudo isso faz parte desse movimento irresistível. Quando pensamos que superamos algo ou quando superamos realmente, é o mesmo movimento nos levando a pensar que superamos ou a ter forças para superar.
Lembre-se que não temos comando sobre o ego e, por isso, somos levados inapelavelmente pelas circunstancias e ilusões... Mesmo a compreensão e o trabalho de tentar eliminar o ego, são frutos desse movimento absoluto. Isso mostra bem a coerência das palavras de Paulo: “É o Senhor que opera em nós o pensar, o querer e o fazer” e “Não sois salvos por vossas obras, mas pela graça de Deus”; e de Jesus: “Nenhum poder teríeis se do Alto não vos fosse dado” e “Ninguém vem a mim se o Pai, que me mandou, não o mandar a mim”. O Senhor, Deus, o Alto, o Pai se confundem com esse poder que impulsiona as engrenagens desse movimento sem fim.
Quando um mestre abre a boca e ensina, é o mesmo movimento que o está levando a isso; quando compreendemos o que ele ensina, ou quando não compreendemos, é o mesmo movimento atuando. Quando seguimos ou não seus ensinamentos, idem. Quando acertamos ou erramos, é a mesma coisa. Por isso é que já estamos salvos ou melhor, não há de que nos salvarmos, pois nunca estivemos necessitando de salvação, senão em nossas ilusões; tudo que pensamos que é obstáculo à salvação é resultado das ilusões que esse movimento nos traz através do ego. Por isso, aqueles que compreenderam, que conheceram a verdade afirmam: “... no mesmo instante me vi banhado por uma emoção de alegria, confiança, triunfo, salvação; esta palavra “salvação” não é aprópriada para exprimir a realidade, pois é uma absoluta convicção de que a salvação não é necessária, pois o esquema do universo já é nesse sentido...”. “... naquele momento pude ver que todo sentimento de condenação desaparecera completamente de meu pensamento, e que, a partir daquele instante, eu não mais conseguia, nem me esforçando, sentir qualquer sentimento de culpa ou de condenação por meus atos quaisquer que fossem eles. O sentimento de culpa se apagara, cessara, morrera; foram-se os meus pecados; era como se eu jamais tivesse cometido qualquer pecado. Achava-me num estado no qual eu não mais podia pecar... Ao invés de sentir que eu pecava sem cessar, percebia que não restava em mim o menor sentimento de culpa pelos pecados que já cometera... e de que nunca houve pecados dos quais tivesse de ser perdoado”.
Como podemos pecar se é esse movimento eterno que nos leva a fazer isto e aquilo? Se é o Senhor (esse movimento) que opera em nós o pensar e o fazer? O que ocorre é que estamos num labirinto de ilusões e o único trabalho para sair desse labirinto é o trabalho da eliminação do ego. Então, veremos aquilo que o ego não deixava ver: que tudo é e sempre foi perfeito...

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

NINGUÉM É CULPADO - TODOS SÃO O QUE SÃO.

Amigos


Um companheiro escreveu:

“Mas também se pode admitir como significado da palavra ‘respeito’ a idéia de valorizar uma pessoa por algo que ela tenha praticado no domínio do bem e do mal. Na conformidade desta idéia parece ser coerente atribuir respeito às pessoas que praticaram o bem. E incoerente a atribuição de respeito para pessoas que praticaram o mal”.

Só para fazer que os amigos reflitam, coloco as palavras abaixo que podem mesmo escandalizar a muitos:

“Para aquele que compreendeu a verdade, é tão absurdo colocar entre grades um facínora, quanto levantar um busto, em praça pública, em homenagem ao benfeitor da coletividade”.

É evidente que, aquele que pode causar danos a alguém, deve ser afastado da sociedade, como um animal perigoso, uma cobra, um escorpião; contudo, seu desserviço à sociedade tem exatamente o mesmo valor que o serviço do benfeitor: nenhum! Cada um faz tão somente o que “tem” de fazer, isto é, a ação para a qual todas as forças do universo o arrastam. Como disse Paulo: “É o Senhor que opera em nós o pensar e o fazer” e, coerentemente com essas palavras, afirmou: “Não somos salvos por nossas obras, mas pela graça de Deus”.

Essa é a concepção dos sábios: tudo vem de Deus; somos, neste mundo de relatividade, Seus instrumentos de ação, uma Sua “complementação” ou “prolongamento” (na falta de palavra mais adequada). Como dizem os místicos, os sábios e iluminados e, hoje, a ciência: “Somos os olhos e ouvidos, os instrumentos da ação de Deus; o Criador vê e age no mundo, através de nossa visão e de nossa ação”.

Tudo vem de Deus: dentro desta concepção, nada ocorre sem a “permissão” do Criador; nem felicidade, nem infelicidade. Tanto que o Mestre Jesus também afirmou: “Ninguém vem a mim, se o Pai que me enviou não o mandar a mim”; e mais, a Pilatos: “Nenhum poder teríeis se do Alto não vos fosse dado”.

Só para conhecer e refletir.

A Oração Perfeita

“Santa” Teresa de Ávila – A oração perfeita


Como devemos orar: quando orarmos, entremos em nosso quarto (dentro de nós mesmos) e, fechada a porta (isolando-nos das ações dos sentidos e da mente), em “oculto”, oremos ao Pai que nos ouve em “oculto” (no mais íntimo de nosso ser); oremos em silêncio, a “oração de recolhimento”, ensinada por Teresa de Ávila (e pelos místicos), oração sem palavras, imagens, lembranças, esperanças, pedidos, visualizações, agradecimentos ou pensamentos (oração não discursiva), fazendo com que todos os sentidos e a memória sejam “recolhidos”, não restando qualquer movimento da mente (cessação do ego); essa oração, se bem feita, pode resultar na “oração de quietude”, na qual há completo silêncio mental, o ego cessou (“ou eu, ou Deus”) e a “coisa” pode acontecer...

Nas palavras de Teresa de Ávila: “... chama-se oração de “recolhimento”, porque nela tudo se recolhe, a alma, todas as faculdades, vontades, desejos, memórias, emoções, expectativas, (tudo deve ser recolhido, escondido, esquecido) e entra dentro de si mesma, com Deus (onde já está Deus). Aí, o divino Mestre vem ensiná-la, dando-lhe oração de “quietude”.

Então, oração de recolhimento: recolhem-se os sentidos, a memória, o pensamento, o ego; com esse recolhimento, vem o silêncio mental, que é a própria oração de quietude. Enquanto a oração de “recolhimento” depende de nós, a oração de “quietude” só depende de aquela ter sido bem feita; a de “quietude” brota espontaneamente (“Aí, o divino Mestre vem ensiná-la...”) como resultado da oração de “recolhimento” bem feita (“aquieta-te e sabe: Eu sou Deus”, do Velho Testamento), e isso nada mais é que a meditação, que pode proporcionar a percepção daquilo que buscamos, o encontro com a Verdade, com o Sagrado, com o que “é”...
                                             ... com Deus.

domingo, 26 de dezembro de 2010

JUNG FALA DA ILUMINAÇÃO

JUNG fala da Iluminação


PREFÁCIO, de Carl Gustav Jung, o célebre psiquiatra conhecido em todo mundo, ao livro ‘Introdução ao Zen’, de Suzuki:

Tentar explicar o satori (iluminação, a Verdade, o encontro com Deus, samadhi, nirvana, consciência crística ou búdica, consciência cósmica, reino de Deus, Deus, Cristo, Buda) é inútil. Para alguns é a percepção da verdadeira natureza do ser; o consciente livra-se da ilusória (falsa) idéia de um ‘eu’ que tem existência própria e separada no tempo e que temos de defender contra os demais ‘eus’. Essa ilusão referente à natureza do ser é a confusão que todos fazem do ‘ego’ com o ‘ser’. Ser é a consciência total, absoluta, cósmica, o Cristo, o Buda, o reino dos céus, Deus. O ego é apenas um feixe de ilusões, repleto de lembranças, expectativas e interpretações erradas das coisas do mundo.

Quando pensamos que há algo de bom em nós, isso vem da ilusão de que possuímos alguma coisa, de que possuímos bondade, de que somos bons, mas, isso é sinal de imperfeição e insensatez. Fôssemos nós conscientes da verdade, saberíamos que não somos bons, que o bem não vem de nós. Por isso, o iluminado diz:

‘Que pobre tolo eu era! Estava na ilusão de que eu era isto ou aquilo: agora vejo que isto ou aquilo é Deus’.

O satori é uma ruptura da consciência condicionada, apenas limitada ao ego, repleta de ilusões, impurezas, de todo lixo mental ali depositado pelos costumes, tradições, culturas, suposições e crenças durante toda nossa vida. O satori faz com que a consciência adquira a forma de consciência ilimitada, infinita, de não-eu, não-ego, pura como é o ser. Jesus diz no seu sermão: ‘Bem-aventurados os pobres de espírito’, isto é, aqueles que perderam seu ego, sua ‘personalidade’, pois, agora, têm ‘a’ de Deus. Por isso, bem-aventurados. O satori é o reconhecimento de nossa face original, o homem antes de ser criatura (o espírito antes de ser homem), o reconhecimento, a percepção da verdade de que ‘eu sou’.

Exceto alguns místicos ocidentais, parece, numa visão superficial, que, no Ocidente, nada há que possa ser comparado ao satori. Da prática (da meditação) surge um novo estado de consciência que não é influenciado pelas coisas externas. Daí brota uma consciência vazia, pura, que permanece aberta a outra influência. Essa influência não será mais sentida como a própria atividade da mente, do ego, do ‘eu’, e sim como o trabalho do não-ego, do ser absoluto, que tem a consciência como seu objeto. É como se o ego fosse invadido por um sujeito (a Subjetividade Absoluta, Deus) que tivesse tomado o seu lugar, o seu controle. Como disse Paulo: ‘Não sou mais eu que vivo, mas o Cristo é que vive em mim’.

Quando isso ocorre, aparece em cena um homem completamente transformado, um homem ‘renascido’, um ‘novo homem’.

O Zen difere de todas as outras práticas de meditação em virtude do ‘koan’ que rejeita qualquer resposta lógica. O próprio Buda é rejeitado por ser apenas uma imagem, um símbolo, um rótulo. Nada deve interferir a não ser o que realmente está lá, isto é, o homem com suas completas, mas inconscientes, suposições, ilusões, crenças, condicionamentos, dos quais, por ser inconsciente, não pode se libertar.

Na experiência maravilhosa da iluminação, a resposta parece surgir do vácuo como ‘da superfície do lago, salta, repentinamente, um peixe’. O inconsciente é a soma de todos os fatores psíquicos que estão fora da percepção consciente. Ele representa a totalidade de onde a consciência, aos poucos, arranca fragmentos. Caso a consciência seja esvaziada de todos seus conteúdos, cairá num estado de inconsciência total (um vazio, no qual, se perseverar, nasce um estado indizível e ilimitado de consciência). Isso é obtido no Zen como regra, porque a energia do ser consciente é, pela prática, retirada dos conteúdos mentais (que sempre a iludem e onde sempre está) e se transfere para uma concepção de vazio. Aí, a concepção de imagens, pensamentos, ilusões, cessa e poderá vir a se produzir a tensão máxima que permitirá a final eclosão dos conteúdos inconscientes no consciente.

Os conteúdos mentais que afloram não são, em absoluto, inespecíficos. A experiência psiquiátrica com a loucura mostra que existem relações peculiares entre os conteúdos do inconsciente e as imagens e delírios que afloram ao consciente. São as mesmas relações que existem entre os sonhos e a consciência comum em todos os homens ditos ‘normais’. Ali está um ‘quarto de despejo’, de segredos inconfessáveis semi-esquecidos. O inconsciente é a matriz de todas as concepções metafísicas, mitológicas e filosóficas, de todas as idéias acerca da vida que estão baseadas em premissas psicológicas (suposições, crenças). Cada invasão do consciente no inconsciente é uma resposta a uma condição definida do consciente, e esta resposta vem da totalidade das idéias-possibilidades que estão armazenadas no inconsciente. A divisão em unidades, a fragmentação dessa totalidade, é produzida pela consciência localizada (a consciência individual, condicionada), pois essa é sua natureza.

A reação conseqüente ao satori sempre tem um caráter total, pois reflete uma natureza que não foi dividida por qualquer consciência discriminativa; é, agora, uma consciência indivisa, integral, absoluta. Por isso seu efeito é avassalador. É uma resposta inesperada, total e completamente esclarecedora desde o momento em que o consciente se encontra num beco sem saída, em que não encontra resposta alguma para suas perguntas mais profundas.

Quando, após dura prática e enérgica destruição da compreensão racional, lógica, o devoto Zen recebe uma resposta da natureza - a única resposta verdadeira -, tudo que foi dito sobre o satori poderá ser compreendido. Cada um verá, por si mesmo, que são a simplicidade e a naturalidade da resposta que chocam; que envolvemos a verdade simples e pura, com a construção, sobre e em torno dela, de uma vasta estrutura de suposições, ilusões e crenças que, agora, são destruídas totalmente.

Embora o valor imenso do Zen para a compreensão do processo religioso transformador, sua prática entre os ocidentais é muito problemática. No Ocidente não existe uma educação mental (cultural) para o Zen. Quem, dentre os ocidentais, confiará nas atitudes incompreensíveis de um roshi (mestre zen)? Isso só é encontrado no Oriente. Quem poderá crer numa transformação ilimitada da mente humana e está disposto, para isso, a sacrificar anos de vida no trabalho da busca? No Ocidente houve quem se submetesse a tudo isso para alcançar o satori, mas se mantém em silêncio, não por timidez, mas por saber que é inútil qualquer tentativa de transmitir a experiência aos outros (‘vi e ouvi coisas inefáveis’, como disse Paulo).

Em nossa civilização ocidental nada há que incentive essas aspirações, nem mesmo a igreja cristã, que se julga a única guardiã dos valores religiosos. O único movimento dentro da civilização ocidental que tem, ou deveria ter, algum entendimento dessas tentativas é a psicoterapia. Não é por acaso que um psicoterapeuta está escrevendo este prefácio.

O psicoterapeuta, seriamente interessado no resultado de sua terapia, não pode ficar insensível quando vê o objetivo do método oriental de cura psíquica. Seu objetivo é ‘reconstruir o todo’ em face da fragmentação produzida pelo consciente racional (ego). No Ocidente, nessa luta de cerca de dois mil anos, foram desenvolvidos métodos e doutrinas que simplesmente obscurecem as tentativas dos ocidentais a esse respeito. Nossas tentativas têm, com poucas exceções, descambado para a magia e cultos dos mistérios, entre os quais, forçosamente, está o Cristianismo. A igreja, com seus dogmas e fantasias, embaraçou seus fiéis num mundo de crenças sem nexo e imagens confusas. Não é a boa intenção, a imitação da vida dos ‘santos’ (o amor, a caridade), nem as acrobacias intelectuais (raciocínio, imaginação), que conduzem à reconstrução do todo e, sim, a cessação do ego.

Se o homem for escravo de sua crença quase biológica, sempre tentará reduzir o que observa a algo banal, trazendo suas experiências até a um denominador racional que só agrada indivíduos que se satisfazem com ilusões. Se o psicoterapeuta reflete um pouco a esse respeito, poderá entender como são vazias, sem importância e contrárias à vida, todas as reduções racionalísticas que versam sobre algo que está vivo e em desenvolvimento. E poderá ter idéia do que significa ‘abrir as portas pelas quais alguém poderá escapar satisfeito e completo’ (João da Cruz?). (Jesus: ‘... tudo mais virá por acréscimo’ e ‘Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará’).

Não quero dar conselhos, mas, quando os ocidentais começam a falar do Zen, considero meu dever mostrar onde está a entrada para o caminho que conduz ao satori (iluminação). E quais as dificuldades que juncam esse caminho, somente trilhado por uns poucos grandes homens, que são como faróis, numa alta montanha, brilhando, lá, do enevoado futuro.

Para uma experiência completa não há nada mais barato que o Todo. Para isso é preciso uma expansão indefinida da consciência. Não existem condições fáceis, nem substitutivos. O Zen mostra quanto significa, para o Oriente, o ‘tornar-se integral’, o tornar-se um Todo, uma mente só, indivisa.

A preocupação com os enigmas do Zen pode, ou fazer o ocidental sem força de vontade desistir, ou dar-lhe óculos para sua miopia, de modo que, através da escuridão, possa ter, ao menos, um vislumbre do mundo da experiência mística. O Zen não tem complicadas técnicas como as da yoga (hinduísmo), que dão ao ocidental, falsas esperanças de que a luz pode ser conquistada pelo ato de sentar e respirar. Ao contrário, exige inteligência e força de vontade, como o exigem todas as grandes coisas que desejamos tornar reais.

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Outras palavras de Jung;

A MENTE É DEUS – Jung:

“O atentar para a Mente intemporal é tarefa redentora para todas as pessoas. Em nosso tempo, essa tarefa é particularmente difícil porque colocamos, no dia-a-dia, nossa ênfase no aqui-agora, no fazer, no consumir, nos aspectos práticos, no progresso material. Como valorizamos o aspecto material, estamos separados dela. O resultado é patológico: tornamo-nos vítimas de nossos próprios impulsos inconscientes e o mundo ‘demonizou-se’. Nossa verdadeira tarefa de vida é exatamente o contrário: tornarmo-nos conscientes dos conteúdos que emergem do inconsciente, criar cada vez mais consciência; esse o objetivo único da existência humana:... acender uma luz na escuridão do ser”.

E mais palavras de Jung:

“Seguramente, a alma não é algo insignificante (como as religiões ocidentais a consideram); ela é a própria Divindade radiante”.



O FIM DO SOFRIMENTO - Jung:

‘Essa experiência (a experiência mística) é exatamente como se o espírito e a carne, eternos inimigos na visão do cristianismo, tivessem feito as pazes... o sagrado e o mundano se acham conjugados numa inesperada situação de paz. A austera seriedade do espírito parece tocada por uma alegria semelhante àquela que a antiguidade pagã conhecia, perfumada de vinho e rosas. Seja como for, (essa experiência) faz com que se esqueçam todas as dores e penas da alma... ’

(Como disse Pascal: ‘alegria, alegria, lágrimas de alegria’; e o Buda: essa experiência ‘é o fim de todo sofrimento’; e Jesus: ‘é a libertação’).



O INCONSCIENTE COLETIVO E A MENTE – Jung:

“O inconsciente coletivo apresenta as características da mente não-localizada (mente fora o espaço-tempo, no atemporal, isto é, a mente una, cósmica, universal, Deus); não pode ser fixado no espaço e no tempo, e transcende o ego individual, envolvendo todas as mentes”.

“O inconsciente tem o seu próprio tempo à medida que passado, presente e futuro, juntos, combinam-se nele”.

“Uma vez que todas as distinções, diferenças, desaparecem na condição inconsciente, é lógico que a distinção entre mentes separadas deve desaparecer também. Toda vez que há diminuição do nível consciente, deparamos com exemplos de identidade inconsciente”.



O SENTIMENTO DE HARMONIA – Jung:

“... Naturalmente é difícil compreender como essa figura abstrata (a experiência de Deus, que nada é mais que uma experiência subjetiva, pois na psique do homem) desperta o sentimento da ‘mais sublime harmonia’... Mas esse tipo de experiência não é, para mim, nem obscuro, nem longínquo. Muito ao contrário: trata-se de um fato que observo quase todos os dias em minha vida profissional (de psicoterapeuta)... Conheço um número consideravelmente grande de pessoas que, se quiserem viver, terão de levar a sério sua experiência íntima...”

(Isto significa que a vida daqueles que tiveram a experiência de Deus será transformada obrigatoriamente por força do novo conhecimento, a iluminação que lhes vem dela; ela proporciona o ‘nascer de novo’, a ‘ressurreição’).



O SIGNIFICADO DA EXPERIÊNCIA – Jung:

‘Os exemplos que escolhi para ilustrar aquilo que chamo de ‘experiência mística’ (a experiência de perceber Deus) certamente pouco significarão para um olhar inexperiente... Mas, apesar disso, a experiência individual... é sangue quente e rubro, que pulsa nas veias do homem (que a teve). Para quem busca a verdade, ela é mais persuasiva do que a melhor das religiões, do que a melhor das tradições... Se quisermos saber algo a respeito do significado da experiência religiosa para aqueles que a tiveram, esse algo é: tudo... ’

(Quem teve essa experiência diz que tudo o mais é lixo se comparado com ela (Teresa de Ávila); fútil e infantil (Krishnamurti), e que, só com essa experiência a vida adquire significado).



EXPLICANDO A EXPERIÊNCIA - Jung:

‘Naturalmente é difícil compreender como essa figura abstrata (a experiência imediata, a experiência mística, a percepção daquilo a que as religiões dão o nome de Deus, que nada é mais que uma experiência subjetiva, pois na psique do homem) desperta o sentimento da ‘mais sublime harmonia’... Contudo esse tipo de experiência não é, para mim, nem obscuro, nem longínquo. Muito ao contrário: trata-se de um fato que observo quase todos os dias em minha vida profissional (de psicoterapeuta)... Conheço um número consideravelmente grande de pessoas que, se quiserem viver, terão de levar a sério sua experiência íntima... ’ (isto é, a vida daqueles que tiveram essa experiência de Deus, será obrigatoriamente transformada por força do novo conhecimento, a iluminação que lhes veio dela).



JUNG E A RELIGIÃO- Jung:

-‘Eu gostaria de deixar bem claro que, com o termo ‘religião’, não me refiro a uma dada profissão de fé religiosa. A verdade, porém, é que toda confissão religiosa, por um lado se funda originalmente na experiência do numinoso (transcendental) (que, na experiência religiosa pode ser o influxo de uma presença invisível que produz modificação especial na consciência; tal, pelo menos, é a regra universal) e, por outro lado, na fé e na confiança relativa a uma experiência de caráter numinoso e na mudança de consciência que daí resulta. Um dos exemplos mais frisantes, nesse sentido, é a conversão de Paulo. Poderíamos, portanto, dizer que o termo ‘religião’ designa a atitude particular de uma consciência transformada pela experiência do numinoso...’ (Transformada pela experiência de Deus).



PERCEPÇÃO DIRETA DE DEUS – Jung e a Experiência:

Pesquisadores cristãos do primitivo cristianismo afirmam que ‘o que falta, no cristianismo de hoje, é o conhecimento de que podemos ir além da teoria e da doutrina; que podemos passar para a percepção direta’, vejam bem, ‘percepção direta’; podemos perceber, diretamente, aquilo de que a doutrina fala. Isto é, podemos ter a percepção direta de Deus. Esse conhecimento existia no cristianismo dos primeiros séculos, mas a igreja cristã esqueceu de divulgar.

Jung afirma que a experiência de "conhecer a verdade" é a experiência mais importante e sublime na vida do ser humano. Enquanto as experiências de seguidores de crenças e religiões são, em geral, como relatam os que por elas passaram, diferentes entre umas e outras, obscuras, se referindo a necessidades ou assuntos diversos, a experiência de Deus é uma só, uma "experiência de concordância universal" (denominação dada por Jung), pois é idêntica para todos os que a tiveram, seja em qualquer tempo ou lugar.

E prestem atenção a estas outras palavras de Jung:

"O fato, que tenho comprovado numerosas vezes, em meu consultório, é que a experiência de Deus é a verdadeira terapia e, na medida em que as pessoas passam por essa experiência, elas se afastam da maldição da patologia".

Perceberam? Quanto mais próximos estamos de "sentir" Deus, mais longe nós estamos das doenças do corpo e da mente.

Abraços a todos.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

QUANDO CRITICAMOS OS OUTROS MOSTRAMOS NOSSO PRÓPRIO RETRATO...

                  


          Como asseguram renomados psicólogos todos nós, mesmo inconscientemente, projetamos para fora de nós facetas, características nossas, físicas ou mentais, das quais não gostamos. No entanto, elas continuam sendo nossas e nos acompanham feito uma "sombra". A Sombra pode conter não só aspectos maus, demoníacos e agressivos, que repudiamos, mas também aspectos bons, divinos e nobres, que esquecemos de que nos pertencem. Ainda que repudiados, continuam sendo nossos, continuam a operar e continuamos a percebê-los; mas, como julgamos que não são nossos, vemo-los como se pertencessem a outras pessoas e acreditamos, ou que nos ameaçam, ou que o outro tem qualidades excepcionais que nós não temos. Assim, quando temos o impulso para fazer algo, parece que o meio ambiente é que nos está empurrando para agir e, em lugar de interesse, sentimos pressão; em lugar de desejo, obrigação. A energia continua sendo nossa, mas devido à projeção, sua fonte parece estar fora de nós e, assim, em vez de sentir que a energia é nossa, nós nos sentimos martelados por ela, forçados pelo que parecem ser forças exteriores. E podemos projetar, não só emoções positivas de interesse, impulso, desejo, mas também emoções negativas de raiva, ressentimento, ódio, rejeição. Em vez de entender que estamos com raiva de alguém, achamos que esse alguém está com raiva de nós; em vez entender que odiamos, achamos que o mundo nos odeia; em vez de entender que rejeitamos, achamos que somos rejeitados.


Podemos, também, projetar idéias, qualidades ou traços positivos ou negativos. A pessoa apaixonada projeta todo seu potencial no amado e, logo se sente dominada pela suposta bondade, sabedoria, beleza, competência, do ente querido. Entretanto, a beleza está nos olhos do contemplador, e a pessoa apaixonada está, muitas vezes, apaixonada por aspectos projetados do seu próprio ego.


Fato semelhante ocorre nos casos de admiração, inveja etc. Nossa tendência natural, frente a um aspecto não desejável de nós mesmos, é simplesmente negá-lo e projetá-lo para fora da consciência, o que é impossível, pois os aspectos repudiados continuam sendo nossos e não deixam de nos perseguir. Nossa luta com as maldades do mundo geralmente é nossa luta com “nossa” própria Sombra. A irritação, a negativa violenta é a evidência da projeção.


As críticas que fazemos dos outros, geralmente, não passam de trechos não-percebidos de nossa própria auto-biografia.


Por isso os estudiosos da mente humana dizem: “Para se conhecer de fato uma pessoa, basta prestar atenção ao que ela fala a respeito dos outros”.


Perceba Deus em você.

RELIGIÃO - O QUE É?

Carta a um amigo, em 14/10/2010:


Meu amigo, as religiões mais nos enchem de ilusões, dúvidas e, sobretudo, esperanças em coisas que nem temos certeza de que, um dia, vão acontecer. Dão-nos esperanças de recompensas, nos dão medos e remorsos pelos erros, sentimentos de culpa, sofrimentos, preocupações. É certo que suas regras objetivam trazer um melhor relacionamento entre as já tão sofridas criaturas divinas. Veja o Decálogo: não matar, não roubar, não cobiçar o que seja do próximo, não desonrar, não dar falso testemunho, não adulterar. Observe que aí nada tem que signifique regra de “salvação”. Quanto aos quatro primeiros são inócuos, pois apenas visam a que se respeite aquele ser poderoso que o homem tão somente “imagina” o que possa ser. E não só que se respeite, mas até que se tema, como ainda hoje ocorre com tantas ameaças que as religiões, não só as ocidentais, apregoam ...

Veja o que todos os líderes, depois tidos por líderes religiosos, tiveram que fazer inicialmente: colocar ordem e tranqüilidade ao povo. Esse é o exemplo de Moisés, liderando uma fuga pelo deserto de, fora as crianças, 600 mil pessoas, rebeldes, sofridas, desorganizadas, indisciplinadas, prontas para matar, roubar, cobiçar etc. Como esse povo o obedeceria, quando não tinha recurso algum a não ser a vontade de se livrar do cativeiro de muitos anos no Egito? Somente despertando-lhe medo, o que fez apresentando-lhe um “Deus poderoso e cruel”, com ordens que, se negligenciadas pelo povo pagão, resultariam castigos terríveis e assustadores, como ocorreu tantas vezes. O mesmo fez Maomé, com seu povo nômade.

Observe e verá que, ainda hoje, aquele medo persiste. Essa a razão de confissões e comunhões, promessas, sacrifícios, a auto-flagelação, o forçar a própria natureza para perdoar, para agir com amor ao próximo, penitências, orações etc. Como não podemos deixar de perceber, é o medo que está por trás de tudo isso; medo de não estar protegido, de não agradar ou de ofender a divindade; de não cumprir os mandamentos de sua crença e vir a ser, em conseqüência, sentenciado a penalidades torturantes e cruéis ditas educativas.

O medo dos ancestrais ainda está em nós. E a crença de que agradando os “deuses” seremos favorecidos, também. Quanta coisa o homem faz para agradar e, assim, conseguir o favor de Deus? O sacrifício nas diferentes promessas de fazer ou não fazer isto ou aquilo; o sacrifício do próprio corpo no jejum, subindo escadarias, caminhando longos percursos de joelhos; a auto-flagelação, rezas e orações, serviços/caridade forçados ao próximo etc.

Quantas vezes a natureza do indivíduo ainda não tem condições de amar, mas ele a força, pois que acredita que deve seguir os conselhos de sua crença particular e, assim, também, poderá conseguir méritos. Por isso os sábios dizem que, enquanto não se “conhecer a verdade que liberta”, como disse Jesus, todas as virtudes são ou prematuras, imitações, forçadas ou falsas. O homem, muito do que faz quando parece virtuoso, o faz por receio da desaprovação de Deus. A expressão comum “sou temente a Deus” é significativa.

As lições de Jesus, em geral, tinham o mesmo objetivo: uma vida menos sofrida pelo fato de todos se respeitarem naqueles aspectos citados; quando o Mestre disse “... dali não sairás até que tenhas pago o último ceitil...”, “... serás atirado ao fogo da geena...”, “... teu credor te levará ao juiz...”, observe que tudo visava a um relacionamento mais harmonioso com vistas a suavizar a vida daqueles homens já sujeitos a tantas desditas.

Isso é a religião, sobretudo a religião popular, organizada: leva os homens a melhor se conduzirem e se respeitarem, sobretudo por temerem as conseqüências, tantas vezes inenarráveis, de seus “erros”. Por isso, sérios pesquisadores do cristianismo primitivo afirmaram que “‘pelo cristianismo de hoje, ninguém chega ao Pai”, que “a igreja cristã falhou, por estar fazendo a humanidade ocidental caminhar contra um muro, sem conseguir dar um passo na direção de Deus”.

Por isso, também, os mestres chegam a afirmar que “as religiões impedem o acesso à verdade”, que “aquele que se liga a religiões organizadas é imaturo”. As religiões visam trazer ordem e tranqüilidade, mas não levam a Deus.

Cito o amigo:

”Mesmo como respostas condicionadas e não "puras"..., tudo o que fazemos... afeta a todos... e a nós mesmos”.

Sim, amigo, afeta nesse sentido exposto acima: no sentido de trazer maior harmonia; não nos aproxima de Deus.

Cito o amigo:

”Não seria isso caridade, uma virtude ao alcance de todos?”

É espontâneo esse ato caridoso, ou é feito por interesse ou porque os mestres recomendaram que se faça assim? Ou é feito para se sentir bem com a consciência? O homem virtuoso nem sabe que é virtuoso.

O amigo:

”... temos que buscar a nossa iluminação... Mas, devemos ignorar aqueles que sofrem...?”

É evidente que não, amigo. Pois o Mestre ensinou isso: amar o próximo... O amor está no caminho que leva à iluminação. E você ignoraria o sofredor? É sua natureza, sua religião ou seu medo da desaprovação de Deus que o levam a amar o sofredor?

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Visitantes, seguidores ou não.

Meus amigos

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só agora descobri a página de comentários e, então, fiquei feliz de saber que vocês visitaram este blog.

          Um abraço e um natal feliz.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Conexão com o Infinito

Amigos,


Abaixo dois textos que sugerem, ou mesmo indicam, nossa conexão com o Infinito:

“A CIÊNCIA EM BUSCA DE DEUS: Novas tecnologias ajudam a desvendar a cadeia de reações provocadas no organismo durante uma prece, oração, meditação. Além de elevar a auto-estima, esse tipo de experiência aciona circuitos cerebrais responsáveis pela sensação de “transcendência espiritual”.

“No momento mais sublime, tive uma sensação de paz interior e elevação espiritual. Havia uma consciência de Deus ao meu redor, um aquietar da mente. E um sentimento de plenitude, como se a presença do Criador estivesse permeando todo o meu ser”, é o relato de uma freira franciscana, após oração de 45 minutos. Este depoimento faz parte de um dos mais importantes estudos científicos já realizados sobre a relação Deus-mente humana. O trabalho, feito na Universidade da Pensilvânia, com tomógrafo de última geração, de 10 milhões de dólares, mostrou que o lobo parietal cerebral sofria bloqueio do fluxo contínuo de informações transmitidas pelos sentidos objetivos, durante as orações ou meditação. Essa área do cérebro é responsável por distinguir os “limites entre o indivíduo e o mundo”. Quando deixa de receber estímulos e pára, a pessoa sente-se “parte do infinito e intimamente conectada com todos os seres e coisas do universo”, disse Newberg, pesquisador. Esta descoberta está aproximando Deus da ciência, que foi sempre e tradicionalmente cética em relação a esses assuntos e que encarava, por exemplo, o espiritismo como uma das principais causas de doenças mentais.

Segundo pesquisas cientificas recentes, sabe-se, hoje, que pessoas que cultivam alguma crença e praticam orações ou meditação vivem mais, estão menos sujeitas aos males da vida moderna, como o estresse, e recuperam-se mais rapidamente de cirurgias, entre outras coisas (ver as pesquisas sobre Meditação Transcendental, de Maharesh Maharish Yogi).

Durante a prece, ou oração, meditação, o lobo parietal cerebral vai se acalmando até ficar completamente inativo. Nesse momento tem-se a sensação de estar “fundido com o universo”. Segundo as pesquisas, o lobo frontal fica intensamente iluminado durante a prece. O lobo temporal central produz o êxtase, a alegria, a calma e outras sensações conhecidas na experiência religiosa.

Cientistas começaram a levantar a hipótese de que algo maior é a fonte desses fenômenos, não descartando a possibilidade de que a ocorrência do Big-Bang, que deu origem ao universo atual, pode ter sido provocada por essa força maior e desconhecida, esse algo mais, que, sem sombra de dúvida, se confunde com o próprio Deus”.

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“EM BUSCA DO DIVINO: Novas provas científicas mostram que os seres humanos foram projetados para acreditar em Deus. Segundo Andrew Newberg, radiologista e uma das principais figuras da emergente ciência da neuroteologia, professor da Universidade da Pensilvânia, e Eugene d’Aquili, psiquiatra e antropólogo, a fabulosa “realidade superior” descrita pelos místicos pode ser real; tão real quanto esta mesa; mais real, até; e a possibilidade de tal realidade “não é incompatível com a ciência”. Eles descrevem como as funções do cérebro podem produzir uma gama de experiências religiosas, desde as profundas epifanias dos santos até a silenciosa sensação de santidade experimentada por um devoto ao rezar (orar).

No estudo do mapeamento cerebral de budistas tibetanos em meditação e freiras franciscanas imersas em prece contemplativa, as tomografias mostraram o fluxo sangüíneo - indicando níveis de atividade neural - no cérebro de cada indivíduo no momento em que este atingia “intenso clímax” religioso. No cérebro, sabe-se, uma porção do lóbulo parietal esquerdo, a área de associação e orientação, estabelece a “fronteira entre o eu físico e o restante da existência”, tarefa que requer contínuo fluxo de informações neurais, canalizadas pelos sentidos. As tomografias revelaram que, nos momentos de pique das preces e meditação, esse fluxo sofria drástica redução. Com a área de orientação privada das informações necessárias para separar o eu do mundo, o indivíduo, acreditam os cientistas, experimentaria uma “sensação de percepção ilimitada, fundindo-se com o infinito”. Parece que os cientistas capturaram instantâneos do cérebro próximo a um estado de “transcendência mística” - descrito pelas principais religiões (tradições) como uma das mais profundas experiências humanas. Os santos católicos se referiam a isso como “união mística com Deus”, “casamento místico”. São raras experiências, que exigem um bloqueio quase total da área de orientação. Os dois pesquisadores acreditam que bloqueios de graus mais reduzidos poderiam produzir uma gama de experiências mais brandas, mais usuais, como quando os devotos “se perdem” ou experimentam “sensação de unidade” em meio às orações. A pesquisa sugere que esses sentimentos têm origem, não na emoção ou no poder da sugestão, mas na “fiação” geneticamente estruturada do cérebro.

Newberg explica que “não é possível simplesmente bloquear a existência de Deus com o pensamento, pois os sentimentos religiosos provêm muito mais da “experiência” do que do pensamento. Nascem num momento de “conexão espiritual”, tão real para o cérebro quanto qualquer percepção de uma realidade física normal”. Após muito estudo e pesquisa, o autor do texto chega a afirmar que “uma experiência mística não é uma ascensão mágica a um céu distante, mas uma epifania silenciosa e pessoal (epifania: é súbita sensação de realização ou compreensão da essência ou do afeto de alguém... a igreja católica: é Jesus manifestar-se a alguém) e que o milagroso e o mundano, o sagrado e o profano, são “um só e o mesmo”, e estão bem diante de nossos olhos; que, para os místicos, só podemos ver a realidade como ela é de fato quando deixamos o eu (ego) de lado durante a “meditação”. As tomografias sugerem que o cérebro talvez seja capaz de experimentar duas realidades: numa, a percepção alcança a mente pelo filtro do eu; na outra, “o eu é afastado” (meditação) e a percepção se amplia e se unifica. E a realidade é uma questão de grau: o que parece ser mais real é mais real. Para os místicos o estado transcendental é mais real do que o estado comum.

Einstein:, “A mais bela experiência que podemos ter é a do misterioso. Este é a emoção fundamental e está no berço (na base) da verdadeira ciência. Quem não sabe disso e já não consegue se surpreender ou se maravilhar, está praticamente morto”. Esta opinião é, também, a de outros grandes cientistas, quânticos, como Niels Bohr, Max Plank e Werner Heisenberg, que concluíram que, no universo racional, “há espaço para maravilhas incompreensíveis”.

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Cel: hoje, a ciência não mais consegue explicar o universo e a vida sem colocar nessa explicação a existência de uma inteligência diretora que estaria além e acima do universo. Daí, a procura do “bóson de Higgs”, partícula subatômica, que seria ligação Deus-universo, Deus-homem, espírito-matéria.

Fiquem em Deus.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Religiões e "Religiões" - Exotéricas e Esotéricas

Religiões exotéricas e esotéricas.

Amigos,

Em nossa existência, os mistérios e interrogações sobre a vida, a morte, a origem e o destino, o desconhecido, as desigualdades de raças, espécies, comportamentos, caracteres, posição social, riqueza e miséria, sofrimentos e gozos, a imensidão dos oceanos e céus, o poder criador e destruidor da natureza, levaram o homem a criar a religião exotérica...

Tanto ela como o existencialismo, filosofia que afirma a liberdade total do homem, desvinculando-o mesmo de qualquer ligação com um Deus, resultam da reação do homem àqueles mistérios e medos. Enquanto o existencialismo tenta suavizar o dualismo “eu e o outro” ao fazer que o eu participe “com” o outro, a religião exotérica manipula esse dualismo tentando nos levar à paz com o Grande Outro, Deus. E enquanto o existencialismo, no dualismo vida e morte, afirma a morte, a religião o manipula negando a morte. Assim, nasce a religião exotérica, tentativa psicológica do homem de se lançar para além do eu físico, finito e mortal, e se tornar um eu infinito, espiritual e imortal, alma eterna; para não deixar de ser.

Essa, como vemos no mundo, é a religião de muitos, popular, superficial, recheada de diferentes crenças, de vários deuses, com divisões indicadas pelas diferentes denominações, de diferentes procedimentos, concepções e experiências, geralmente organizada a partir de escrituras ditas sagradas, e com hierarquias, doutrinas e regras próprias. Veio do anseio de sobreviver à morte, do desejo de felicidade num futuro desconhecido.

No entanto, ao “lado” dela está a “religião” (que não é religião) dita “esotérica”. A linha entre o esotérico e o exotérico, não está nas religiões. A diferença fundamental não são linhas que dividem “verticalmente” hinduísmo de islamismo, budismo, cristianismo, judaísmo, taoísmo etc. A linha divisória é “horizontal” e ocorre apenas uma vez, cortando de um lado a outro todas as religiões históricas. Acima, está o exoterismo, como já vimos de muitas crenças e de muitos, popular; abaixo, o esoterismo, profundo, de poucos, buscando a essência, sem nenhuma divisão, de um só Deus, em geral sem hierarquias, doutrinas ou regras próprias, no qual todas as experiências são, em qualquer época e em qualquer lugar, idênticas, de uma concordância universal, segundo Einstein e outros. Esta é a "religião" dos místicos, dos que almejam "conhecer" Deus, nesta mesma existência.

Fiquem em Deus.

RELIGIÃO E ESPIRITUALIDADE

Religião e Espiritualidade


(No texto, Espiritualidade e Misticismo praticamente se confundem).

A religião não é apenas uma, mas centenas.
A espiritualidade é apenas uma, sem divisões e rótulos.

A religião é para os que ainda estão dormindo.
A espiritualidade é para os que estão abrindo os olhos e acordando.

A religião é para aqueles que necessitam que alguém lhes diga o que fazer, que ainda precisam ser guiados, que seguem o caminho de todos, o velho caminho, o conhecido, de porta larga e, aparentemente, de piso suave.
A espiritualidade é para os que atentam para sua voz interior, que não se guiam pelos outros, mas pela compreensão, que seguem o caminho de poucos, o novo e, por isso, desconhecido e julgado como de porta estreita e piso pedregoso.

A religião tem um conjunto de regras dogmáticas, que devem ser obedecidas, sem questionamento, pelo seguidor.
A espiritualidade convida a raciocinar sobre tudo, a questionar tudo, a buscar compreender a totalidade da vida, sem dogmas e sem regras.

A religião ameaça e amedronta, e traz receios e remorsos.
A espiritualidade dá paz interior, abre os olhos e ouvidos para que se possa ver e ouvir.

A religião fala de pecados e de culpas, de locais de expiações e padecimentos.
A espiritualidade diz: “nenhuma culpa tens; aprende com o erro e continua tua busca”.

A religião, talvez inadvertidamente, reprime tudo, torna o homem falso, cínico, de atitudes forçadas, interessado nas recompensas futuras.
A espiritualidade transcende tudo, torna o homem verdadeiro e o convida a buscar Deus, agora.

A religião ilude e impede o acesso à verdade.
A espiritualidade descobre e mostra a verdade.

A religião não indaga nem questiona, pois só vê a si mesma e se vê como a única certa.
A espiritualidade tudo questiona, estuda, analisa, compara e busca o melhor.

A religião é criação do homem-ego, superficial, uma organização com regras, ordens, mandamentos, imposições e suposições.
A espiritualidade é fruto da compreensão, do aprofundamento na busca da verdade, sem regras, sem determinações.

A religião é causa de divisões, sofrimentos e infelicidade.
A espiritualidade é causa de união, felicidade e bem-aventurança.

A religião busca o homem, deseja conduzi-lo e lhe impõe para que ele nela creia.
A espiritualidade, tem de ser buscada por esforço próprio e permite que se caminhe pelas próprias pernas.

A religião segue os preceitos de um livro sagrado.
A espiritualidade busca o sagrado em todos os livros, coisas e eventos.

A religião se alimenta nas crenças, esperanças, incertezas, medos e ameaças.
A espiritualidade se alimenta na confiança e na verdade.

A religião faz viver no pensamento, na imaginação e nas expectativas de um futuro de recompensas ou de castigos.
A espiritualidade leva a viver na verdade que liberta.

A religião se ocupa com o fazer e exigir fazer.
A espiritualidade se ocupa com o Ser.

A religião nos faz renunciar ao presente com promessas de um futuro mais feliz.
A espiritualidade nos faz viver em Deus, e perceber o que é verdadeiro e o que é falso, e viver a felicidade aqui e agora.

A religião é adoração, súplica, agradecimentos e incertas possibilidades.
A espiritualidade é esvaziamento e meditação.

A religião alimenta o ego e as ilusões e não deixa crescer.
A espiritualidade faz que se transcenda o ego e, com isso, leva à estatura do Cristo.

A religião sonha com a glória e com o paraíso.
A espiritualidade nos faz viver a glória e o paraíso aqui e agora.

A religião vive pelas lembranças do passado e esperanças num futuro incerto.
A espiritualidade vive aqui-agora, no presente eterno.

A religião enclausura nossa memória e restringe nossa inteligência.
A espiritualidade traz a verdade que liberta a Consciência.

A religião faz a vida cheia de apegos a seres e coisas supostas e duvidosas.
A espiritualidade elimina apegos, suposições e dúvidas.

A religião crê na vida eterna.
A espiritualidade faz experienciar a vida na eternidade.

A religião promete para depois da morte, num futuro incerto e imaginado.
A espiritualidade é encontrar Deus em nós nesta mesma vida.

A religião tem seus mestres exclusivos, particulares.
A espiritualidade procura a verdade de todos os mestres.

A religião, embora assim pensem, não é o caminho e, portanto, não leva a Deus.
A espiritualidade, embora assim não pensem, é o caminho que leva ao Todo e a Tudo, ao alvo final, a Deus.

A religião é nascida e alimentada por experienias diversas, muitas vezes particulares, e possui vários ídolos e deuses.
A expiritualidade é nascida e alimentada por uma só experiencia, de concordância universal, pois é idêntica para todos que por ela passaram, ou passam, em qualquer tempo e lugar.

Fiquem em Deus.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O ENSINAMENTO ZEN

(13) O ENSINAMENTO ZEN


Baseado em ‘A DOUTRINA SUPREMA’, de Hubert Benoit.

(Jan 2008)



Estudo sobre o Zen, com instruções para se chegar à iluminação que, nas palavras de Buda: ‘é a cessação de todo sofrimento’. Ensina Morrer a cada instante, o exercício interior de, a cada instante, abandonar o filme emotivo-imaginativo, das emoções e imaginações que, o tempo todo, está em nosso pensamento e penetrar em nosso interior para sentir ‘como estamos, psicossomaticamente’ (Krishnamurti, Benoit e outros).

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“O ser humano normal é aquele que está livre do sofrimento”. (Somos ainda sub-humanos, afirmou Mahresh Mahrish Yogi; ensina Krishnamurti: ‘a vida só tem sentido quando o homem se ilumina’).

Toda a questão para a libertação do ser humano se resume em transpor o abismo que separa a ‘verdade aceita por todos’ da verdade real, não conhecida pela grande maioria dos seres humanos. Muitos, se a conhecem, não a aceitam devido aos condicionamentos, preconceitos, cultura, sociedade, crenças, ilusões, opiniões, interpretações equivocadas. Para o ocidental, isso é muito difícil de compreender, em face de sua cultura dualista, e ele tem de superar muitas dificuldades e caminhar bem devagar para entender. Para as tradições orientais, a visão desse problema é totalmente diferente.

O Zen diz: ‘O homem nada tem de complicado a fazer; é suficiente que ele veja, diretamente, em sua própria natureza’. E o Zen não dá qualquer importância à teoria que estuda a Realidade; só lhe é importante a prática da meditação que o pode levar à percepção dessa Realidade.

Há só uma Realidade; ela produz toda manifestação, todas as coisas físicas ou não, e é ilimitada, eterna e inexprimível. Mas há uma variedade indefinida de verdades, aspectos corretamente interpretados pelos nossos sentidos, que são efeitos da Realidade, e exprimíveis no plano intelectual humano. No atemporal, nível do absoluto, tudo é Um só; no espaço-tempo, nível do relativo, há toda a diversidade de seres e eventos.

É absurdo alguém reivindicar a paternidade de qualquer idéia. O homem não cria coisa alguma (Paulo: ‘é o senhor que opera em nós o pensar, o querer e o fazer). Tudo se molda, ou se revela através de seu intelecto. Se conseguirmos que nossa mente fique limpa das idéias preconcebidas, condicionadas, ela será capaz de criar. Mediante impulsos intuitivos, ela estabelecerá relações cada vez mais ricas de sentido entre os conceitos que já adquiriram ressonância em nossa mente e o plano do absoluto (também R.M.Bucke).

As escolas que ensinam que sofremos porque não dominamos nossos impulsos, ou não nos desapegamos dos desejos, estão equivocadas pois, para o Zen, isso leva a um ou outro apego, dando a ilusão que estamos no caminho correto. Como não vamos bem num caminho, adotamos um outro e presumimos que tudo irá bem agora. Mas, nada vai mal em nós; sofremos porque não compreendemos que tudo é como deve ser, e por acreditar que é preciso fazer algo para corrigir aquilo que, achamos, não está bem. Daí a crença na necessidade de que devemos nos modificar, que devemos ser virtuosos para nos salvarmos.

O problema está em que, ainda, não temos compreensão, ou ‘percepção’, da Realidade. Ela está adormecida dentro de nós; só não está adormecida a crença naquilo que nossos sentidos percebem no mundo das formas. Tudo parece ir mal porque a visão de que tudo já é perfeito, eterno e totalmente positivo, está ‘oculta’ no centro de nosso ser. Daí vem toda a sucessão de eventos, imagens, pensamentos, crenças, totalmente distorcidos pela nossa interpretação, que causa nossos erros e ilusões, e que nenhuma terapêutica pode ser capaz de resolver se não conseguirmos destruir essas ilusões.

Para o Zen, você nada tem que fazer para se libertar; você nunca sofreu qualquer sujeição e nada existe que esteja aprisionando você. Tudo se organizará de modo espontâneo e harmonioso, para sua percepção, exatamente quando você deixar de tentar fazer qualquer coisa para se libertar, e trabalhar somente para despertar sua compreensão adormecida de que sempre esteve liberto. Essa é toda a pureza do ‘não agir’. Não existe qualquer caminho para a libertação; isso é evidente, já que nunca estivemos submetidos a nada e continuamos a não estar. O que temos de fazer é somente compreender a enganosa ilusão de todos os ‘caminhos’. Quando se obtém a clara compreensão de que tudo que se fizer para a libertação é inútil e desnecessário, quando se superar a idéia de todos os caminhos imagináveis, virá o ‘satori’, visão real de que não há caminho, de que não é preciso ir a lugar algum pois, desde toda a eternidade, estamos no centro único e fundamental de tudo. Assim, aquilo a que se dá o nome de ‘libertação’ é a cessação da ilusão da sujeição, e virá após certo trabalho interior, não causada por ele, mas pela Causa Primária, o absoluto. O segredo é este: não há caminhos, não há lugar aonde ir, pois já estamos lá.

Para o Zen, a construção não é superior à destruição (a criação implica tanto destruição quanto construção), a afirmação não é superior à negação, nem o prazer à dor, o amor ao ódio, a vida à morte, o belo ao feio. São fenômenos opostos, mas perfeitamente iguais e complementares. Há, é evidente, preferência dos seres vivos por aquilo que dá prazer. Isso resulta logicamente do desejo de existir, que está no homem e nos demais seres. Na visão do místico, o homem realizado, isto é, liberto do determinismo irracional, e que vive identificado com o Princípio da ordem cósmica, livre da necessidade ilusória de existir e da decorrente preferência pela vida em detrimento da morte, esse homem produz ações boas e construtivas e não más e destrutivas. Mas, não significa que ele seja bom e construtivo, pois já superou esses sentimentos dualistas próprios do homem comum.

O homem percebe, fora de si, fenômenos construtivos e destrutivos, positivos e negativos. Pelo desejo de existir, ele prefere necessariamente construção e não destruição. A preferência afetiva torna-se parcialidade intelectual, e ele passa a acreditar que o aspecto positivo do mundo é o bem, o único legítimo, e que deve eliminar, na medida do possível, o aspecto negativo, que é o mal. Daí decorre a ‘saudade’ de um ‘paraíso’ perdido, considerado livre de todo aspecto negativo. Nesse estágio de raciocínio imperfeito, o homem imagina a existência de dois princípios inferiores (opostos), mas não a do Princípio Superior, cósmico, universal e absoluto, que os concilia. Para ele, os impulsos construtivos, que vê dentro de si mesmo, são positivos, qualidades, virtudes, o bem; e os destrutivos, são negativos, defeitos, o mal. Do mesmo modo que imaginou um paraíso, imagina que o positivo precisa dominar o negativo; que a evolução consiste em eliminar todos os ‘defeitos’ e possuir apenas ‘virtudes’. Pensa que foi isso que o chamado ‘santo’ fez, o homem no qual existem apenas impulsos construtivos, e procura, a todo custo, imitá-lo. No entanto, uma evolução desse tipo não é compatível com a realização intemporal que exige a síntese (união) conciliadora dos opostos, na qual haverá equilíbrio perfeito entre impulsos negativos e positivos.

Ignorando a existência do Princípio Cósmico Único, o homem confere aos princípios inferiores uma natureza absoluta e passa a idolatrá-los. O positivo torna-se Deus e, o negativo, o Diabo, as forças que produzem o mal, criação inexplicável para cientistas e filósofos que não conseguem conciliar Deus, o misericordioso criador de todas as coisas, com a figura do Diabo, que é tido, pelas religiões populares, como o inimigo invencível do Criador e dos homens. Se o Diabo existe, é criação de Deus e implica em que Deus necessita do Diabo, senão não o teria criado ou, então, que não é misericordioso ou não tem forças para destruí-lo, coisas incompreensíveis.

Sem conhecimento de um Princípio Superior Conciliador dos opostos, essa visão dualista Deus-Diabo, ‘bem-mal’, é uma conclusão lógica natural para a mente que não teve uma iniciação mística. Mas essa é uma conclusão incompleta e, assim, ilusória.

Segundo o Zen, os dois princípios inferiores, iguais ‘numenicamente’ (no atemporal), são desiguais ‘fenomenicamente’ (no espaço-tempo), sendo o positivo superior ao negativo, do nosso ponto de vista. Contudo, se a força que move a irmã de caridade é rigorosamente igual à força que move a mão do assassino, a ajuda aos necessitados, ajuda que serve à vida, tem inegável superioridade sobre o ato de matar, que é contra a vida; mas esses dois atos, encarados do ponto de vista cósmico, são iguais, pois não passam de representantes simbólicos das forças positiva e negativa, que são iguais e complementares.

Assim, todo fenômeno construtivo manifesta o jogo da força ativa (ação), e todo fenômeno destrutivo manifesta a força passiva (reação). Eis porque o homem realizado é tão construtivo: ele se libertou das respostas condicionadas apenas reativas, e não mais ‘reage’ simplesmente’, mas, por ser ativo, ele ‘age’.

O comportamento destrutivo do homem ‘mau’ parece resultar de uma força destrutiva ‘ativa’. Mas, o que ocorre é que ele, de início, age para afirmar-se (construção) mas, em virtude de ignorância e de associações equivocadas, essa ação resulta em destruição (reação).

O homem realizado faz o ‘bem’ como mera conseqüência de ser realizado; ele já aboliu toda crença na primazia ilusória do principio inferior positivo, o ‘bem’. Sua conduta não é a do homem que se ‘domesticou’ para ser um ‘santo’; o comportamento deste, fixado, imitativo, sistematizado, pode acabar causando mais destruição do que construção. A conduta do homem realizado, ao contrário, gera mais construção do que destruição, sem que isso seja, em absoluto, uma meta para ele, pois decorre de sua realização e sua atividade se ajusta, de maneira totalmente adequada (ação correta) às circunstâncias. Em resumo, a ética verdadeira é resultado da percepção da Realidade intemporal. Antes disso, toda ética é prematura (forçada, imitação, falsa) e obstáculo (por exigir esforço, força de vontade), pelas restrições que estabelece (o eu está ativo, envolvido num esforço de vir a ter virtudes, ética), à obtenção do satori (iluminação) e de sua ética perfeita. A ética prematura é obstáculo ao satori porque provoca destruição da energia psíquica necessária à sua obtenção, já que exige, daquele que não é virtuoso, esforço para agir como se o fosse.

Isso não significa que o homem que se dedica à sua libertação deva anular sua preferência afetiva pelo ‘bem’ (deve abandonar toda e qualquer preferência) Ele deve aceitar essa preferência com a mesma compreensão e neutralidade com que deve aceitar toda sua vida interior; ele não deve transformar, essa preferência afetiva, numa parcialidade intelectual que seria obstáculo ao estabelecimento de sua paz interior. Não estamos condenando as doutrinas ‘espiritualistas’ que exaltam a virtude, porém o homem deve pensar e agir como considera que deve fazê-lo. Dizemos, apenas, que essas doutrinas, por si mesmas, não levam à obtenção do satori (devido à imposição e mandamentos e regras). Se deseja o satori, o homem deve buscar transcender, pela compreensão, toda doutrina que ensina qualquer parcialidade entre positivo e negativo (entre certo e errado). (Não esqueçamos que antes do satori, toda virtude é prematura e, por isso, forçada, não passando de imitação ou de obediência imposta pela sociedade e pelas religiões). (só não é prematura quando advém da experiência máxima).

O Zen afirma: ‘O caminho perfeito não oferece nenhuma dificuldade, exceto a de recusar toda preferência... (mesmo a preferência ao bem ou ao mal). A mínima preferência pode fazer céu e terra se separarem’ (nos traz de volta ao plano da dualidade ilusória).

As religiões afirmam que o homem deve lutar pela sua salvação, verdadeira contradição pois, então, o homem estaria sujeito (preso) ao dever de ser livre. E todos acreditam nisso que as religiões ensinam tanto que, em geral, o homem treme ante a possibilidade de morrer sem haver atingido a perfeição moral. Vê-se que o homem não pensou que um dever é sempre imposto por uma autoridade. Os religiosos dirão que essa autoridade é ‘Deus’. Mas, quem é esse Deus que, ao me impor algo, é distinto de mim e necessita de minha ação? Não foi ele que me criou como eu sou, sujeito a errar inúmeras vezes, mais inclinado ao mal que ao bem (como diz Teresa de Ávila)?

Assim, a angústia e a atenção do homem se concentram na questão da salvação, erro que lhe traz inquietude, sentimento de indignidade, cuidado egoísta sobre si mesmo, coisas que são obstáculos à sua paz mental, à harmonização interior, ao desapego ao próprio ego, enfim, que impedem o estabelecimento do clima interior de tranqüilidade que condiciona a obtenção do satori. Essas religiões negam qualquer valor ao temporal e se concentram em obter a felicidade após a morte, engano que, fatalmente, implica na necessidade de ensinar os outros, pois, se acredito que tenho de promover minha salvação, não posso deixar de crer que tenho de levar os outros a promoverem a sua. Na pior das hipóteses, isso gera algo como a Inquisição; na melhor, gera o nascimento de inúmeras ‘religiões’ e igrejas que, como mostra a história, se dedicaram a influenciar e a confundir a mente de homens que não as questionavam e não lhes pediam nada.

Ao contrário, o Zen afirma que o homem já é livre, que não existe nenhum grilhão a que esteja submetido; somente ilusões de grilhões. E que ele gozará de total liberdade a partir do momento em que deixar de crer que precisa libertar-se, tirando das costas o terrível dever da salvação.

Por isso, o Zen diz: ‘Não ponha nenhuma cabeça acima da sua. Não busque a verdade; pare, apenas, de apegar-se a opiniões suas ou de outrem’ (como, também, ensina Krishnamurti).

Perguntarão alguns: Se é assim, porque se esforçar para obter o satori? A resposta é: porque o satori representa o fim de todos os sofrimentos do homem. A vida, depois, será muitíssimo melhor. Não é inteligente lutar por uma vida sem sofrimentos e conflitos, de compreensão total?

O homem, que compreendeu que sua realização não é um dever, se limita a responder quando interrogado e, se toma a iniciativa de falar, ele o faz apenas para propor com discrição essas idéias, sem mostrar nenhuma necessidade de ser bem compreendido. É semelhante àquele que, sobrando alimentos em sua casa, deixa a porta aberta para que aqueles que têm fome se sirvam; se alguém entra e se serve, tudo bem; se não entra e não se serve, tudo bem também.

O homem dá muita importância ao viver e despreza o existir; imagina o existir como nada, e o viver como tudo. Na realidade, existir é que é tudo. Vejamos: minhas ações que têm por objetivo servir minha vida natural, animal, vegetativa (comer, repousar, ter relações sexuais por puro desejo animal etc.) elas me afirmam (ou seja, mantêm a minha criação) enquanto organismo em tudo semelhante ao organismo de todos os demais animais, enquanto vivo do ponto de vista cósmico, enquanto engrenagem universal. Mas, todos os dias, ao lado dessas ações, realizo outras que não servem à minha vida vegetativa e nada têm a ver com ela; amiúde até a contrariam. E seu objetivo é me tornarem diferente (sempre para melhor) de qualquer outro homem, isto é, é me afirmarem como indivíduo diferente dos demais, egoisticamente. No entanto, considero vazias de sentido minha vida vegetativa e todas as ações pelas quais sirvo a essa vida (a isto que constitui, aos meus olhos, o existir desprezível), e considero cheias de sentido as ações que me diferenciam dos demais (pois constituem para mim o viver desejável e valioso). Não vejo importância em mim enquanto um eu universal, mas a vejo enquanto sou um eu particular. Por isso, fundar o sentido de minha vida nos meus fenômenos vegetativos e nas ações a eles relacionadas, é considerado absurdo; enquanto que, fundá-lo nas ações que me tornam homem distinto dos demais (melhor, mais forte, belo, poderoso, inteligente, rico, respeitado, sedutor etc.) é considerado sensato.

É evidente, para quem reflete de modo imparcial, que essa visão está errada. Ela supõe que meu organismo particular seja o centro do universo; mas, apenas a Causa Primária é esse centro, e meu organismo nada mais é que simples elo na imensa cadeia de causas e efeitos cósmicos (na qual todos os seres e eventos estão interligados e são interdependentes). Na verdade, só poderei ver o sentido real de meu organismo ao considerá-lo do ponto de vista do universo, enquanto homem universal e não particular; enquanto semelhante a qualquer outro e não enquanto distinto dos demais.

O homem realiza o existir mas, segundo ele, apenas porque o existir é condição necessária ao viver; assim, ele come, repousa, se abriga, somente porque, sem isso, não poderia afirmar-se, egoisticamente, como homem distinto. Ele só faz essas ações banais, comuns a todos, para ter forças e condições de executar as ações necessárias, segundo pensa, para o viver; ele age como quem acredita que só existe para viver. E, fundando o existir no viver, contraria a ordem real das coisas, pois funda o real no ilusório.

Parábola Zen: ‘Um homem estava sobre a colina. Três viajantes, de longe, viram-no e imaginavam o que ele estaria fazendo ali. Um disse: ‘Ele deve ter perdido seu cavalo. ’ O outro: ‘Não, ele deve estar procurando seu amigo.’ E o terceiro: ‘Ele está lá em cima para gozar do ar fresco.’ Como não chegassem a um acordo, foram até o alto da colina. Um perguntou: ‘Porque estás aqui nesta colina? Perdeste teu animal?’ ‘Não, não o perdi. ’ O outro: ‘Perdeste teu amigo?’ ‘Não, não o perdi. ’ E o terceiro: ‘Então estás aqui para gozar do ar fresco?’ ‘Não, não estou. ’ ‘Porque então estás aqui se respondes ‘não’ a todas nossas perguntas?’ O homem que estava sobre a colina respondeu: ‘Estou aqui, simplesmente’. (Esse ‘estou aqui, simplesmente’ envolve toda a filosofia zen; para o zen, não há objetivos, mas possibilidades de objetivos: se acontecer, tudo bem; se não acontecer, tudo bem, também; mas, o profano julga absurdo estar fazendo alguma coisa sem objetivo, ‘estar aqui, simplesmente’).

Para o ser humano comum, em particular o ocidental, ‘simplesmente estar ali’ não tem qualquer sentido, já que ele não faz nada lá, isto é, já que não busca ali nenhuma afirmação egotista, que é o motivo pelo qual, em geral, todos nós agimos. O homem procura sempre ‘agir’ egoisticamente, para se firmar como homem-distinto, desprezando o existir e buscando, a todo custo, o viver. Contudo, para encontrar paz interior, o homem deve reconsiderar tudo isso, perceber o vazio de todas as suas opiniões (crenças, suposições), de seus juízos de valor e, assim, libertar-se do fascínio da afirmação egoísta (do ego), do vazio do viver e dar-se conta da realidade do existir universal. Ele é a ‘fonte fundamental’ quando, através do seu organismo total, mente-soma, aceita ser apenas o que é: um fenômeno, emanação passageira dessa fonte, destituída de qualquer interesse especial e cujo destino, como indivíduo, não tem a menor importância (como Krishnamurti: a morte do homem não tem significado).

Todas as funções do organismo trabalham para a manutenção da existência do organismo. Todo o viver converge para a ação; a máquina humana foi feita para agir. Isto é, o organismo procura, através da ação, manter sua existência. Suas ações, voluntárias e involuntárias, servem para manter o organismo funcionando, servem para o existir; o homem age para obter alimento, moradia, abrigo, vestuário etc. Percebida a ilusória utilização das ações do homem para sua afirmação egotista como-ser-distinto, vê-se que suas ações, para as quais se dirigem toda energia e arquitetura de seu organismo, só servem para evitar a cessação de sua existência, evitar a morte. Há outras ações que têm a mesma utilidade, mas de forma menos evidente. São aquelas que diferenciam o homem dos outros animais: descobertas científicas, criações artísticas, busca intelectual da verdade, do bem, do belo. Ao tenderem para a melhoria de suas condições, o bom, o belo, o verdadeiro, servem também ao existir, já que o homem deles obtém o abrandamento de suas inquietações, a quietude harmoniosa de seu organismo. Em resumo, o organismo, tende, através da ação, a continuar sua existência. Todas as ações do organismo só objetivam essa continuidade. O viver, ao lado do qual o existir parecia nada, não tende senão ao serviço desse mesmo existir.

A ação emana da existência e serve a ela. Mas, isso quer dizer que a existência não tem nenhum objetivo, a não ser ela mesma? (Aqui é feita abstração da utilidade cósmica da existência, utilidade de que o homem comum não tem qualquer consciência; mas, os iluminados têm).

Concebida, assim, como causa primeira de meu organismo, a minha existência transcende a totalidade dos meus fenômenos, isto é, independe completamente da continuação ou da morte do meu organismo (minha existência não é afetada pela morte do meu organismo). Assim, a morte não tem nenhum significado (essa é a afirmação dos místicos). Isso permite compreender que o medo da morte, que reside no homem e forma o centro de toda sua psicologia, se relaciona com o absurdo desprezo que esse homem tem ao seu existir. Teme perder a existência porque, com relação ao agir, ao viver, considera nulo o existir, mas é no existir, na existência que está o Princípio Absoluto. É incapaz de suportar a subtração que é a morte, que lhe parece um infinito negativo. Se, ao contrário, perceber o valor infinito do existir, participará de maneira plena da natureza do Princípio, será conscientemente infinito e, portanto, terá como nula a subtração que é a morte (aqueles que chegaram lá sabem que a morte nada significa; Paulo: a vitória sobre a morte). Agarrado à ilusória realidade do viver e temendo a morte, o homem criou angustiantes perguntas e crenças sobre um ‘pós-vida’ (como ressurreição, reencarnação, céu, inferno, carma, satanás, anjos etc.).

Monge: ‘Há um caminho particular para se trabalhar no Tao?

Mestre: ‘Sim, há um caminho: Quando se tem fome, come-se: quando se está cansado, descansa-se. ’

Monge: ‘Mas, isso é o que fazem todas as pessoas; então elas seguem o mesmo caminho que tu?’

Mestre: ‘Não é o mesmo caminho, porque quando comem, elas não se limitam a comer, elaborando toda espécie de imaginação. Quando descansam, não se restringem a fazê-lo, dando livre curso a mil pensamentos ociosos. Eis porque o caminho delas não é o meu caminho. ’

O homem comum só tem consciência de imagens; assim, o fato de ser inconsciente do existir não surpreende. Ele não tem consciência daquilo que nele é real e só a tem daquilo que nele é irreal. A obtenção do satori é apenas a tomada de consciência de existir, hoje inconsciente nele, tomada de consciência da Realidade única e fundamental da vida vegetativa universal que é a manifestação do Princípio Absoluto (‘Isso’ que Eu sou é infinitamente mais do que meu ‘eu’). É a isso que o Zen chama ‘ver em sua própria natureza’.

O homem comum tem de obter a percepção imediata do valor infinito da vida vegetativa pela desvalorização total da sua vida egotista. O trabalho interior necessário para isso consiste apenas em desfazer todas as ilusórias crenças egotistas que lhe mantêm fechado o ‘terceiro olho’. Isso porque para o homem o que é importante é o viver; para ele viver são imagens, pensamentos, ilusões, memória, competições, emoções, adrenalina, ideais, expectativas, ao passo que o existir é morte (o fato, as sensações sem emoções, sem associações nem imaginações).

O homem conhece, indiretamente, a realidade do existir (vida vegetativa) ao perceber, de modo direto, as flutuações ou variações que ameaçam os fenômenos que constituem essa vida. Por exemplo, quando tem fome percebe diretamente a ameaça que a falta de alimento faz pairar sobre sua existência vegetativa. Se não sentisse fome, não teria consciência de que sua manifestação fenomênica está ameaçada. Através da fome, tem consciência indireta de sua existência vegetativa. A alegria e a tristeza de suas afirmações e negações egotistas significam reduções e ampliações da ameaça que o mundo exterior faz constantemente pairar sobre a totalidade de sua vida vegetativa; alegrias e tristezas são, portanto, tomadas indiretas, percepções da consciência de sua existência vegetativa.

Em suma, todas as flutuações positivas ou negativas de como me sinto (disposição, humor, saúde etc.) resultam das variações da pura e perfeita alegria vegetativa fundamental. Isso só é sentido, de forma indireta, nas flutuações do sentimento de segurança ou insegurança relativas à minha vida vegetativa. A percepção direta dessa perfeita alegria vegetativa anula todo medo da morte, medo que vem da evocação mental imaginativa da morte; mas a percepção direta da realidade da existência anula todos os fantasmas imaginados e inventados pelo homem, referentes a um passado ou futuro sem realidade presente. Com o satori, o homem sente a pura e a perfeita alegria somente pelo fato de existir enquanto existe.

Não temos diretamente consciência de nossa existência, mas apenas de suas variações fenomênicas. É a crença na realidade absoluta dessas variações que nos separa da consciência daquilo que está sob essas variações (e que nunca sofre variações: a existência numênica, princípio da existência fenomênica). Devemos compreender a perfeita igualdade dos fenômenos opostos (alegria-tristeza, segurança-insegurança, vida-morte, construção-destruição etc.) diante do que é sob essas variações. O Zen diz que a escravidão do homem reside no desejo de viver. E é possível observar em muitos seres humanos o terror de desperdiçar a vida, quando, na verdade, nela nada há a desperdiçar ou a aproveitar, pois ela é o que é.

Quando se observa com imparcialidade, o homem percebe que não é o autor consciente e voluntário de seus sentimentos e pensamentos, que são tão somente fenômenos que vêm a ele. Numa observação criteriosa, o homem perceberá que seus pensamentos chegam a ele. Assim, não somos responsáveis nem mesmo por nossos pensamentos e, em conseqüência, nem por nossas ações, pois não somos seus autores voluntários; portanto, nada fazemos livremente, nada fazemos por nossa decisão ou escolha, isto é, a escolha não é nossa (como diz, hoje, a nova física e Krishnamurti que afirma: ‘aquele que escolhe é imaturo’, e a bíblia: ‘É o Senhor que opera em nós o pensar, o querer e o fazer’).

Contudo, o homem julga que pode fazer alguma coisa para diminuir os sofrimentos que o acometem, sobretudo porque sente, ligada a eles, em particular aos sofrimentos morais, uma angústia fundamental, da qual as alegrias são apenas tréguas passageiras. Em sua busca de como se livrar desses sofrimentos, verifica que a maioria dos ensinamentos, que admitem ser possível tal libertação ou salvação, se baseia na teoria errada de que é preciso fazer, aos poucos, evoluir sua consciência através de um trabalho especial (aquisição de virtudes etc.); que deverá transcender a si mesmo, no decorrer da vida, até obter o aperfeiçoamento moral necessário.

Segundo o Zen, o homem nada necessita fazer (para sua salvação) pois, desde sempre, ele possui ‘a natureza de Buda’ (Jesus: ‘o reino de Deus está dentro de vós’, e Paulo: ‘não é por vossas obras que sois salvos, mas pela graça de Deus’). Há nele tudo o que é necessário para ter o percebimento de que sempre foi e sempre é livre. Mas, a condição do homem ao nascer comporta certa modalidade de desenvolvimento que traz um hiato, uma não-união entre soma e psique. Com isso, ele não goza da consciência absoluta que é, no entanto, plenamente sua. Não que lhe falte alguma coisa; a máquina está completa, perfeita. É necessário, apenas, estabelecer a reunião das duas partes, e isso é feito por um trabalho interior, progressivo e que pode ser longo, mas o despertar é instantâneo e fulgurante. É um voltar a si, um abrir os olhos à realidade que sempre esteve aqui. Embora possa durar bastante tempo, o homem obtém, já durante o trabalho, uma redução do sofrimento que resultava da crença de que não é livre.

O homem é um organismo psicossomático (soma e psique, corpo e mente). Quando a mente ainda não está concluída, a criança não tem consciência da distinção entre o eu e o não-eu. Mais tarde, adquire consciência dessa distinção, o que constitui verdadeiro traumatismo. Antes, não havia nenhuma existência autônoma frente a ele; portanto, sua existência nada tinha a temer; mas, de súbito, percebe, ao tomar contato com o obstáculo do mundo, que há coisas que existem independentemente dele e que, por isso, lhe parecem ameaçadoras. Nesse instante surge o medo da morte, do perigo que o não-eu representa para o eu, o que provoca no eu um estado afetivo de guerra contra o não-eu. O indivíduo deseja existir e deseja a destruição daquilo que não lhe é favorável e que existe fora dele. A criança se afirma ao dizer ‘eu; não você!’. O eu é tudo que é favorável à existência do indivíduo; o não-eu, tudo o que é desfavorável. Há dois campos opostos e o que está em jogo, em última análise, é a sua continuidade ou cessação, a vida ou a morte. Nessa fase, o indivíduo passa a ser inteiramente parcial, nunca se colocando no lugar do outro. Daí vem o comportamento das crianças, totalmente afetivo, egoísta e irracional.

Na chamada idade da razão, a mente torna-se capaz de percepções abstratas, gerais, imparciais; pode colocar-se no lugar do outro e imaginar um bem distinto da afirmação do eu sobre o não-eu. Pode sentir impulsos para idéias de Bem, do Belo, do Verdadeiro. Mas, nesse momento, todos os poderosos mecanismos afetivos de auto-afirmação já estão alicerçados sob uma perspectiva inteiramente egotista e parcial. A parte puramente animal do começo já está solidamente estruturada e é radicalmente contrária à parte abstrata quando esta surge. Não existindo a união das partes, o indivíduo não pode usufruir uma consciência una, íntegra. A parte abstrata, isolada da parte animal, não imagina senão formas sem substância, imagens, entre elas uma imagem ideal, divina, bela, boa e verdadeira (o eu, alma, espírito) que, não havendo um justo amor de sua parte abstrata por sua parte animal, o homem passa a adorar e imitar. Surge o amor-próprio, amor de sua parte abstrata por uma imagem, ideal e sem realidade, de si mesmo, o ego (espírito, alma).

Graças à imaginação, cria um mundo subjetivo (interior, imaginado) que lhe é mais favorável, que reduz a competição com o não-eu, e o homem se torna civilizado, adaptado, aceitando a vida em sociedade com todas suas incoerências e absurdos, com isso suavizando a luta contra o não-eu. Mas, a situação se torna grave quando os mecanismos adaptativos (entre eles acordos entre o eu e o não-eu, leis e regras e costumes sociais civilizados) esgotam sua eficácia, e o homem, pelo medo do fracasso, não consegue mais negar suas pretensões de vencer o não-eu. A vida frustrou, pouco a pouco, suas esperanças de ser recompensado por ter sido gentil, bom, sábio; sofreu infelicidades que considera injustas, e deixa de crer naquelas fantasias. Retoma o combate, mas sente que, por isso, a parte abstrata (alma, espírito) como se estivesse do lado do inimigo, o repreende muitas vezes. O homem fica, então, mais dividido ainda. Há aqueles que procuram esquecer a parte abstrata e passam a viver em confortável egoísmo, os materialistas; e aqueles cuja parte abstrata é mais forte e passam a viver em confortável renúncia altruística, os espiritualistas.

A parte abstrata, a mente, foge da realidade, crendo numa salvação futura, frente à resistência do mundo exterior inabalável e negador. Foge para o mundo da imaginação, imitando o que outros fizeram e disseram antes. Assim, o fracasso total é ‘evitado’ pela mente, mas sua imagem persiste indefinidamente diante dela. Portanto, a imaginação tem, frente à angústia, papel protetor da parte abstrata (espírito, alma) que se desvia da luta prática pela existência, a parte animal padecendo mais ainda o medo da morte, já que a deserção da parte abstrata a deixa só diante da agressividade do não-eu. Portanto, a imaginação protege o ego, que não existe, pois é ilusão, e oprime a máquina, que existe, que é real.

Toda e qualquer angústia ou sofrimento moral que atormenta o homem é ilusório. É causado pelo ‘filme’ emotivo-imaginativo, isto é, pela própria imaginação do homem, que não cessa de ‘fluir’, criação artificial da mente. O homem só procura ‘divinizar-se’ no plano temporal porque ignora sua essência divina real. Nasce desconhecendo sua origem e se convence de que não é mais que esse corpo limitado percebido pelos sentidos e, muitas vezes, sofre na vida por se julgar esquecido por Deus quando, na realidade, ele é o próprio Deus. Angustia-se no plano temporal buscando afirmações divinizantes que, nesse plano, não podem ser encontradas, sem, contudo, perceber que não buscaria a Realidade se não participasse de sua natureza, pois não se pode sentir falta de alguma coisa se não se tiver consciência dessa coisa, mesmo inconscientemente.

Portanto, sendo ilusórias as causas da angústia, esta também é ilusória. Podemos experimentar, de modo direto, esse caráter ilusório da angústia. Experimente: se no momento em que sofro ‘moralmente’, descanso num lugar tranqüilo e desvio a atenção do meu ‘pensar’ para o meu ‘sentir’, deixando de lado todas as imagens mentais, e me esforço para perceber, em mim, o famoso sofrimento ‘moral’, nada encontro. Tudo que percebo é alguma fadiga geral, fruto da ansiedade em que me encontrava e do desperdício de energia produzido no ‘medo da morte’. Quanto mais atenção ponho no ‘sentir’ a angústia, retirando a atenção do meu filme emotivo-imaginativo, menos a sinto. Verifico, então, que a angústia é totalmente irreal.

O contrário ocorre no sofrimento físico. Se tenho uma ferida dolorosa, quanto mais tiro a atenção do ‘sentir’ e a ponho no ‘pensar’, desviando assim a atenção da dor, tanto menos sinto a dor. E, quanto menos imagino, desviando a atenção do pensar, do imaginar, para o sentir, tanto mais intensa sinto a dor. Isto porque a dor física é real, e não ilusão como a angústia. Não é que não haja percepção da dor moral; há, mas é ilusória. Quando, no deserto, se vê a miragem de um lago, não se pode dizer que a miragem não está sendo vista, mas é uma ilusão. Quando tenho um sofrimento ‘moral’, eu o percebo, mas o que percebo é ilusão, é fruto da minha imaginação.

Assim, na dor física, quanto mais imagino outras coisas, desviando a atenção da dor, menos sofro; na dor moral, quanto mais imagino ou penso sobre a questão que me abate, mais sofro; se procuro senti-la, ela some. Angústia, sofrimento moral, irritação, violência, procure senti-los e eles somem, porque são irreais, são ilusões.

Há, no imaginar, o medo da morte, que desgasta a energia vital e, assim, diminui a reserva de energia do organismo; ocorre, então, um dano a este. Não é o mesmo dano causado pela dor física; esta afeta uma parte do corpo enquanto um agregado de partes. O sofrimento moral, que dissipa a energia, afeta o organismo como um todo, o que não se revela, na sensibilidade orgânica, por nenhuma dor específica, mas por fadiga, queda da vitalidade, mal-estar depressivo geral. A par disso, surgem, na mente, imagens desagradáveis, ameaçadoras. O sofrimento ‘moral’ resulta disso: associação dessas imagens com o estado depressivo. O desperdício da energia orgânica caminha, evidentemente, para a ausência total de energia vital, que é a morte. As próprias imagens desagradáveis têm um sabor de morte. Aí é que reside a ilusão de que sou vítima. Percebo a negatividade que se aproxima e me ataca, e estou convencido de sua existência real; entretanto, ela não existe senão em minha mente, como não existe o lago na miragem do deserto.

Na angústia, é a imaginação que toma a iniciativa do processo. Uma depressão de causa fisiológica pode favorecer o surgimento da angústia (o humor pode ficar ruim durante todo o dia se não dormimos bem à noite); mas, sempre, a angústia depende da mente, pois se ponho minha atenção para ‘senti-la’, só me sinto cansado, e não angustiado.

Na angústia, o homem tem a atenção voltada para o filme imaginativo, com o qual tenta escapar do perigoso ‘não-eu’. O gesto interior, pelo qual desloco minha atenção do ‘pensar’ para o ‘sentir’, é uma virada radical, de 180 graus; viro as costas à imaginação, e passo a olhar para a direção da qual vinha a angústia; digo ‘vinha’ porque, no instante em que dou essa virada, isto é, em que coloco a atenção no ‘sentir’, o filme imaginativo mental iniciador do processo pára, a angústia cessa e só persiste certa fadiga geral. Só existe o fantasma da angústia enquanto não o encaro de frente; quando ouso fitá-lo, vejo que ali nada existe.

Esta compreensão é de utilidade para a realização intemporal, a única solução para acabar com os sofrimentos ilusórios do homem, pois o satori exige o estabelecimento de uma calma perfeita na mente daquele que vive sob as influências do ego em toda plenitude. O homem deve compreender, também, que todos os esforços para a obtenção do satori são inúteis. O satori só acontece quando a mente está livre (e por isso está calma), de preocupações, imaginações e emoções, que produzem funcionamento mental descontínuo, pois só a mente que funciona com continuidade está apta para o despertar.

Emoção, imaginação, pensamento, lembrança, nascem da desatenção, causadora de perda de energia vital do organismo; são como curtos-circuitos, que causam perda de corrente. Quando me esforço para perceber a sensação de que existo, sensação que é quantitativamente variável, minha atenção está ativa e não há emoções nem imaginações; não há desatenção e não há perda de energia. Cessada a atenção, as emoções imediatamente voltam, e a perda de energia recomeça.

Embora minha sensação informal de existir varie quantitativamente - indo da exaltação à aniquilação - devo fazer um esforço especial de atenção para perceber as formas mentais que manifestam esses estados extremos e suas variações. Quando a mente está passiva, isto é, ‘desatenta’, ela fica presa aos estados mentais, o que a deixa agitada, descontínua, sujeita a curtos-circuitos e às conseqüentes perdas de energia.

Para habilitar-se ao satori, o homem precisa despertar, sem cessar, a possibilidade que tem, e que sempre tende a adormecer, de perceber, sob as formas de seus estados (psíquico: moral, humor; e físico: saúde, disposição, energia etc.), essa sensação informal, mais ou menos positiva ou negativa, de existir. Essa atenção isola a mente dos curtos-circuitos e a protege da agitação de sempre, fato que traz a calma necessária para o satori. Para isso, o homem deve tentar, sem cessar, um esforço especial para sentir que existe, que ‘é’, no centro de tudo, no ambiente em que estiver. A sensação informal imediata da existência (vegetativa) é a percepção mais simples que pode haver. Não é necessário parar o que está fazendo no momento; apenas ‘sentir que existe’ no próprio centro do ambiente em que se está. Quando a calma se estabelece de maneira profunda, as condições interiores tornam-se favoráveis à eclosão do satori, no qual todos os dualismos se conciliam e todos os sofrimentos cessam.

É impossível descrever essa sensação interior, a percepção imediata e informal do grau de existência do momento, justamente por seu caráter informal (sem forma). Se pergunto: ‘Como se sente, física e moralmente, neste instante?’, você se cala por dois segundos e depois fala algo como ‘Mais ou menos’. Dos dois segundos em que você ficou calado, o segundo não nos interessa, pois foi o tempo que você usou para por em uma forma exprimível a percepção que você teve do que nos interessa, daquilo que não tinha forma ainda, daquela sensação interior informal do primeiro segundo. No primeiro segundo é que você ficou atento e, por isso, percebeu aquilo que de fato importa: a percepção imediata e informal do seu grau de existência do momento. Como não temos consciência dessa percepção (ainda sem forma e, portanto, inconsciente), e só a temos das formas dela derivadas, só mediante um esforço especial de atenção podemos percebê-la.

O homem deve ativar sua mente formal numa tentativa perseverante de perceber, para além de seus limites, o informal, tentativa que, apesar de absurda em si mesma, leva um dia ao desencadeamento do satori, não como resultado do sucesso dos esforços feitos, mas, ao contrário, como resultado do fracasso definitivo desses esforços. Isso se assemelha à situação do homem que está separado da luz por uma parede e que só pode ver a luz tornando a parede cada vez mais alta; chega um dia em que todos esses absurdos esforços levam a parede a tal altura que ela desmorona bruscamente, queda triunfante que mergulha o homem na luz.

Esse esforço absurdo é que devemos fazer quando nos empenhamos em perceber nossa sensação informal de existir-mais-ou-menos em todos os momentos do nosso dia. Com esse esforço, aprendemos, não a fazer algo novo, mas a deixar de produzir as costumeiras e inúteis agitações interiores, o que trará a calma indispensável para a eclosão do satori, que é a mais alta realização do ser humano (ver, também, Jung).

O determinismo total cósmico age no plano dos fenômenos e no nível universal; só o imaginamos como ordem total; a totalidade dos fenômenos positivos equilibra-se com a totalidade dos fenômenos negativos. Cada fenômeno se integra numa totalidade na qual é equilibrado por um fenômeno exatamente oposto e complementar.

Já a ‘ordem’ do determinismo desordenado relativo aos fenômenos que percebemos no espaço-tempo não é ‘real’, pois é parcial. Porém, o homem, ignorante, toma o que vê pelo ‘real’ e, assim, acredita na realidade única do parcial tanto que o denomina ‘determinismo’. Por outro lado, esse homem tem certa intuição inata da Realidade, o Princípio Supremo, que imagina dotado de liberdade. Como, para ele, o determinismo só existe no nível parcial, pois nem mesmo imagina o determinismo universal, opõe o único determinismo que conhece à liberdade do Princípio Supremo. Assim, chega ao dualismo da oposição determinismo-liberdade, que é totalmente ilusório. Mesmo julgando-se separado, o homem deseja ser livre, sem compreender que é, justamente, sua libertação do determinismo parcial que o levará ao determinismo total e à percepção da inseparabilidade.

Aquém do ato livre adequado existe toda uma hierarquia de atos que são mais ou menos adequados de acordo com a maior ou menor amplitude do determinismo que a eles preside. No ponto mais baixo dessa hierarquia está o ato puramente instintivo, automático, sem nenhuma reflexão, no qual opera uma espontaneidade que está aquém da reflexão. Após, com a intervenção freqüente da reflexão, a espontaneidade inferior desaparece pouco a pouco, e o ato torna-se mais e mais adequado às circunstâncias, até que, com o satori, o ato conquista uma espontaneidade inteiramente nova e torna-se perfeitamente adequado à totalidade espaço-temporal do universo fenomênico, superando-se qualquer reflexão (não há mais escolha; o ato praticado é o único que poderia sê-lo). Quanto mais aumenta o rigor do determinismo, mais e mais o ato é sentido como interiormente livre, até que não há mais restrições e o ato é rigorosamente livre. Portanto, meu ato é interiormente tanto mais livre quanto mais rigorosamente definida a razão pela qual tenho de agir.

(Não é verdadeira a renúncia enquanto se atribui um valor àquilo a que se renuncia.).

Atenção total. Tentativa de ver tudo sem imagens, isto é, com atenção total. É esse esforço absurdo, mas necessário, que devemos fazer quando nos empenhamos em perceber nossa sensação informal de existir-mais-ou-menos no decorrer de todos os instantes de nossa vida.

Quando o homem se ‘realizar’, seu organismo psicossomático deixará de ser regido apenas pelas leis do determinismo parcial e passará a sê-lo, também, pela lei do equilíbrio cósmico universal, lei sobremodo ordenada, princípio de todas as leis aparentemente desordenadas do determinismo parcial. No momento em que me ‘realizo’, deixo de sofrer restrições, não porque o que me restringia foi destruído, mas porque se ampliou infinitamente e veio coincidir com a totalidade na qual o ‘eu’ e o ‘não-eu’ são apenas ‘um’, e a palavra restrição perdeu todo sentido. O homem, após o satori, só pratica, em qualquer circunstância, a ação perfeitamente adequada e correta de acordo com os princípios cósmicos. Nisso está a perfeita liberdade (não há mais reflexão nem escolha). Na medida em que diminui minha liberdade ‘exterior’ de resposta, aumenta minha liberdade ‘interior’. Minha vontade é tanto mais livre quanto mais rigorosamente definido é o que tenho a fazer (como ensinam, também, o bramanismo, a Meditação Transcendental e Krishnamurti).

Para o Zen, deve-se recusar qualquer disciplina ‘particular’ (moral, crenças, religiões, virtudes etc.); deve-se aceitar a disciplina ‘total’, que consiste exatamente em recusar toda disciplina particular. Por isso, ensina o Zen: ‘Deixe de cultivar opiniões’, ‘O caminho perfeito rejeita toda preferência’, ‘Desperte a mente sem fixá-la em nada’.

No estado egotista fundamental, ‘viver’ é afirmar o ‘eu’, é tentar vencer o ‘não-eu’, vitória material pela aquisição de bens materiais, fama e respeito (domínio do ‘eu’ sobre o ‘não-eu’; obtenção da glória que ‘imortaliza’ o ‘eu’ separado, o homem particular). O estado afetivo fundamental original do homem comum é simples: ele ama o seu ‘eu’, em oposição ao ‘não-eu’, e odeia o ‘não-eu’ que, julga, se opõe ao seu ‘eu’. Quanto mais o homem progride no auto-conhecimento, mais esses amores perdem valor e eficácia, o que faz com que o ‘eu’ e o ‘não-eu’ se aproximem, até que, no limite da compreensão, o ego explode no satori, se dissolve no todo, aniquilando-se e realizando-se ao mesmo tempo, quando percebe que o ‘eu’ e o ‘não-eu’ são uma coisa só (nós somos o universo).

As percepções particulares, advindas das sensações do mundo exterior, interpretadas pela imaginação, dependem de meu estado psicossomático (condições mentais e fisiológicas, isto é, dos efeitos produzidos pela boa ou má saúde, insônia, má digestão, álcool, drogas, preocupação, irritação, nervosismo, tranqüilidade etc.) Minha atenção se divide entre duas preocupações: minha afirmação frente à ameaça do mundo exterior, e a ‘avaliação’ interior do resultado favorável ou desfavorável dessa ameaça relativa à continuidade ou à cessação de minha existência vegetativa. No caso do neurótico, tão grande parcela de sua atenção se ocupa com a continuidade ou cessação de seu processo de ‘ser’, e lhe resta tão pouca atenção para o contato com o mundo exterior, que ele tem a impressão que esse mundo é irreal e se sente impossibilitado de se concentrar numa vida normal.

Toda angústia resulta do encontro com o ‘não-eu’ e traduz o medo de ser vencido nesse encontro. O homem não realizado só tem consciência dos fenômenos e, portanto, não está consciente daquilo que os transcende. Ainda que esteja feliz por estar se afirmando, momentaneamente que seja, no antagonismo eu/não-eu, sempre persiste a dúvida se conseguirá manter-se nessa condição. Mas, essa angústia é irreal, não existe, embora pareça existir, e todos os seus fenômenos afetivos se passam como se ela existisse.

Mas, à medida que avanço no auto-conhecimento, numa compreensão correta da vida interior, passo a vincular meu sofrimento, não mais com o que me acontece de forma pessoal, mas com minha condição de homem universal. As angústias se hierarquizam numa escala qualitativa segundo o grau de profundidade de minha compreensão. E, quando essa compreensão atua efetivamente em mim, cessa o processo do meu ser ou do meu nada pessoais, isto é, na medida em que as causas da minha angústia se universalizam em minha compreensão, nessa medida deixo de sofrer. Assim, a compreensão, aos poucos, nos liberta da angústia; quanto mais compreendo que minha angústia depende de uma condição que não se refere de forma específica a mim, tanto mais se desfaz em mim o absurdo e angustiante processo ‘ser ou não ser’ (o medo) do qual provinham todas as minhas angústias. A compreensão dissipa todos os fantasmas desse ilusório processo e atenua progressivamente todas as emoções que daí vinham. Assim, caminhamos para o satori. Segundo o Zen, o que anuncia sua chegada são estados interiores de serenidade, de neutralidade afetiva (indiferença), até que a dolorosa angústia se transforma na perfeita alegria de existir.

A essência do trabalho interior é tentar perceber, a todo instante, além de toda a forma, interiormente, a sensação de existir-mais-ou-menos-que-instantes-atrás. ‘Veja em sua própria natureza. ’ O ‘terceiro olho’ está fechado e é preciso, com atenção, olhar para o interior, de modo a eliminar a sua contração para que eu possa ver, definitivamente, em minha própria natureza. Esse ‘olhar’ é o esforço para ‘ver’ a sensação informal de existir-mais-ou-menos, que um dia vai desencadear o satori. Essa sensação não tem continuidade pois, mal me chega na sua pureza informal, me escapa, derivando para percepções formais. Assim, só percebo meu estado de existência do instante. Falta-lhe continuidade, a dimensão temporal, que devo conquistar pelo treinamento, para que a percepção de existir seja uma percepção contínua, uma consciência real.

Assim, a percepção de existir ao meu alcance, hoje, é limitada ao instante presente. Varia incessantemente de acordo com as incessantemente variáveis relações com o mundo exterior. E minha consciência só colherá o fruto do satori quando chegar a perceber a continuidade dessa percepção que é o espetáculo de minha criação. Diz o Vedanta, ‘quando eu me tornar o espectador de meu espetáculo’. Em suma, torne cada vez mais freqüentes essas percepções instantâneas de existir-mais-ou-menos-que-instantes-atrás para que haja uma percepção contínua que será, então, pura percepção de existir. O olhar interior é ver se, em conjunto, psique e corpo, me sinto melhor ou pior que instantes atrás. Não importa se estou melhor ou pior; o que importa é obter uma percepção contínua dessa oscilação do melhor para o pior e vice-versa, do sentir-me feliz para o sentir-me infeliz, do recear para o estar confiante etc. E só me é possível perceber esses estados variados de existência quando as variações não dependem de minha atividade e sim da atividade do ‘não-eu’, do mundo exterior, coisa que só acontece quando me relaciono com atenção ativa com esse mundo. Portanto, sinta-se no próprio centro de sua ação, onde quer que seja e em qualquer tempo.

Agora, podemos compreender porque o Zen diz: ‘Tao (o caminho) é nossa vida do dia-a-dia’. Uma historieta: ‘Certo dia, um monge pediu ao mestre que o instruísse no Zen. O mestre perguntou: ‘Você não almoçou?’ ‘Almocei. ’, disse o monge. ‘Pois, então, vá lavar sua louça. ’ Nada de extraordinário a fazer, mas as coisas do dia-a-dia, porém com total atenção no que se faz. E por isso, ensina o Zen: ‘Quando estamos com fome, comemos; quando estamos com sono, dormimos; em tudo isto, onde intervém o finito ou o infinito? É só quando, cheio de inquietações, o ego entra em cena e se desmanda, que nós paramos de viver e imaginamos que nos falta alguma coisa.’ Assim, o caminho é a própria vida do dia-a-dia, nada mais.

A batalha que temos de travar é contra a desatenção, essa nossa inércia mental, geradora das inquietações interiores formais; é a luta para ir contra essa corrente, avançando aos poucos até chegar a reintegrar nossa consciência na fonte informal de nosso ser.

Vivemos, sempre, em dois planos: o das sensações, percebidas pelos sentidos físicos, que é real; e o das imagens (interpretação que fazemos do que percebemos com os sentidos físicos), que é mental, ilusório. No primeiro, o homem se assemelha a todos os outros homens; no segundo, iludido, ele pretende ser único, egotista. Em geral, sua atenção se desloca de um para outro e se aplica apenas a um em cada instante, e os filmes, reativo, do plano da sensação, e ativo, do plano da imagem, se desenrolam continuamente. Tudo o que acontece no plano da sensação, e que me dá segurança ou insegurança, influencia meu processo (ou meu medo) de ser ou de não-ser, que se trava em mim sem tréguas. Enquanto isso, o plano da imagem - que é o mundo exterior interpretado e relembrado - nasce das interpretações que dou ao que percebo no plano das sensações, associado ao que já tenho na memória.

Somente quando se adapta ao mundo exterior presente é que o homem vive simultaneamente nos dois planos (graças às rápidas alternâncias de sua atenção). Quando me esforço (com atenção) para perceber meu estado do instante de existência, verifico que essa atenção dissolve meu filme imaginativo ativo, porque minha atenção se desloca para o filme reativo. Logo, a atenção dissolve minha vida no plano da imagem, que é ilusório, purificando, assim, minha vida no plano da sensação, da percepção, que é real. O trabalho interior elimina minha vida imaginativa e valoriza minha vida orgânica, que é real. Essa dissolução progressiva da vida no plano da imagem nos leva ao despertar para a Realidade. Essa perda é terrível para nós, pois julgamos o ‘viver’, que está no plano da imagem, superior ao ‘existir’, que está no plano da sensação. Isso é como a morte (o morrer a cada instante, de Krishnamurti), uma renúncia ao ‘céu’ ilusório, a tudo que nos parecia ‘sagrado’ anteriormente. O deslocamento da atenção para o plano das sensações reais dissolve as ‘miragens’ do plano da imagem (o filme emotivo-imaginativo) que faziam com que eu atribuísse valor àquilo que não tem valor algum, pois é pura ilusão. Embora o Zen afirme que nada temos a fazer, esse trabalho interior exige atividade incessante da atenção como se estivéssemos ‘com a cabeça quente, em chamas’, o tempo todo.

Não posso conhecer a força vital que permeia sem cessar o organismo, por ser informal, mas posso percebê-la. Quando me sucede algo agradável, se consigo expulsar de minha mente todas as idéias a isso relativas, sinto em mim, diretamente, uma espécie de efervescência de vida em excesso; quando sucede algo desagradável, se consigo afastar todas as idéias a ele relativas, sinto em mim, diretamente, uma espécie de vazio, como uma torrente que me arrasta para o nada. Logo, posso levar a atenção ao ponto exato em que tem início a manifestação do nascimento, em meu ser, da energia primordial. Quando levo a atenção para perceber o que está por trás da sensação agradável ou desagradável, verifico que a agitação imaginativa (vinda da satisfação ou insatisfação) cessa. A atenção no plano formal desintegra a energia vital; a atenção no plano informal (de como me sinto, por exemplo), a mantém íntegra, a acumula, acumulação necessária ao surgimento, de súbito, do satori.

A atenção ao koan (não é este que tem importância) faz com que a mente se afaste do mundo das formas, que é o propósito dessa prática. Contudo, é necessária a atenção ao mundo real presente das formas, que produz excitação, agitação, fazendo com que a energia informal jorre de sua fonte central; levando-se, então, a atenção para o informal, que impede a desintegração da energia jorrada, esta é acumulada para o satori.

Segundo os místicos, o homem já participa da natureza de Buda; é perfeito, nada lhe falta. Mas, não se dá conta disso por estar preso no emaranhado de suas atividades imaginativas. Tais atividades são necessárias no início da vida do homem, enquanto a máquina não está ainda concluída. Mas, uma vez plenamente desenvolvida a máquina humana, a imaginação impede a acumulação de energia necessária para se chegar ao conhecimento não-dualista. Infelizmente, o homem toma o alívio momentâneo de sua angústia, proporcionado pela imaginação, como uma melhora real de suas condições, no sentido do anulamento da angústia. Na realidade, esse alívio momentâneo tem um preço: o agravamento progressivo da condição para a qual ele busca alívio. Ele crê na utilidade de suas ‘ruminações mentais’, identificado com a mente imaginativa, porque não vê nada em si mesmo além desse ‘eu’ pessoal, do qual tem uma percepção dualista. Ignora a existência em si de algo diferente do ‘eu’, invisível e que trabalha nas sombras, em seu benefício.

No entanto, quando observa a vida de seu corpo, verifica que trabalhos maravilhosos de todo tipo aí se realizam ‘espontaneamente’, sem que para isso tenha concorrido aquilo que denomina ‘eu’. Seu organismo é mantido por processos cuja complexidade desafia qualquer imaginação. Quem faz tudo isso? Se o conhecimento mediato dualista espontaneamente se desenvolveu, será que o conhecimento não-dualista não poderá também se desenvolver espontaneamente?

Para o Zen, a evolução normal do homem é espontânea e inconsciente e culmina no satori (como também afirma Krishnamurti). O Princípio age continuadamente; mas o filme emotivo-imaginativo trabalha contra esse desenvolvimento, por desperdiçar a energia. Porém, quando começamos a compreender que essa força que nos faz evoluir age espontânea e continuadamente em nós, mesmo que disso não estejamos conscientes, veremos que o mundo dos fenômenos nos oferece um interesse menos constrangedor. O Zen diz: “Desapegue-se; deixe que as coisas sejam como são. Obedeça à natureza das coisas para estar em harmonia com o Caminho.” E o homem passa a ver o mundo com ‘indiferença’ (como ensina Krishnamurti). Por nós mesmos, somos incapazes de estabelecer em nós qualquer harmonia. É o Princípio que o faz. Deixemos, portanto, de oferecer resistência com nossas atividades imaginativas e com desatenção, que o Princípio fará sua parte. E, à medida que deixo de dar atenção a opiniões, as crenças diminuem e a Fé cresce. Por isso diz o Zen: ‘O satori cai sobre vós de súbito, depois que esgotardes todos os vossos recursos’. .................................................................



Emoção e Estado Emotivo

As emoções e o estado emotivo podem ser causados por imagens, isto é, por excitações psíquicas, sutis; do mesmo modo, a emotividade pode ser desencadeada por excitações somáticas, grosseiras. Um mal estar somático pode ser a causa de minha ‘fossa’ e, seja a causa psíquica ou somática, a ‘contratura’ que ela desencadeia afeta ao mesmo tempo nossa psique e nosso corpo, o que significa que uma certa contratura muscular (dos músculos estriados ou lisos) sempre acompanha a contratura psíquica causada por imagem subconsciente, e vice-versa.

A emotividade relaciona-se sempre com alguma dúvida quanto a ‘eu ser’; essa dúvida, ‘ser ou não ser’, paira constantemente sobre meu processo que se desenrola na expectativa de uma absolvição definitiva. Na jamais adormecida subconsciência, o homem vive esperando um veredicto ilusório, do qual sente que depende sua absolvição ou condenação definitiva.

A emotividade é necessariamente negativa, é uma contratura ansiosa; a atividade da subconsciência onde ela atua relaciona-se com a necessidade do Absoluto, isto é, com a necessidade da realização atemporal. Após o satori, embora o homem ainda experimente emoções, percebe que por trás delas não está mais a presença constante da angústia; essa modificação no pano de fundo constitui uma transformação tão intensa e fundamental de toda nossa vida afetiva que não nos é possível nem mesmo imaginar os sentimentos do homem depois do satori. O trabalho interior tem em mira esse instante perfeitamente não-emotivo e de perfeita felicidade. Por isso, o homem acredita com freqüência que deve controlar as emoções, o que é um erro e inutiliza seu trabalho. Devemos, sim, refrear o estado emotivo pela aquisição de indiferença, e só a compreensão intelectual pura (meditação) é eficaz para isso. O estado emotivo é eliminado quando, atento, procuro percebê-lo.

Na prática, isso deve comportar gestos interiores reiterados, breves e sutis. Não é insistir trabalhosamente como se fosse preciso ‘apreender’ algo; nada há para ser ‘apreendido’. Trata-se de ‘ver’, pela vontade, num relancear de olhos instantâneo e perfeitamente simples, como me sinto globalmente nesse instante, e repetir esse gesto, de maneira suave e discreta, o mais freqüentemente possível. Ou consigo ou não consigo sentir; se não consigo, recomeçarei segundos após, mas o gesto deve ser executado de uma só vez. Esse exercício faz cessar a consciência que tenho habitualmente de minha vida dualista, numa ruptura decisiva e instantânea.

A consciência normal e superficial que temos comumente nada mais é que ‘alguma coisa deformada’ que conseguimos perceber da consciência total.

Nada é bom, nada é mal; mas nós classificamos tudo assim e, depois, sofremos com isso. Do Zen: ‘Logo que tendes o bem e o mal (divides, classificas); segue-se tremenda confusão e a tranqüilidade está perdida. ’

O homem julga, sempre, que lhe falta alguma coisa, e espera essa coisa que, acredita, seja capaz de preencher sua carência. Essa aspiração se manifesta na sua expectativa de uma ‘vida verdadeira’ no futuro, diferente de sua vida atual, e que viria a afirmá-lo total e perfeitamente, e não mais de uma maneira parcial e imperfeita. Quer percebamos ou não, todo ser humano vive à espera que finalmente tenha início a ‘verdadeira vida’, da qual tenha desaparecido toda negatividade. Essa falsa crença cria a ilusão de tempo e de que esse tempo lhe escapa continuamente e que parece alongar-se entre o momento presente imperfeito e o momento futuro perfeito a que aspira (o vir-a-ser). Cria, assim, a ilusão de um futuro para o qual projeta a satisfação de seu desejo. O satori não deve ser imaginado como um estado ao qual tenhamos de conseguir acesso, no futuro, mas como nosso estado eterno, independente do nosso nascimento e da nossa morte (já estamos nele; apenas não o percebemos).

O caminho perfeito não oferece nenhuma dificuldade a não ser a de negar qualquer preferência (tudo é o que é; aceitemos isso).

Se desejas trilhar o Caminho Perfeito, não cries pensamentos nem a favor das coisas nem contra as coisas que no mundo ocorrem (Marco Aurélio: não reclames de teu destino, pois ele vem de onde tu vieste).

Opor aquilo que amais àquilo que não amais, eis a doença do espírito (enquanto houver em nós qualquer diferença entre bem e mal, não estamos no caminho).

Não procureis a verdade. Deixai, apenas, de vos apegar a opiniões, para que não vos retardeis no dualismo (nas ilusões, maia).

Deixa que as coisas sejam como elas são (de nada adianta reclamar; nós não escolhemos).

Se desejas o Caminho, não alimentes nenhum preconceito contra os objetos dos sentidos (interpretações equivocadas, cores, formas, sons, aromas, sabores, tato) nem contra lembranças, emoções, expectativas.

O iluminado não tem apegos, nem inimizades (para ele tudo é o que deve ser).

Não sendo dois, tudo é o mesmo, um só, e tudo o que existe aí está incluído.

Toda percepção do mundo exterior, em qualquer instante de nossa vida, contém uma possibilidade de satori, porque estabelece uma ponte entre o eu e o não-eu, fato que contém uma possibilidade de identificação entre o eu e o não-eu, esses dois falsos-opostos e que pode nos permitir a percepção do self-quântico.

Etc., etc....

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