sábado, 9 de outubro de 2010

EXTRATOS DO LIVRO "O TAO DA FÍSICA", de Fritjof Capra

(14) EXTRATOS CONVENIENTES (Jan 2008)


(jcl-06-ribpreto)



Extratos de ‘’O Tao da Física”, de Fritijof Capra, conforme conceituados comentaristas do mundo científico, um dos livros mais fascinantes da atualidade. Os físicos modernos, investigando os átomos, não conseguiam entender os tremendos ‘absurdos’ que os experimentos lhes mostravam, o que só foi possível com o auxílio das tradições místicas orientais, antes consideradas superstições e patologia pelos cientistas ocidentais. Mostra que, hoje, a moderna ciência e o misticismo milenar têm idêntica visão de mundo.

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1. Ansiedade, emoção, imaginação, preocupação, pensamento, lembrança, expectativa, ilusão, remorso, desejo, são estática, ruído, barulho que não permite que a mente sintonize o Absoluto. O objetivo da meditação é eliminar essa estática.

2. As noções gerais acerca da compreensão humana..., ilustradas pelas descobertas da física atômica, estão longe de constituir algo inteiramente desconhecido, inédito, novo. Essas noções possuem uma história em nossa própria cultura, desfrutando de uma posição mais destacada e central no pensamento budista ou hindu. Isso que deparamos (com a filosofia relativa à Física atômica), não passa de uma exemplificação, um encorajamento, uma redescoberta da velha sabedoria do misticismo oriental. (Oppenheimer).

3. Se buscamos um paralelo para a lição da física moderna... devemos nos lembrar de pensadores, como Buda e Lao Tse, em suas tentativas de harmonizar nossa posição como expectadores e atores do grande drama da vida. (Niels Bohr).

4. A grande contribuição científica em termos de física teórica que nos chegou do Japão... pode ser sinal de uma relação, um vínculo entre as idéias filosóficas das tradições Orientais e a filosofia da teoria quântica. (Heisenberg).

5. Quando a mente é perturbada, produz-se a multiplicidade de coisas; quando a mente é aquietada, a multiplicidade de coisas desaparece. (Tudo, o Todo é um vazio que nossos sentidos ajudam a preencher). (‘Aquieta-te e sabe: eu sou Deus’, do Velho Testamento).

6. Do irreal, conduze-me ao real!/ Das trevas, à luz!/ Da morte, à imortalidade! (Upanishad).

7. Aquele que deseja compreender a natureza de Buda deve observar as estações e as relações causais (observar as ações da natureza, isto é, tudo é simplesmente natural, inclusive o amadurecimento psicológico, o avanço na direção de Deus).

8. Aquele que é a essência mais fina - o mundo todo o tem como sua alma. Aquele é a realidade (Deus), Aquele é Atman, Aquele és Tu. (Upanishad).

9. Todas as ações são realizadas no espaço-tempo pelo entrelaçamento das forças da natureza; contudo, o homem, perdido na ilusão egotista, acredita que ele próprio é o autor. Mas, aquele que conhece a relação entre as forças da natureza e suas ações, vê a forma pela qual umas forças da natureza agem sobre as outras, e não se torna seu escravo. (Bagavad Gita).

10. A tranqüilidade absoluta está no momento presente... Nisto (nesta compreensão) reside o deleite eterno (a bem-aventurança). (Hui-neng) (no aqui-agora).

11. Uma filosofia maravilhosa do dinamismo foi formulada por Buda, há 2500 anos... Impressionado com a transitoriedade dos objetos, a mutação e as transformações incessantes das coisas, reduziu as substâncias, almas, mônadas e coisas, a forças, movimentos, seqüências e processos, e adotou uma concepção dinâmica da realidade (tudo flui e nada é permanente, nem saúde, beleza, riqueza, juventude, amor, amizade, prazer, dor, nada enfim).

12. O budismo concebe um objeto como um evento (processo em movimento) e não como uma coisa ou substância... Isso torna claro que o budismo entende nossa experiência em termos de tempo e movimento. (Suzuki).

13. Podemos então considerar a matéria como constituída por regiões do espaço nas quais o campo (elétrico, de energia, vibrações) é extremamente intenso... Na física não há lugar para as duas coisas, campo e matéria; campo é a única realidade. (Einstein).

14. Uma partícula material, p.ex. um elétron, é apenas um pequeno domínio do campo elétrico dentro do qual a intensidade de campo assume valores extremamente elevados, indicando que uma energia de campo comparativamente elevada está concentrada num espaço muito pequeno. Tal nó de energia, que de forma alguma está claramente delineado contra o campo restante, propaga-se através do espaço vazio (campo) como uma onda de água na superfície de um lago. Não existe algo que seja uma substância única constituída sempre pelos mesmos elétrons. (Weyl).

15. Quando o ‘chi’ (energia) se condensa, sua visibilidade torna-se evidente de modo que existem, então, as formas (coisas, objetos). Quando se dispersa, sua visibilidade não é mais evidente e não há mais formas. No momento de sua condensação, podemos dizer que não seja algo temporário? E, no momento de sua dispersão, podemos afirmar que se torna, então, não-existente? ... O Grande Vácuo (campo) não pode consistir senão em chi; este chi não pode condensar-se senão para formar todas as coisas; e essas coisas não podem dispersar-se senão para formar (uma vez mais) o Grande Vácuo (Vazio). (Chuang Tsai).

16. A física moderna colocou nosso pensamento acerca da matéria assim: desviou nosso olhar daquilo que é visível, as partículas, para a entidade subjacente, o campo, que é invisível. A presença da matéria é, simplesmente, uma perturbação do estado perfeito do campo nesse lugar, algo ‘acidental’, pode-se quase dizer, um mero ‘defeito’. (Needham).

17. O universo físico chinês constitui um todo perfeitamente contínuo. Os objetos, formados pela condensação de chi, dependem, em última instância, da alternância rítmica de todos os níveis das duas forças fundamentais, yin e yang. Os objetos, com seu ritmo intrínseco, estão integrados no padrão geral da harmonia (do ritmo) do mundo (do universo). (idem).

18. A relação entre forma e vazio não pode ser concebida como um estado de opostos mutuamente exclusivos, mas somente como dois aspectos da mesma realidade, que coexistem e se encontram em cooperação contínua. (Lama Govinda). (Vazio é forma, forma é vazio; vazio é objeto, objeto é vazio).

19. As leis naturais não são forças externas às coisas, mas representam a harmonia do movimento a elas imanente. (I Ching).

20. O campo existe sempre e por toda parte; jamais pode ser removido. É o portador de todos os fenômenos naturais. É o ‘vácuo’ a partir do qual são criadas todas as coisas. O aparecimento, a existência e o desaparecimento de partículas não passam de formas de movimento do campo. (Física) (do bramanismo: Brama, Shiva e Vichnu, o criador, o mantenedor e o destruidor).

21. Quando se percebe que o Grande Vácuo está pleno de chi, compreende-se que não existe coisa alguma que seja o nada. (Chang Tsai).

22. Todas as partículas são apenas ‘ressonância’ (do campo).

23. Todos os átomos dançam e, assim, produzem sons. Quando o ritmo da dança se modifica, o som também se modifica. Cada átomo canta sem cessar sua canção, e o som, a cada momento, cria formas densas e sutis. (David-Néel).

24. Dançando, o átomo sustenta seus fenômenos multiformes. Na plenitude dos tempos, dançando ainda, ele destrói todas as formas. (Coomaraswamy).

25. Na física moderna, dividimos o mundo, não em grupos de diferentes objetos, mas em grupos de diferentes conexões... O mundo aparece, assim, como um complicado tecido de eventos, no qual conexões de diferentes tipos se alternam ou se sobrepõem ou se combinam e, dessa maneira, determinam a textura do todo. (Heisenberg; Teilhard de Chardin disse coisa semelhante).

26. Se a unidade da totalidade das coisas não é reconhecida, a ignorância e a particularização surgem em cena, e todas as fases da mente corrompida são, então, desenvolvidas (...). Todos os fenômenos do mundo nada mais são que manifestação ilusória da mente, não possuindo nenhuma realidade própria. (budismo).

27. Da mente (perturbada) nascem coisas inumeráveis, condicionadas pela discriminação (...) Essas coisas são aceitas pelas pessoas como um mundo exterior (lá fora). O que se afigura como externo não existe na realidade; é, de fato, a mente que é vista como multiplicidade. As propriedades, os corpos e o que foi dito acima, tudo isso, afirmo, nada mais é que a mente. (budismo).

28. Como podemos pensar em coisas em vez de processos nesse fluxo absoluto (o eterno movimento que não é movimento)? Fechando nossos olhos aos eventos sucessivos. Trata-se de uma atitude artificial que secciona a corrente da mudança e a essas secções denomina coisas... Quando percebemos essa verdade, compreendemos o absurdo de adorarmos produtos isolados (coisas) dessa série incessante de transformações como se eles fossem eternos e reais. A vida não é uma coisa ou estado de uma coisa, mas uma mudança ou movimento contínuo e sem fim. (idem).

29. Modificação, movimento sem descanso, fluindo, subindo e descendo sem cessar... Aqui só a mudança atua. (só a mudança é permanente).

30. ‘Li’ é uma lei natural e inescapável acerca das questões e coisas... O significado de ‘natural e inescapável’ é que todas as questões humanas e coisas naturais são feitas de modo a se encaixarem exatamente cada uma no seu lugar (próprio). Esse encaixar-se ocorre sem que se verifique o mais ligeiro excesso ou deficiência... Os homens da antiguidade, ao investigarem as coisas até o último limite, e ao buscarem ‘li’, desejavam elucidar a inescapabilidade natural das questões humanas e coisas naturais, e isso significa, simplesmente, que buscavam todos os lugares exatos onde as coisas se encaixam juntas com precisão. Apenas isso. Portanto, na visão oriental, tudo no universo está conectado com tudo o mais e nenhuma parte é fundamental. As propriedades das partes são determinadas pelas propriedades de todas as outras partes. (budismo e física).

31. Todas as coisas em sua natureza essencial não podem ser nomeadas ou explicadas, não podem ser adequadamente expressas em qualquer forma de linguagem. (budismo e física).

32. Quando dividimos alguma matéria bruta, podemos reduzi-la a átomos. Mas como também os átomos estão sujeitos a novas divisões, todas as formas da existência material, bruta ou não, nada mais são que a sombra da particularização, e não podemos conferir-lhes qualquer grau de realidade (absoluta, ou independente). (budismo e física).

32. Nada é realmente finito; tudo está em cada coisa e cada coisa está em tudo.

33. No céu de Indra, diz-se existir uma rede de pérolas dispostas de tal forma que, se contemplamos uma, vemos todas as demais nela refletidas. Da mesma forma, cada objeto do mundo não é simplesmente ele mesmo, mas envolve todos os demais objetos e, de fato, é tudo o mais. (budismo). (Lembra-nos o ‘colar’ do Buda, ao sair de sob a árvore onde se iluminou: cada gema refletia todas as outras gemas. Aí está, exatamente, a visão da física moderna relativa ao bootstrap, o levantar-se pelas próprias botas, a auto-suficiência de todo o universo).

34. Cada porção de matéria pode ser concebida como um jardim cheio de plantas e um açude cheio de peixes. Mas, cada ramo de planta, cada peixe e cada gota de seus humores é também um novo jardim ou um novo açude. (Leibniz); ou, nas palavras de William Blake: ‘...ver o mundo num grão de areia, o céu numa flor silvestre; o infinito na palma da mão e a eternidade numa hora.’

35. Levada ao seu extremo lógico, a teoria bootstrap implica que a existência da consciência, juntamente com todos os outros aspectos da natureza, é necessária para a autoconsciência do todo. (Geoffrey Chew).

36. Para o homem iluminado, sua consciência abarca o universo; o universo se torna o seu ‘corpo’, ao passo que seu corpo físico torna-se uma das manifestações da Mente Universal, sua visão interior, uma expressão da realidade mais elevada, e sua palavra (e pensamentos), uma expressão da verdade eterna. (budismo).

37. Todas as coisas recebem seu ser e sua natureza por mútua dependência e, em si mesmas, nada são. (budismo e física).

38. A criação e a dissolução incessante das partículas representam a dança da criação e dissolução dos mundos (a dança de Shiva, do hinduísmo).

39. ‘Criação’ e ‘fim’ do mundo ocorrem a todo instante (budismo e física; ‘bigbangs regionais’, como no choque recente de quatro galáxias?).

40. O misticismo oriental fornece uma consistente moldura filosófica capaz de abranger nossas mais avançadas teorias científicas acerca do mundo físico. (Capra).

41. O misticismo é, acima de tudo, uma experiência que não se pode aprender com a leitura de livros... mas, o envolvimento com esse tipo de experiência, é altamente gratificante. (Capra).

42. Em face das descobertas da física atual, os paralelos relativos ao misticismo oriental estão aparecendo, não apenas na física, mas também na Biologia, Psicologia, Medicina, e nas ciências humanas, sociais, políticas... com profunda influência sobre quase todos os aspectos da sociedade humana (Capra).

43. As semelhanças entre a física quântica e o misticismo oriental são tantas que nos deparamos com declarações frente as quais é quase impossível dizer se seu autor é um místico oriental ou um físico. (Capra) (Assim, o livro de Ken Wilber: ‘Questões quânticas; escritos místicos dos maiores físicos do mundo’).

44. A Física moderna nos conduz, hoje, a uma visão de mundo essencialmente mística. (Capra) (visão que concorda com as percepções do misticismo milenar).

45. No espaço-tempo, tudo que julgamos permanente é um logro (tudo, fatos, eventos, seres, emoções, poder, riqueza, beleza, saúde etc. não são para sempre e, ainda mais, são totalmente incertos; a impermanência e a incerteza de tudo são o fundamento da filosofia do Buda). (do mesmo modo, não é permanente ou realidade, aquilo que denominamos ‘eu’, alma, a continuidade após a morte biológica etc.).

46. O conhecimento absoluto é uma experiência da realidade inteiramente não intelectual, nascida de um estado de consciência não usual que pode ser denominado ‘meditação’, ou místico. (Capra). (É levar a atenção e o olhar para dentro de si mesmo).

47. Nossa natureza original é a mesma natureza do Buda iluminado; os estudantes do Zen são desafiados a descobrir sua ‘face original’, e a súbita ‘recordação’ dessa face constitui a iluminação.

48. A preparação da mente (localizada) para esse estado de consciência (não local) é o propósito básico de todas as tradições do misticismo oriental. Nas diversas formas de meditação, o silenciar da mente pensante é obtido através da atenção a um único ponto, à respiração, ao som de um mantra, à imagem visual de um mandala, aos movimentos corporais (naturais) que devem ser efetuados espontaneamente sem a interferência do pensamento, ou ao fluir dos pensamentos, procurando surpreendê-lo no instante de seu nascimento. Com isso, a mente é esvaziada de todos os pensamentos e conceitos (o Zen, numa única palavra: ‘Esvazia-te’) e, assim, está preparada para funcionar, por longos períodos de tempo, no modo intuitivo (‘Ou eu, ou Deus’).

48. Em face da semelhança entre o estado de meditação (que demanda total atenção a um ponto apenas) e o estado de alma de um guerreiro, a imagem deste desempenha papel importante na vida espiritual e cultural do Oriente. No Bhagavad Gita, o campo de batalha e as artes marciais são parcelas relevantes das culturas da Índia, China e Japão. Em ‘o caminho do guerreiro’, enfatiza-se a arte da luta onde a atenção alcança seu máximo de perfeição; o alerta total, a atenção que afasta da mente os pensamentos, afasta a lembrança do passado e da expectativa do futuro, mantêm o indivíduo no agora, no eterno momento presente.

49. Como a palavra não é a coisa (isto é, não fazem perceber a realidade da coisa), como afirmam os místicos, estes se voltam principalmente para a experiência da realidade, que traz verdadeiro auto-conhecimento, e não para a descrição dessa experiência (esta, apenas, tem valor para motivar os demais à busca da mesma experiência).

50. A experiência mística direta da realidade constitui acontecimento que abala os próprios alicerces em que se apóia toda a visão de mundo de um indivíduo; segundo Suzuki é ‘fato mais espantoso que pode acontecer no reino da consciência humana’, chegando a ‘descontrolar todas e cada uma das formas da experiência comum, padronizada’ (Jung: ‘é a experiência mais importante e sublime na vida do ser humano’).

51. A reação violenta em torno do desenvolvimento da Física moderna só pode ser entendida à medida que compreendemos que os alicerces da Física começaram a se deslocar e que esse movimento gerou sentimento de que a ciência perderia terreno (Heisenberg).

52. Todas as tentativas de adaptar os fundamentos da física (anterior, clássica, newtoniana, cartesiana) a esse novo tipo de conhecimento (física quântica) falharam completamente. Era como se o solo tivesse sido retirado de sob nossos pés, sem que se conseguisse vislumbrar qualquer base confiável e sólida sobre a qual pudéssemos erguer alguma coisa (Einstein).

53. A experiência tem demonstrado com clareza a insuficiência de nossas concepções anteriores e, em conseqüência, tem abalado os fundamentos sobre os quais se erguia a interpretação costumeira da observação científica (Niels Bohr).

54. Todas as coisas, de fato, transformam sua natureza e sua aparência. A experiência que possuímos do mundo é radicalmente diferente... Existe uma forma nova, mais vasta e profunda, de experimentar, de ver, de conhecer, de entrar em contato com as coisas (o conhecer não dualista) (Sri Aurobindo).

55. As três primeiras décadas do século XX transformaram radicalmente toda a visão da física. Dois desenvolvimentos separados, a teoria da relatividade e a física quântica, esfacelaram os principais conceitos da visão da física clássica do mundo: a noção de espaço e tempo absolutos, as partículas sólidas elementares, a natureza estritamente causal dos fenômenos físicos e o ideal de uma descrição objetiva da natureza, tudo isso ruiu, com tremendo choque para o mundo científico. Sabemos, hoje, que não existe qualquer fluir de tempo; que a matéria, a massa, a substância, nada mais é que uma forma de energia, um ‘defeito’ ou ‘acidente’ no campo contínuo de energia do cosmos (Capra).

56. A força de gravidade, segundo a teoria da relatividade, possui o efeito de ‘curvar’ espaço e tempo, curvatura causada pelo campo gravitacional dos corpos compactos; onde existir uma estrela ou um planeta, o espaço ao redor desse objeto é curvo e o grau de curvatura depende da massa do objeto. Como pela teoria da relatividade o espaço não pode ser isolado do tempo, este é, igualmente, afetado pela presença da matéria. Não são apenas as medidas de espaço e tempo que são relativas; toda a estrutura do espaço-tempo depende da distribuição da matéria no universo. Assim, o conceito de ‘espaço vazio’ perdeu seu significado (física).

57. O conceito de objetos sólidos foi destruído pela moderna física. O fenômeno da radioatividade forneceu a prova definitiva da natureza composta dos átomos, demonstrando que átomos de substâncias radioativas não só emitem diversos tipos de radiação como se transformam, também, em átomos de substâncias inteiramente diversas. Rutherford descobriu que as chamadas partículas alfa, emanadas das substâncias radioativas, eram, na verdade, projéteis extremamente velozes, de dimensões subatômicas, que, posteriormente, foram utilizados na exploração do interior dos átomos. Estes, longe de serem partículas sólidas e duras, inesperadamente se percebeu serem imensas regiões de espaço nas quais partículas extremamente pequenas, os elétrons, giram em movimentos ondulatórios em torno do núcleo, ligados a ele por forças elétricas (o núcleo, invisível aos mais sofisticados instrumentos; os elétrons, semelhantes a nuvens de poeira girando em torno dele). O diâmetro de um átomo aproximadamente mede um centésimo milionésimo de centímetro. Para visualizarmos essa dimensão ínfima, imaginemos uma laranja com as dimensões de nosso planeta. Os seus átomos terão, então, o tamanho de cerejas; um número inconcebível de cerejas comprimidas num globo do tamanho da Terra: eis uma imagem aproximada dos átomos de uma laranja.

58. Um átomo, portanto, é extremamente pequeno se comparado a objetos macroscópicos, mas é enorme se comparado a seu núcleo; na imagem acima, de átomos do tamanho de cerejas, o núcleo de um deles seria tão pequeno que não poderíamos vê-lo; se ampliássemos o átomo ao tamanho de uma bola de futebol, seu núcleo seria ainda invisível a olho nu. Para que pudéssemos ver o núcleo, teríamos de ampliar o átomo até o tamanho da maior abóbada do mundo, a da Catedral de São Pedro, em Roma; nesse átomo, o núcleo teria o tamanho de um grão de sal! Um grão de sal no centro da abóbada da Catedral de São Pedro e poeira girando em torno dele: eis uma imagem do núcleo e dos elétrons de um átomo. O número de elétrons nos átomo determina suas propriedades químicas. As interações entre os átomos dão origem aos diversos processos químicos, de tal forma que a Química pode ser, agora, entendida a partir da física atômica (quântica).

59. Os efeitos da teoria quântica na imaginação dos físicos foi devastador. Os experimentos demonstraram que os átomos nada mais tinham a ver com os objetos sólidos da Física clássica. Em vez de sólidos e indestrutíveis, consistiam de vastas regiões do espaço nas quais se moviam partículas extremamente pequenas (submicroscópicas). Essas partículas são extremamente abstratas e de aspecto dual: dependendo da forma como são abordadas, aparecem às vezes como partículas, às vezes como ondas (de energia), natureza estranha exibida também pela luz. Parece impossível aceitar que algo possa ser, ao mesmo tempo, uma partícula - uma entidade confinada a um volume extremamente pequeno - e uma onda, que se espalha por uma extensa região do espaço. Isso deu origem à teoria quântica. Plank descobriu que a energia da radiação térmica não é emitida continuamente, mas aparece sob a forma de ‘pacotes de energia’, os ‘quanta’, como denominou Einsten.

60. A contradição aparente entre as imagens de onda e partícula foi resolvida de forma inteiramente inesperada que derrubou a própria visão de mundo da Física clássica, pois pôs em questão o conceito da realidade da matéria. No nível subatômico, não se pode dizer que a matéria exista com certeza em lugares definidos, mas que ela apresenta ‘tendências de existir’, e que os eventos atômicos ocorram com certeza em instantes definidos e numa direção definida, mas que eles apresentam ‘tendências de ocorrer’. As partículas não são ondas tridimensionais ‘reais’, como as ondas sonoras ou ondas na água; são ‘ondas de probabilidades’. Jamais podemos prever um fato atômico com certeza; podemos, unicamente, supor a probabilidade de sua ocorrência.

61. A Física atômica destruiu, assim, os conceitos de objetos sólidos e de leis da natureza deterministas, da Física clássica. Agora, os objetos clássicos sólidos se dissolvem em padrões de probabilidades semelhantes a ondas, padrões que não representam probabilidades de coisas, mas probabilidades de interconexões. As partículas subatômicas não possuem significado quando isoladas, somente podendo ser compreendidas como interconexões. A nova Física mostra, assim, que todas as partículas estão interconectadas, que há uma unidade básica no universo; que não podemos decompor o mundo em unidades menores dotadas de existência independente. À medida que penetramos na matéria, a natureza não nos mostra quaisquer ‘blocos básicos de construção’ isolados, como se presumia na Física cartesiana. Ao contrário, surge à nossa frente uma complicada teia de relações entre as diversas partes do todo. Nessas relações está, de maneira essencial, sempre incluído o observador, que constitui o elo final na cadeia dos processos de observação, e as propriedades de qualquer objeto atômico só podem ser compreendidas em termos de interação do objeto com o observador. Assim, o ideal clássico de uma descrição objetiva da natureza não tem mais valor. A divisão entre o eu e o mundo, observador e observado, não existe no mundo subatômico. E jamais podemos falar sobre a natureza sem falar, ao mesmo tempo, sobre nós mesmos.

62. Enigmas surgidos em conexão com a estrutura dos átomos e que não podiam ser explicados, foram solucionados. Se os átomos que compõem a matéria consistem quase integralmente de espaço vazio, o que nos impede de caminharmos através de portas fechadas? O que dá à matéria seu aspecto sólido? (A vertiginosa velocidade dos elétrons).

63. Outro ponto é a extraordinária estabilidade mecânica dos átomos. No ar, colidem milhões de vezes a cada segundo e, no entanto, voltam à forma original após a colisão. Um elétron de oxigênio, por exemplo, sempre conservará sua configuração original de elétron, indiferentemente à freqüência com que colida com outros átomos ou elétrons. Essa configuração, ademais, é exatamente a mesma para todos os átomos de determinado tipo. Dois átomos de ferro e, conseqüentemente, dois pedaços de ferro puro, são completamente idênticos, qualquer que seja sua origem ou o tratamento que tenham recebido no passado.

64. Essas incríveis propriedades dos átomos decorrem da natureza ondulatória de seus elétrons. O aspecto sólido da matéria é devido a um típico ‘efeito quântico’, vinculado ao aspecto dual (onda-partícula) dos elétrons e, conseqüentemente, da matéria. Sempre que uma partícula é confinada a uma pequena região do espaço, ela reage a esse confinamento movendo-se circularmente, sendo seu movimento tanto mais rápido quanto menor for a região do confinamento. No átomo, há duas forças que concorrem entre si. Por um lado, os elétrons são ligados ao núcleo por forças elétricas que buscam conservá-los tão próximos ao núcleo quanto possível. Por outro lado, respondem a esse confinamento girando em torno do núcleo e sua velocidade será tanto maior quanto mais firmemente estiverem ligados a ele (cerca de 960 km/seg!). Essas velocidades fazem com que o átomo aparente ser uma esfera rígida, como uma hélice em alta rotação aparece-nos como um disco. É impossível comprimir ainda mais os átomos e, dessa forma, eles conferem à matéria seu aspecto sólido que nos é familiar.

65. No átomo, os elétrons instalam-se de tal forma nas órbitas que existe um equilíbrio ótimo entre a atração do núcleo e a relutância dos elétrons ao confinamento. Suas órbitas diferem muito das dos sistemas planetários (como se ensinava nas escolas), devido à natureza ondulatória dos elétrons. Em vez de partículas girando em torno do núcleo, temos de imaginar ondas de probabilidade dispostas na diferentes órbitas. Sempre que fazemos uma medição (observação), encontramos o elétron em ‘algum’ ponto dessas órbitas, mas não podemos dizer que eles ‘giram em torno do núcleo’, no sentido da Física clássica.

66. Nas órbitas, os elétrons têm de estar dispostos de tal modo que formam padrões conhecidos como ‘ondas estacionárias’; esses padrões aparecem sempre que ondas são confinadas a uma região finita, como as ondas numa corda de violão posta em movimento. Isso mostra que tais ondas podem assumir apenas um número limitado de formas bem definidas. O fato de que os detalhes atômicos, como número quântico (número da órbita) etc., que indicam a localização e a forma das órbitas, o primeiro sendo o número da órbita e determinando a energia que o elétron deve possuir para estar nessa órbita, só poderem ser expressos por números inteiros, significa que o elétron não pode alterar sua rotação com continuidade, pois nunca é encontrado entre órbitas, mas ou numa ou noutra; isso porque o elétron salta de uma órbita para outra, nunca sendo encontrado entre duas órbitas (salta de um número inteiro para outro na representação das órbitas).

67. Tendências de existir, partículas reagindo ao confinamento, átomos passando repentinamente de um ‘estado quântico’ para outro e uma interligação essencial de todos os fenômenos - eis algumas das facetas incomuns apresentadas pelo mundo atômico. A força básica que origina todos os fenômenos atômicos é a gravitacional. Trata-se da força de atração elétrica entre o núcleo atômico positivamente carregado, e os elétrons negativamente carregados. A interação dessa força com os elétrons ondulatórios origina a tremenda variedade de estruturas e fenômenos em nosso meio ambiente, bem como todas as reações químicas, e a formação de moléculas, isto é, agregados de diversos átomos reunidos pela força de atração mútua; constitui a base de todos os sólidos, líquidos e gases, e de todos os organismos vivos e de todos os processos biológicos a eles associados.

68. Nesse mundo imensamente rico dos fenômenos atômicos, os núcleos desempenham o papel de centros extremamente pequenos e estáveis, que constituem a fonte da força elétrica e formam a grande variedade de estruturas moleculares. O núcleo contém, praticamente, toda a massa do átomo. O núcleo é constituído de prótons e nêutrons, partículas que têm aproximadamente a mesma massa - mas cerca de duas mil vezes a massa do elétron -, sendo que o nêutron não dispõe de carga elétrica. A força nuclear, que mantém essas partículas tão rigidamente ligadas dentro do núcleo, é um fenômeno inteiramente novo (força ainda desconhecida pela física), não podendo ser de origem eletromagnética, já que o nêutron é eletricamente neutro. Os físicos viram que se trata de uma nova força, a mais poderosa força da natureza, e que não se manifesta em lugar algum fora do núcleo atômico. Este é cerca de cem mil vezes menor do que o átomo todo e, contudo, contém quase toda a massa deste, o que significa que a matéria dentro do núcleo é extremamente densa se comparada com as formas de matéria com as quais estamos familiarizados. Se todo o corpo humano fosse comprimido até a densidade nuclear, não ocuparia mais espaço que a cabeça de um alfinete. Essa elevada densidade, contudo, não constitui a única propriedade insólita da matéria nuclear. Possuindo a mesma natureza quântica dos elétrons, os ‘núcleons’, como são chamados os prótons e nêutrons, reagem ao confinamento com elevadas velocidades e, como são comprimidos num volume muito mais reduzido que os elétrons, sua reação é muito mais violenta, chegando a percorrer o núcleo de um lado para o outro a cerca de 64.000km/seg! A matéria nuclear é, portanto, uma forma de matéria inteiramente diferente de tudo aquilo com que estamos familiarizados no mundo macroscópico. Podemos figurá-la sob a forma de minúsculas gotas de um líquido extremamente denso que ferve e borbulha da forma mais intensa possível. A forte força nuclear é que responde por todas essas propriedades, e a característica que a torna tão estranha é seu alcance extremamente curto; age apenas quando a distância entre núcleos é da ordem aproximada de duas a três vezes o seu diâmetro. A essa distância, a força é tremendamente atrativa. Contudo, se a distância se torna menor, torna-se fortemente repulsiva, de modo que os núcleos não podem se aproximar mais. Assim, a força nuclear mantém o núcleo em equilíbrio estável, embora altamente dinâmico. (o movimento que não é movimento).

69. A visão que surge do estudo dos átomos mostra-nos que a matéria, em sua maior parte, acha-se concentrada em minúsculas gotas separadas por enormes distâncias. Nesse enorme espaço entre os núcleos compactos e intensamente ‘ferventes’ movem-se os elétrons, reduzidíssimas frações da massa total do átomo, que dão à matéria seu aspecto sólido e fornecem os vínculos necessários à construção de todas as estruturas moleculares. As reações nucleares, muito embora as tremendas forças aí contidas, não têm energia suficiente para perturbar o equilíbrio nuclear.

70. Essas formas de matéria, com suas complexas estruturas, só conseguem existir sob condições muito especiais, e quando a temperatura não é muito elevada, de modo que as partículas não se agitem em demasia. Quando a energia térmica aumenta cerca de cem vezes mais, como ocorre na maioria das estrelas, todas as estruturas atômicas e nucleares são destruídas, estado em que se acha a maior parte da matéria existente no universo. O Sol, nosso elo vital com o mundo dos corpos de grandes dimensões, por exemplo, nos envia um contínuo fluxo de energia resultante de reações nucleares, fenômenos do mundo dos corpos infinitamente pequenos.

71. A nova Física mostrou que o conceito de ‘partículas elementares’, como ‘blocos de construção básicos’, tinha de ser abandonado, pois, até o presente cerca de duzentas partículas foram descobertas, e nenhuma mais merece o nome de ‘partícula elementar’ (nenhuma é mais importante que a outra).

72. A Física moderna mostrou que massa nada tem a ver com substância, sendo, isso sim, uma forma de energia, isto é, uma quantidade dinâmica associada com atividade, ou com processos. O fato de a massa de uma partícula ser equivalente a uma certa quantidade de energia (E=mc²) significa que a partícula não pode mais ser encarada como um objeto mas, sim, como um modelo dinâmico, um processo que envolve uma energia que manifesta a si mesma como a massa da partícula.

73. A Física moderna revelou uma simetria fundamental entre matéria e antimatéria. Para cada partícula existe uma antipartícula de massa igual e carga contrária. Pares de partículas e antipartículas podem ser criados se dispusermos de energia suficiente, e podem voltar a ser energia pura pelo processo reverso de aniquilação das partículas. Esses processos de criação e de destruição de partículas na natureza têm sido observados milhões de vezes. A criação de partículas a partir da energia pura é o efeito mais espetacular da teoria da relatividade. Quando duas partículas dotadas de energia colidem, geralmente fragmentam-se, mas cada fragmento não é menor que a partícula original, e sim uma partícula da mesma espécie, que é criada a partir da energia do movimento (energia cinética) envolvida no processo de colisão. A questão da divisão da matéria é assim resolvida: a única maneira de dividir partículas subatômicas consiste em lançá-las em processo de colisão envolvendo energias (velocidades) elevadas (cisão nuclear). Pode-se, desse modo, dividir indefinidamente a matéria, embora jamais obtenhamos pedaços menores, uma vez que, simplesmente, criamos novas partículas a partir da energia envolvida no processo. As partículas subatômicas são, pois, destrutíveis e indestrutíveis ao mesmo tempo (física e budismo).

74. As partículas são, então, padrões (modelos) dinâmicos, que envolvem certa quantidade de energia que se manifesta, a nós, como massa. Num processo de colisão, a energia das duas partículas envolvidas é redistribuída de modo a formar um novo padrão, que poderá, se a energia cinética for suficiente, formar partículas adicionais.

75. Experimentos realizados nas últimas décadas têm mostrado, de modo inquestionável, a natureza dinâmica e em perpétua mudança do mundo das partículas. A matéria é completamente inconstante. Todas as partículas podem ser transmutadas em outras partículas; podem ser criadas da energia e podem desfazer-se em energia. Assim, as idéias de ‘substância material’, ‘objeto isolado’, ‘matéria’, perderam qualquer significado. A totalidade do universo aparece-nos como uma teia dinâmica de padrões inseparáveis de energia. A partícula não pode mais ser encarada como entidade isolada, mas como parte integrante e inseparável do todo universal.

76. A teoria da relatividade não só mudou drasticamente nossa concepção das partículas, como também a maneira como figuramos as forças que agem entre elas. Essas forças, isto é, sua mútua atração ou repulsão, são vistas como uma permuta de outras partículas. Este conceito é conseqüência do caráter quadridimensional espaço-tempo do mundo subatômico e, nem nossa intuição nem nossa linguagem são capazes de manipular essa imagem. É a permuta de partículas que permite reunir as forças entre os componentes da matéria às propriedades de outros componentes da matéria, unificando os dois conceitos - força e matéria, ou energia e matéria - considerados tão diferentes na Física clássica. Hoje, entende-se que força (energia) e matéria têm uma origem comum nos padrões dinâmicos que são as partículas.

77. Evidências têm demonstrado que os próprios nêutrons e prótons são objetos compostos, e que as forças que os mantém coesos ou (o que é a mesma coisa) as velocidades de seus componentes são elevadíssimas, sendo difícil diferenciar entre forças e partículas.

78. Na Física moderna, o universo é, então, experimentado como um todo dinâmico e indivisível, que sempre inclui o observador; os conceitos clássicos e tradicionais de espaço e tempo, objetos isolados e causa e efeito não têm mais significado. Essa visão é muito semelhante à dos místicos orientais, sendo mais forte nos modelos ‘quântico-relativísticos’, onde as teorias da relatividade e a da mecânica quântica se combinam e produzem os mais surpreendentes paralelos com o misticismo oriental.

79. HINDUÍSMO - Seu objetivo é a experiência mística direta da realidade. Quase todo o pensamento da Índia é, de certa forma, filosófico-religioso, pois o hinduísmo influenciou de maneira quase total, ao longo de muitos séculos, a vida intelectual, social e cultural do país. As manifestações do hinduísmo vão desde filosofias altamente intelectuais, com concepções de alcance e profundidade fabulosos, às práticas rituais ingênuas e infantis das massas (do povo). Sua fonte espiritual está nos Vedas, escritos por ‘videntes’ védicos, e os Upanishads têm a essência de sua mensagem espiritual, que inspirou as maiores mentes da Índia nos últimos vinte e cinco séculos, em consonância com o conselho de seus versos que, no Bhagavad Gita, retratam a batalha do bem contra o mal da natureza humana. Aí, o homem é um guerreiro em busca da iluminação. ‘Tomando como arco a grande arma do Upanishad, nele deve-se pôr a flecha afiada pela meditação. Distendendo-o com o pensamento voltado para a essência d’Aquele, penetra o imperecível como alvo,... Mata, com a espada da sabedoria, a dúvida nascida da ignorância que jaz em teu coração. Entra em harmonia contigo mesmo, em meditação, e ergue-te, grande guerreiro, ergue-te (para o infinito)... ‘!

80. A base da instrução de todo o hinduísmo (e outras tradições) está na visão de que coisas e eventos que nos cercam nada mais são, em sua grande variedade, que manifestações diferentes da mesma realidade última, Brahman, Deus, o que dá ao hinduísmo seu caráter essencialmente monístico, apesar da adoração de numerosos deuses e deusas. Brahman, infinito e além de todos os conceitos, é a ‘alma’ ou essência de todas as coisas; todos aqueles deuses são apenas reflexos, ou indicativos das manifestações, dessa realidade última.

81. A ‘alma’, o Atman, a realidade individual, e Brahman, a realidade última, são Um, afirmação que é a essência dos Upanishads: ‘Aquele que é a essência mais fina, o mundo todo o tem como sua alma. Aquele é a realidade. Aquele é Atman. Aquele és Tu’.

82. O tema básico da mitologia hindu é a criação do mundo pelo auto-sacrifício de Deus, pelo qual Deus se torna o mundo e, no final, o mundo torna-se novamente Deus. O universo é o palco para o drama divino da criação, no qual Deus se faz todas as criaturas (somos máscaras de Deus e Deus é o único ator do mega-drama universal). Enquanto não percebemos a unidade de Brahman, continuaremos na escuridão da ilusão (maya).

83. Libertar-se de maya significa compreender a unidade e harmonia de todas as coisas, de toda a natureza, incluindo a nós mesmos: Todas as ações (no espaço-tempo) são realizadas por combinações das forças da natureza, mas o homem, perdido na ilusão egotista, acredita ser ele o autor. Contudo, aquele que conhece a relação entre essas forças e as ações, percebe a forma pela qual umas forças agem sobre as outras, e não se torna seu escravo. Libertar-se do encantamento de maya e dos laços do karma (força da criação da qual provêm todas as coisas) significa compreender que todos os fenômenos são partes da mesma e única realidade; significa perceber, direta e pessoalmente, o fato de que tudo, inclusive nosso ser, é Brahman. (‘Eu e o Pai somos um’). O caminho hinduísta para a libertação dessa ilusão envolve a prática regular da meditação, cujo objetivo é realizar a união com Brahman, embora, para o homem comum, a forma de se aproximar do Divino seja adorá-lo sob a forma de um deus, ou deusa, pessoal. O prazer sensual nunca foi suprimido do hinduísmo, uma vez que o corpo sempre foi tido como parte integral do ser humano. A mente ocidental é confundida com o grande número de deuses da mitologia hindu, que são, na verdade, apenas aspectos diferentes da mesma realidade divina.

84. BUDISMO - É voltado totalmente para o psicológico. Buda ensinou a origem do sofrimento humano e a forma de superá-lo. O intelecto é visto apenas como meio de preparar o caminho que leva à experiência mística, ao ‘despertar’. Buda, imediatamente após seu despertar, passou a ensinar a todos a doutrina das Quatro Verdades.

85. Primeira Verdade - a característica mais relevante da condição humana é o sofrimento, nascido de nossa dificuldade de enfrentar o fato básico da vida, isto é, que tudo aquilo que nos cerca é impermanente e transitório (‘Todas as coisas surgem e vão-se embora’, como o peixe que, repentinamente, salta na superfície do lago), e que o fluir e a mudança são características próprias da natureza. O sofrimento surge quando resistimos a esse fluir e nos apegamos às formas, por considerá-las permanentes; contudo, quer sejam coisas, fatos, pessoas ou idéias, todas são maya. A impermanência inclui a noção de que não existe o ego, o Si-mesmo, o sujeito persistente e ilusório de nossas experiências (o eu é apenas uma ilusão).

86. Segunda Verdade - a causa de todo sofrimento é o apego ou avidez, baseados em ponto de vista errado (ignorância), pelo qual dividimos o mundo que percebemos em coisas individuais e separadas, e interpretamos, inconscientemente, as coisas impermanentes que fluem, como coisas fixas e permanentes, e passamos a confiar nelas. Com isso, só teremos frustração sobre frustração. Apegando-nos a coisas que julgamos permanentes (beleza, amor, poder, prestígio, status, amizades, riqueza, saúde, coisas, pessoas, objetos etc.), mas que, na realidade, são transitórias, pois se acham em contínua mudança, caímos num círculo vicioso onde cada ação gera uma nova ação e a resposta a uma indagação gera nova indagação. Esse círculo vicioso é ‘samsara’, a roda do nascimento e da morte, a cadeia infindável de causa e efeito (no espaço-tempo).

87. Terceira Verdade - o sofrimento e a frustração podem chegar a um fim. É possível alcançar um estado de libertação total, denominado nirvana, no qual a falsa visão de um ‘eu’ separado desaparece para sempre e a unidade da vida é percebimento constante. O nirvana, sendo um estado além da mente, é indescritível (conforme Paulo: ‘vi e ouvi coisas inefáveis’); é o estado desperto de Buda. (Inquirido sobre o significado da iluminação, Buda respondeu: ‘É a libertação de todo sofrimento’).

88. Quarta Verdade - para despertar e extinguir todo o sofrimento, existe o Caminho do autoconhecimento, que conduz ao correto conhecimento, à visão correta, à compreensão correta, isto é, ao insight acerca da condição humana, o ponto de partida necessário. Depois, vêm a ação correta, o Caminho do Meio, sem os exageros que o homem pratica, e a meditação correta. Esse caminho era considerado, pelo Buda, a forma de se atingir a iluminação, o nirvana. Ele enfatizou a impermanência de todas as coisas (‘O declínio é inerente a todas as coisas compostas’), a necessidade de nos libertarmos de toda autoridade espiritual, inclusive a sua própria, afirmando que só indicava o caminho, e que cabia a cada indivíduo percorrê-lo até o fim por seus próprios esforços (Krishnamurti: ‘Não ponha outra cabeça acima da sua’; Zen budismo: ‘tudo é apenas o dedo apontando para a lua; não é a lua’).

89. O Budismo oferece doutrinas que vão da fé religiosa a complexas filosofias cujos conceitos se aproximam muito do moderno pensamento científico. Enfatizam as limitações de todos os conceitos e idéias sobre a realidade, que não pode ser descrita. Por isso deu à realidade o nome de ‘vazio’ ou ‘vácuo’, que implica em que todos os conceitos e idéias acerca dela são, em última instância, vazios, inócuos, sem valor. Mas, o ‘vazio’ é a fonte de toda a vida, a essência de tudo que existe, é o todo.

90. O tema central é a unidade e inter-relação de todas as coisas e eventos, uma concepção que não é apenas a própria essência da visão oriental do mundo, mas que oferece as mais impressionantes semelhanças com a visão de mundo advindas da física moderna, a física quântica.

91. FILOSOFIA CHINESA - Seu mais elevado objetivo é o de transcender o mundo social e cotidiano, e alcançar um plano de consciência além do ego. Esse é o caminho, o Tao, que se alcança agindo espontaneamente e confiando na própria intuição. O mundo é um contínuo fluir, uma mudança contínua: ‘Para aquele que age em conformidade com o curso do Tao, seguindo os processos naturais do céu e da terra (da natureza), é fácil manipular o mundo todo’.

92. A característica principal do Tao é a natureza cíclica de seu movimento e sua incessante mudança. Todos os desenvolvimentos naturais, quer no mundo físico, quer nas relações humanas, são cíclicos, de idas e vindas. ‘O retorno é o movimento do Tao’, e ‘Afastar-se significa retornar’ (Lao Tsé). Sempre que uma situação se desenvolve até atingir seu ponto extremo, é compelida a voltar e a se tornar o oposto do que era, assim como aquele que indo sempre para o leste acaba chegando ao oeste (I Ching). Aquele que acumula muito acaba na pobreza. Nesse padrão cíclico surgiram os opostos yang e yin, pólos que estabelecem os limites para os ciclos de mudança: ‘O yang, tendo atingido seu apogeu, dá lugar ao yin; o yin, tendo atingido seu apogeu, dá lugar ao yang’.

93. Na visão chinesa, todas as manifestações do Tao são geradas pela inter-relação dinâmica dessas duas forças: “Aquilo que ora nos mostra a escuridão e ora nos mostra a luz é o Tao’. ‘A vida é a harmonia combinada do yin e do yang’. Nessa concepção, a doença é vista como o rompimento dessa harmonia. I Ching, o Livro das Mutações, é uma das obras mais importantes da literatura mundial, segundo grandes pensadores. Ele contém a sabedoria reunida em milhares de anos de observação dos processos da natureza, coisas e seres”.

94. TAOÍSMO - Por sua orientação mística, é relevante para a percepção das semelhanças entre misticismo e Física moderna. Nele, também, a visão é a transformação e a mudança, características essenciais da natureza: ‘No crescimento e transformação de todas as coisas, cada característica, cada broto, têm sua forma própria. Nesta, observamos o amadurecimento e a decadência graduais, o fluxo sem fim de transformação e mudança. Todas as mudanças na natureza são consideradas manifestações da interação dinâmica entre as polaridades dos opostos yin e yang. (‘Ir além de todos os opostos é essencial para se chegar à iluminação’).

95. ‘O ‘isto’ é também ‘aquilo’; o ‘aquilo’ é também ‘isto’... Quando o ‘aquilo’ e o ‘isto’ deixam de ser opostos, eis aí a essência do Tao’ (Jesus: ‘Quando fizerdes do macho e da fêmea um só, então entrareis no reino’) e ‘Aquele que preza os que fazem boas obras, e despreza os que fazem más obras, mostra que não conhece os princípios fundamentais da natureza e da vida; é como se honrasse o yin e desprezasse o yang. É claro que esse modo de pensar é totalmente equivocado’. (eu sou assim, você é assim, ele e ela são assim, todos são assim e não há o que fazer com relação a isso).

96. Tudo flui e o fluir é inteiramente imprevisível; a mudança é contínua, mas é cíclica em face da interação da forças yin e yang. Todos os opostos são polares e, assim, unidos, são as faces da mesma moeda. O caminho para cima e o caminho para baixo são um único e o mesmo caminho. Disse Heráclito: ‘Deus é dia e noite, inverno e verão, guerra e paz, saciedade e fome’ (o tsumami e a bonança; todos os opostos, inclusive aquilo que chamamos de mal e de bem).

97. A espontaneidade é o princípio ativo do Tao; por isso, deveria ser a característica de toda ação humana. Huai Nan Tsé: ‘Aqueles que seguem a ordem natural fluem na corrente do Tao’. Pela filosofia taoísta, ‘não-ação’ é refrear-se de toda ação contrária à natureza: ‘A não-ação não significa não fazer nada; é deixar que tudo ocorra como deve ocorrer naturalmente, espontaneamente, de tal forma que sua natureza seja satisfeita’. Se refrearmos nosso desejo de agir contra a natureza das coisas estaremos em harmonia com o Tao. Disse Lao Tsé: ‘Através da não-ação, tudo pode ser feito’.

98. ZEN - Vem da palavra ‘ch’an’, meditação. Seu único objetivo é chegar-se à iluminação, essência de todas as escolas de filosofia orientais, sendo o Zen a única que trata exclusivamente dessa experiência, não possuindo qualquer filosofia ou doutrina especiais. Para o Zen, o despertar de Buda não tem nenhum interesse por qualquer modalidade de interpretação. O ensinamento de que todos podemos chegar a esse despertar, é a essência do Budismo; o resto é acessório. Por isso, entendendo que as palavras jamais poderão expressar a experiência mística (satori), nem a verdade última, o Zen dedica-se somente à iluminação. Contudo, a experiência Zen pode ser transmitida, por métodos especiais, do mestre ao discípulo: ‘É uma transmissão fora das escrituras, que não se baseia em palavras, mas aponta diretamente para a mente humana, olhando dentro da natureza do homem e alcançando o estado de Buda’.

99. Esse ‘apontar diretamente’, feito com ações ou palavras repentinas e espontâneas (koan), que expõem paradoxos do pensamento conceitual, objetiva parar o processo do pensamento de modo a levar o discípulo à experiência mística.

100. Um monge, buscando instrução, diz ao mestre: ‘Minha mente não tem paz; por favor, pacifique-a’. Respondeu o mestre: ‘Traga-me sua mente e eu a pacificarei. ’ Falou o monge: ‘Estou buscando minha própria mente, mas não consigo encontrá-la.’ E o mestre: ‘Pronto! Sua mente já está pacificada’. (a atenção dirigida à mente faz cessarem seus movimentos).

Outro monge pediu ao mestre: ‘Por favor, ensine-me!’ O mestre: ‘Já comeu seu mingau de arroz?’ O monge: ‘Já o comi’, e o mestre: ‘Então, vá lavar sua tigela. ’ (A ênfase está em mostrar que ninguém tem de se isolar, pois pode-se despertar em meio às questões do dia-a-dia, ao viver com a atenção inteira no presente, no agora, no que esteja fazendo). A perfeição, no Zen, é viver a vida diária com naturalidade e espontaneidade. Assim, solicitado a definir o Zen, um mestre replicou: ‘Quando tiver fome, coma; quando tiver sono, durma. ’ Embora, isso pareça simples de fazer, não é (pois, em geral, não comemos nem dormimos apenas, mas ficamos ruminando pensamento atrás de pensamento). Retornar à naturalidade de nossa natureza original exige longo e difícil treinamento: ‘Antes de estudar o Zen, montanhas são montanhas e rios são rios; enquanto estudamos o Zen, as montanhas deixam de ser montanhas e os rios deixam de ser rios; alcançado o objetivo Zen, as montanhas voltam a ser montanhas e os rios voltam a ser rios’ (tudo sempre é o que é; o mundo não muda; o que muda é nossa visão do mundo, agora interpretado corretamente).

101. Indagado acerca da busca da natureza do Buda, Po-chang respondeu: ‘É como cavalgar o boi à procura do boi. ’ (não há o que buscar pois nossa mente já é a mente do Buda).

102. A meditação é praticada diariamente por horas nos mosteiros Zen, e é considerada o mais importante caminho para a iluminação (como ensinavam os padres do cristianismo primitivo, a meditação é a coisa mais importante que a humanidade tem a fazer; e Jung: ‘ela pode proporcionar a experiência mais importante e sublime que o ser humano pode ter’).

103. Tudo tem de ser natural, não devemos usar qualquer esforço; por isso:

‘Sentado tranqüilamente, nada fazendo,

Surge a primavera e a grama cresce por si mesma. ’

104. A unidade de todas as coisas - As visões de mundo das tradições orientais são baseadas na experiência direta e não-intelectual da realidade e, embora a origem geográfica, histórica ou cultural do místico sejam diferentes, as características dessas visões se assemelham àquelas que estão surgindo com a Física moderna. A essência da visão oriental é a unidade e inter-relação de tudo, coisas e eventos, a percepção de que todos os fenômenos são interdependentes e inseparáveis do todo cósmico e manifestações da mesma realidade última. Budismo, hinduísmo e taoísmo afirmam: ‘Aquilo que conhece a alma como qüididade é a unidade da totalidade de todas as coisas, o grande todo que tudo integra. ’ E ‘Na pureza do samadhi, obtém-se o insight que tudo penetra e que nos torna conscientes da unidade absoluta do universo’. A Física moderna nos tem mostrado o mesmo insight: os componentes da matéria e os fenômenos que os envolvem são todos interligados, interdependentes e agem em interação mútua, isto é, não podem ser entendidos como partes isoladas, mas como partes integrantes do todo cósmico. Revela um estado de interconexão absoluta do universo, cada evento dependendo de todos os outros eventos. À medida que penetramos mais e mais na matéria, descobrimos que ela é feita de partículas, mas essas partículas não são os ‘blocos de construção básicos’ como a Física clássica supunha. Simplesmente são abstrações úteis sob o ponto de vista prático, mas desprovidas de significado fundamental. Niels Bohr: ‘As partículas materiais são abstrações, e suas propriedades só podem ser compreendidas e observadas através de sua interação com outros sistemas’. E David Bohm: ‘Temos uma nova noção da totalidade intacta, que refuta a idéia clássica anterior de que se pode analisar o mundo em partes separadas e com existência independente... o inseparável estado de interconexão de todo o universo é a realidade fundamental, e as partes capazes de comportamento relativamente independente são simplesmente formas particulares desse todo’.

105. No nível subatômico, os objetos materiais sólidos da física clássica dissolvem-se em padrões de probabilidades, padrões que não representam probabilidades de coisas, mas de interconexões; o universo não é composto de objetos físicos mas, em vez disso, é formado por uma complexa teia de relações (dinâmicas) entre as diferentes partes do todo uno.

105. Os místicos: ‘O objeto material torna-se algo diferente daquilo que conhecemos; não é um objeto separado, destacado do meio ambiente, do restante da natureza, mas uma parte indivisível e até mesmo uma expressão da unidade de tudo que vemos. ’ E ‘As coisas recebem seu ser e sua natureza por dependência mútua e, em si mesmas, elas nada são.’

106. Os cientistas: ‘Uma partícula elementar não é uma entidade analisável e de existência independente. É, em essência, um conjunto de relações que se voltam para fora em direção a outras coisas. ’ E ‘O mundo afigura-se como um complicado tecido de eventos, no qual, conexões de diferentes tipos se alternam, se sobrepõem, ou se combinam, determinando, assim, a contextura do todo’.

107. No hinduísmo, Brahman é o fio unificador dessa teia cósmica: ‘Aquele no qual o céu, a terra, a atmosfera e todos os sopros vitais (tudo) se acham entrelaçados, esse é a Alma única’. No budismo, a visão de mundo é uma perfeita teia de relações mútuas onde todas as coisas e eventos interagem de forma infinitamente complexa. Na visão do budismo tibetano, suas escrituras são denominadas ‘tantras’, termo cuja raiz significa ‘tecer’ e que se refere ao estado de entrelaçamento e interdependência de todas as coisas e eventos.

108. Na visão da Física, o observador (nós) não é necessário apenas para observar as propriedades de um objeto, mas, igualmente, para a definição dessas propriedades; estas só possuem significado no contexto da interação do objeto com o observador. Heisenberg: ‘O que vemos não é a natureza real, mas a natureza interpretada pelo nosso questionamento’. O observador está envolvido com o mundo que observa na medida em que influencia as propriedades dos objetos observados. ‘A observação perturba a natureza; depois da observação, o universo jamais será o mesmo’, isto é, observador e coisa observada não estão separados, verdade que levou à substituição da palavra ‘observador’ por ‘participante’. Esta idéia é familiar ao misticismo que, pela experiência da meditação, afirma que sujeito e objeto se fundem num todo único e indiferenciado (Krishnamurti: ‘o observador é a coisa observada’). Upanishads: ‘Onde existe uma dualidade, um pode perceber o outro... Mas onde tudo se tornou um único ser, a quem se pode perceber?’ E, ‘Minha ligação com o meu corpo e suas partes é dissolvida; meus órgãos de percepção não mais agem e torno-me um com o Grande Todo. A isso denomino ‘sentar-se e esquecer todas as coisas’ (meditação).

109. A Física age num âmbito totalmente diverso e não pode ir tão longe na experiência da unidade de todas as coisas. Mas, na teoria atômica, deu um grande passo em direção à visão do mundo dos místicos orientais: aboliu a noção de objetos materiais separados, introduziu o conceito de que o homem é participante e viu ser necessário incluir a consciência em sua observação do mundo; vê o universo como uma teia interligada de relações físicas e mentais, cujas partes só podem ser definidas através de suas vinculações com o todo cósmico. Essa visão da Física se assemelha à visão mística, como as palavras do lama budista Anagarika indicam: ‘O budista não crê num mundo externo independente, existindo separadamente, em cujas forças dinâmicas possa se inserir. O mundo externo e seu interior são apenas dois lados do mesmo tecido, no qual os fios de todas as forças e de todos os eventos, de todas as formas de consciência e de seus objetos, se acham entrelaçados numa rede indivisível de relações intermináveis que se condicionam mutuamente’. (é o que afirma, também, o monge cientista Teilhard Chardin, que, por isso foi, pela igreja, proibido de tornar públicas suas idéias, até o dia de sua morte).

110. Os místicos reconhecem a individualidade das coisas, mas, ao mesmo tempo, estão conscientes de que todas as diferenças e contrastes são relativos dentro de uma unidade que tudo abrange. Em nosso estado normal de consciência, essa unidade de todos os contrastes e, especialmente, a unidade dos opostos, é muito difícil de ser aceita; mas ela constitui uma das características mais enigmáticas da filosofia oriental, um insight que se situa na própria raiz da concepção mística do mundo. Para o místico, os opostos são apenas os dois lados da mesma moeda, os extremos de um todo único. Suzuki: ‘A idéia fundamental do budismo consiste em ultrapassar o mundo dos opostos, construído pelas concepções intelectuais (abstratas) e corrupções emocionais do homem e em compreender o mundo da não-distinção (atemporal), que implica a obtenção de um ponto de vista absoluto’ (satori).

111. Todo o misticismo oriental gira em torno desse ponto de vista absoluto que é alcançado no mundo do ‘não pensamento’ (meditação), onde se tem a experiência da unidade de todos os opostos. A noção de que luz e escuridão, vencer e perder, bem e mal, vida e morte, masculino e feminino, não passam de aspectos polares diferentes do mesmo fenômeno, é princípio básico do modo de vida oriental; todos os opostos, sendo interdependentes, seu conflito jamais pode resultar na vitória total de apenas um dos lados; em vez disso, será sempre uma manifestação da interação entre os dois lados. Tao é a unidade oculta sob o yin e o yang, as duas forças polares que interagem no mundo: ‘Aquilo que faz aparecer ora a escuridão, ora a luz, ora o mal, ora o bem, é o Tao’.

112. A busca de equilíbrio entre os opostos é bem ilustrada nas obras de arte; daí as esculturas aparentemente eróticas do oriente, as três faces de Shiva (masculina, feminina e a união desses dois opostos), união que só pode ser conseguida num plano superior de consciência, onde o reino do pensamento e da linguagem é transcendido. Esse plano foi alcançado pela Física moderna, que revelou uma realidade que transcende a linguagem e o raciocínio, e verificou a unidade dos conceitos que nos pareciam opostos e irreconciliáveis. Assim, no nível subatômico, as partículas são igualmente destrutíveis e indestrutíveis, a matéria é igualmente contínua e descontínua, e força e matéria não passam de aspectos diferentes do mesmo fenômeno, enquanto, tempo e espaço, que pareciam totalmente diferentes, foram unificados na teoria da relatividade. Objetos que parecem separados, num plano a duas dimensões, se revelam partes de um todo único, num plano a três dimensões. O plano de nossos sentidos é tridimensional e, objetos que nesse plano nos aparentam estar separados, mostram-se unificados no plano quadridimensional da Física moderna, onde força e matéria se mostram unificadas, onde a matéria pode aparecer como partículas descontínuas ou como um campo contínuo (ondas de energia). Os físicos modernos podem vivenciar o plano quadridimensional nas suas teorias e experimentos e, os místicos, no estado de meditação profunda. Lama Govinda: ‘A experiência de dimensão superior é alcançada por um estado de consciência elevado, que se obtém na meditação. Aí, deparamo-nos com certas experiências que são indizíveis, pois o plano de consciência comum, ao qual retornamos, limita nosso processo de pensamento’.

112. A busca de equilíbrio entre os opostos é bem ilustrada nas obras de arte; daí as esculturas aparentemente eróticas do oriente, as três faces de Shiva (masculina, feminina e a união desses dois opostos), união que só pode ser conseguida num plano superior de consciência, onde o reino do pensamento e da linguagem é transcendido. Esse plano foi alcançado pela Física moderna, que revelou uma realidade que transcende a linguagem e o raciocínio, e verificou a unidade dos conceitos que nos pareciam opostos e irreconciliáveis. Assim, no nível subatômico, as partículas são igualmente destrutíveis e indestrutíveis, a matéria é igualmente contínua e descontínua, e força e matéria não passam de aspectos diferentes do mesmo fenômeno, enquanto, tempo e espaço, que pareciam totalmente diferentes, foram unificados na teoria da relatividade. Objetos que parecem separados, num plano a duas dimensões, se revelam partes de um todo único, num plano a três dimensões. O plano de nossos sentidos é tridimensional e, objetos que nesse plano nos aparentam estar separados, mostram-se unificados no plano quadridimensional da Física moderna, onde força e matéria se mostram unificadas, onde a matéria pode aparecer como partículas descontínuas ou como um campo contínuo (ondas de energia). Os físicos modernos podem vivenciar o plano quadridimensional nas suas teorias e experimentos e, os místicos, no estado de meditação profunda. Lama Govinda: ‘A experiência de dimensão superior é alcançada por um estado de consciência elevado, que se obtém na meditação. Aí, deparamo-nos com certas experiências que são indizíveis, pois o plano de consciência comum, ao qual retornamos, limita nosso processo de pensamento’ (Paulo: ‘vi e ouvi coisas indizíveis’).

113. A partícula, por ser apenas um padrão de probabilidades (onda), tende a existir em diversos lugares, manifestando estranha modalidade de realidade física entre a existência e a não-existência: não está presente num local definido, nem está ausente; não altera sua posição, nem permanece em repouso; nas palavras da Física: ‘Se se indagar se a posição do elétron permanece a mesma, respondemos ‘não; se a posição varia com o tempo, respondemos ‘não’; se ele permanece em repouso, respondemos ‘não’; se está em movimento, respondemos ‘não’. Essa afirmação é semelhante às palavras dos Upanishads: ‘Move e não se move; está longe e está perto; está dentro de tudo e está fora de tudo. ’

114. Força e matéria, partículas e ondas, movimento e repouso, existência e não-existência - são alguns dos conceitos opostos ou contraditórios que a Física moderna transcendeu. Destes, o mais estranho e fundamental é o último e, no entanto, na Física moderna, somos obrigados a ir além até mesmo do conceito de existência e não-existência. Esta é a característica da teoria quântica mais difícil de ser aceita e de interpretar, e é um dos aspectos mais enigmáticos do misticismo oriental, que também lida com uma realidade que se situa além da existência e da não-existência. Govinda: ‘A qüididade não é aquilo que é existência, nem é aquilo que é não-existência, nem aquilo que é ao mesmo tempo existência e não-existência, nem aquilo que não é ao mesmo tempo existência e não-existência’.

115. Nas palavras dos místicos como nas dos físicos quânticos, os opostos são complementares, se complementam, se integram (yang e yin). Bohr introduziu a noção de complementaridade; para Bohr, partícula e onda são duas descrições da mesma realidade. Essa noção tornou-se essencial à maneira pela qual os físicos modernos pensam acerca da natureza, mas, já há dois mil e quinhentos anos, tem papel importante no antigo pensamento chinês, devido ao insight de que os conceitos opostos são complementares. Os místicos representavam essa complementaridade pelo par yin e yang, considerando sua interação a essência de todos os fenômenos naturais e de todas as situações humanas. Tão impressionado ficou Bohr ao conhecer a noção chinesa de opostos polares que, nomeado cavaleiro, fez desenhar no seu brasão o símbolo ‘t’ai-chi’, que representa a relação complementar dos opostos yin e yang com a inscrição ‘Contraria sunt complementa’ (os opostos são complementares), que é a base da filosofia oriental, reconhecendo a profunda harmonia existente entre a antiga sabedoria oriental e a moderna ciência ocidental.

116. ESPAÇO-TEMPO - A Física atual confirmou, de forma dramática, uma das idéias básicas do misticismo oriental: a de que todos os conceitos que utilizamos para descrever a natureza são limitados, e não características da realidade, como acreditávamos, mas criações da mente, partes do mapa, mas não do território. Nossas noções de espaço e tempo figuram, de forma destacada, em nosso mapa da realidade, razão pela qual são de suprema importância em nossa vida do dia-a-dia. Todas as leis da Física usam os conceitos de espaço e tempo para sua formulação e só compreendemos a natureza e os fenômenos usando esses conceitos. Por isso, as profundas modificações desses conceitos básicos, advindas da teoria da relatividade, constituíram uma das maiores revoluções na história da ciência.

117. A Física clássica baseava-se na noção de um espaço absoluto, de três dimensões, independente dos objetos materiais que contém e, obedecendo às leis da geometria euclidiana, e, também, na noção de tempo, dimensão separada, absoluta, fluindo de maneira uniforme, independentemente do mundo material. A geometria era inerente à natureza, como se considerou por mais de dois mil anos; contudo, Einstein mostrou que a geometria é construção da mente humana. Margenau: ‘O reconhecimento central da teoria da relatividade é de que a geometria é uma construção do intelecto. Só quando esta descoberta é feita, pode a mente sentir-se livre para lidar com as noções de espaço e tempo.’

118. O misticismo oriental sempre sustentou que espaço e tempo são construções mentais e, assim, noções relativas, limitadas e ilusórias: ‘Foi ensinado por Buda, ó monges, que o passado, o futuro, o espaço físico... e os indivíduos não passam de nomes, formas de pensamento, realidades meramente superficiais’. Govinda: ‘Fique bem claro que espaço nada mais é que um modo de particularização, não possuindo existência própria. Ele existe unicamente em relação à nossa consciência particularizadora’. Igual observação aplica-se à nossa idéia de tempo. Os místicos orientais ligam as noções de espaço e tempo a estados particulares de consciência, porque, pela meditação, que os levou além do estado comum, compreenderam que as noções convencionais de espaço e tempo não constituem a verdade última. As noções requintadas de espaço e tempo resultantes da meditação assemelham-se às noções da Física moderna advindas da teoria da relatividade. As especificações espaciais ‘esquerda’, ‘direita’, ‘acima’, ‘abaixo’, etc. dependem da posição do observador sendo, pois, relativas. No tocante ao tempo, a ordem temporal de dois eventos era tida como independente de qualquer observador. As especificações temporais ‘antes’, ‘depois’, ‘simultaneamente’, eram tidas como absolutas, independentes de qualquer sistema de coordenadas; Einstein, contudo, provou que também são relativas e que dependem da posição do observador.

119. A relatividade do tempo exige que se abandone a noção de espaço absoluto. Um evento distante que ocorre em algum instante particular para um observador pode ocorrer antes ou depois para outro observador. Espaço absoluto, independente do observador, não existe. Afirmou o físico moderno, Mendel Sachs: ‘A verdadeira revolução advinda da teoria de Einstein... foi o abandono da suposição de que o sistema de coordenadas do espaço-tempo possui significado absoluto como entidade física isolada. Em vez disso, a teoria da relatividade implica o fato de que essas coordenadas são apenas elementos de uma linguagem utilizada por um observador para descrever seu meio ambiente’.

120. Essa afirmação mostra a semelhança entre as noções de espaço e tempo da Física atual e aquelas dos místicos orientais que afirmam que ‘espaço e tempo não passam de nomes, de formas de pensamento, de palavras de uso comum’.

121. Minkowski (conferência, 1908): ‘As novas concepções de espaço e tempo vieram da Física experimental e aí está sua força. São concepções radicais. Daqui por diante, espaço e tempo estão condenados a desaparecer como simples sombras e só uma espécie de união (são um continuum) entre ambos preservará uma realidade independente’.

122. Em face da velocidade finita da luz (300 mil km/seg.), nunca vemos o universo como ele é no presente mas, sempre, como era no passado. A luz gasta oito minutos para vir do Sol à Terra; por isso, quando vemos o Sol em qualquer momento, estamos vendo como ele era oito minutos atrás. Vemos a estrela mais próxima como ela existia há quatro anos e, com os potentes telescópios, vemos galáxias como elas eram há milhões de anos.

123. Em todo o misticismo oriental existe essa visão de que espaço e tempo são relativos e interdependentes. Suzuki: ‘O Avatamsaka (visão do mundo na iluminação) é ininteligível, a menos que cheguemos a um estado de completa dissolução onde não mais exista distinção entre mente e corpo, sujeito e objeto; onde cada objeto se acha relacionado com cada um dos demais objetos, não apenas temporal como também espacialmente. Como fato de pura experiência, inexiste espaço sem tempo, inexiste tempo sem espaço; eles se interpenetram’. Essas novas noções de espaço e tempo se baseiam na experiência: experimentos científicos, num caso; experiência na meditação, no outro.

124. Devido à compreensão de que espaço e tempo se acham intimamente vinculados e se interpenetram, e que a mudança (impermanência) é elemento essencial, vê-se, igualmente, impressionante semelhança entre a visão da Física atual e a do misticismo oriental quanto a estes dois elementos básicos da concepção do mundo: a unidade básica do universo e sua natureza total e intrinsecamente dinâmica.

125. Os sábios orientais falam de uma ampliação de sua experiência do mundo nos estados superiores de consciência, e enfatizam que, não apenas ultrapassam o espaço tridimensional pela meditação, como transcendem a experiência comum de tempo. Em vez de uma sucessão linear de instantes, experimentam um presente infinito, eterno e dinâmico, que denominam de ‘eterno agora’ (eternidade). Suzuki: ‘No mundo atemporal não existem divisões de tempo, passado, presente e futuro; tais divisões contraíram-se num único momento do presente, no qual a vida palpita em seu verdadeiro sentido. Esse momento não é parado; ele, incessantemente, se move’.

126. Broglie: ‘No espaço-tempo, tudo que para nós constitui o passado, o presente e o futuro, é dado em bloco. Cada observador, à medida que seu tempo ‘passa’, ‘descobre’ novas porções de espaço-tempo que lhe parecem aspectos sucessivos do mundo material, embora, na realidade, o conjunto dos eventos que constituem o espaço-tempo exista anteriormente ao seu conhecimento dos mesmos. ’

127. Govinda: ‘Na meditação, a experiência de espaço é totalmente diferente da usual; e a seqüência temporal é convertida numa coexistência simultânea; nada permanece estático; tudo é um ‘continuum’ vivo no qual espaço e tempo acham-se integrados’.

128. Mestre Zen: ‘A maioria das pessoas acredita que o tempo passa; na verdade, o tempo permanece onde está. Essa idéia de passagem é chamada tempo; trata-se, contudo, de uma idéia incorreta, já que, na medida em que (condicionados) o encaramos como passagem, não podemos perceber que ele permanece onde está’. O Zen enfatiza que o pensamento tem lugar no tempo mas que a visão (mística) o transcende: ‘A visão é levada a um espaço-tempo de dimensão superior e, por isso, eterno’. O espaço-tempo da visão da Física moderna também é espaço-tempo eterno e infinito de uma dimensão mais elevada. Aí, todos os fenômenos estão interligados, mas as interligações não são causais... nesse contexto, inexiste o ‘antes’ e o ‘depois’ e, por isso, inexiste causalidade. De modo semelhante, os místicos orientais asseguram que ao transcender o tempo (pela meditação), eles transcendem igualmente o mundo de causa e efeito. Vivekananda: ‘Tempo, espaço e causalidade assemelham-se ao vidro através do qual se vê o Absoluto. No Absoluto, inexistem espaço, tempo e causalidade. ’ Afirma-se, então, que o misticismo constitui uma forma de libertação do tempo. Pode-se dizer o mesmo da Física moderna.

129. Segundo o misticismo oriental, a realidade é a essência do Todo, sustentando e unificando todas as coisas e eventos do universo. Para os hindus, isso é Brahman; para os budistas, Tathata (Qüididade); para os taoístas, Tao. Eles afirmam que essa realidade última está além de nossos conceitos intelectuais, desafiando qualquer descrição (Paulo: ‘vi e ouvi coisas indizíveis’). A sua característica central está no fato de se manifestar em incontáveis formas que assumem sua existência e se desintegram, transformando-se em outras formas num processo sem fim. Em sua unidade fenomenal, a Unidade cósmica é intrinsecamente dinâmica e a percepção dessa natureza dinâmica é básica para todas as escolas de misticismo oriental. Budismo: ‘A idéia central está na apreensão dinâmica do universo cuja característica consiste em mover-se sempre, em estar sempre num movimento sem fim, e isso é a vida’. (o movimento que não é movimento, movimento indiviso, de Krtishnamurti). Shiva, o Dançarino Cósmico, é talvez a personificação mais perfeita do universo eternamente em movimento. (a dança sem dançarinos, conforme Capra).

130. A visão geral que emerge do hinduísmo é a de um cosmos orgânico, crescendo e movendo-se ritmicamente, onde tudo fluí em permanente mudança; todas as forças estáticas são ‘maya’, isto é, existem apenas como conceitos mentais e, portanto, ilusórios. Este ponto, a impermanência de todas as coisas, é a base do budismo. Buda ensinou que ‘todas as coisas compostas são impermanentes’ e que todo o sofrimento presente no mundo vem de nossa tentativa de nos apegarmos a formas fixas, o que é impossível (pois todas as formas são impermanentes, transitórias) - objetos, pessoas ou idéias - em vez de aceitarmos o mundo à medida que este se move e se transforma: ‘Há 2500 anos, Buda formulou a maravilhosa filosofia do dinamismo universal. Impressionado com a mutação incessante de todas as coisas, reduziu substâncias, almas, coisas, forças, movimentos, seqüências e processos, a coisas apenas transitórias, e adotou uma concepção dinâmica da realidade’. Esse mundo de mudança é ‘sansara’ (movimento sem fim) e o iluminado é aquele que não opõe resistência ao fluxo da vida, mas permanece em movimento com ele. Tao é o processo cósmico que abrange todas as coisas no seu fluir sem fim e, por isso, os taoístas afirmam que o sábio é aquele que ‘flui na corrente do Tao’.

131. Em todos os textos religiosos e filosóficos hindus, budistas e taoístas está evidente que o mundo é concebido em termos de movimento, fluxo e mudança, qualidade dinâmica que é uma de suas características básicas; o universo é uma teia indivisível, inseparável, e cujas interconexões, não são estáticas, mas dinâmicas. Essa teia é viva; move-se, cresce e se transforma incessantemente. À semelhança disso, a Física, hoje, concebe o universo como uma teia de relações intrinsecamente dinâmicas. O aspecto dinâmico emerge da teoria quântica como uma conseqüência da natureza ondulatória das partículas subatômicas, e da teoria da relatividade que revelou a unificação do espaço e tempo, o que implica que a existência da matéria não pode ser separada de sua atividade, em termos de movimento, interação e transformação sem fim. A matéria jamais está em repouso, mas em permanente estado de movimento. Quanto menor o volume de seu confinamento, as partículas respondem a ele agitando-se a velocidades inimagináveis. Lowell: ‘Atingimos (na Física moderna) a grande barreira do pensamento, pois nos pomos a lutar com os conceitos de espaço e tempo (que ali não têm o significado que lhes damos). Por isso, sinto-me como se houvesse sido empurrado para uma espessa neblina onde desaparece o mundo que nos é familiar’.

132. A transformação incessante das partículas que compõem todas as coisas é ilustrada no misticismo: ‘Brahman se transforma no próprio mundo; o Um se transforma nos muitos e os muitos retornam ao Um’; ‘Ao findar-se a noite do tempo, todas as coisas retornam à minha natureza; ao começar o novo dia do tempo, trago-as novamente à luz. Dessa forma, processam-se todos os ciclos do mundo’.

133. A descoberta, de que a massa é apenas uma modalidade de energia, levou-nos a modificar totalmente o conceito de partícula, que deixou de ser associada à substância material, razão pela qual elas não são mais vistas como consistindo de um estofo material ‘básico’, mas como pacotes de energia (confinada) e, considerando que energia está associada à atividade, a ‘processos’, resulta daí que a natureza das partículas é intrinsecamente dinâmica. Esses pacotes dinâmicos de energia formam as estruturas nucleares, atômicas e moleculares estáveis que constituem a ‘matéria’ e lhe conferem seu aspecto macroscópico sólido, levando-nos a acreditar que ela é feita de alguma substância material. Contudo, observando as partículas, não podemos ver qualquer substância: o que vemos são padrões dinâmicos que se transformam continuamente uns nos outros, uma contínua dança de energia, e isso é o universo e isso somos nós.

134. As partículas não são grãos isolados de matéria, mas padrões de possibilidades, interconexões na teia cósmica indivisível. Sua atividade incessante é a essência de sua existência. Os místicos, em seus não usuais estados de consciência, chegaram à percepção da interpenetração do espaço e do tempo a nível macroscópico e vêem os objetos macroscópicos de forma muito semelhante à dos físicos. Um dos principais ensinamentos do Buda era que ‘todas as coisas compostas são não-permanentes’; o termo usado para ‘coisas’ é ‘samskara’, que significa primariamente ‘evento’, ‘acontecimento’, ‘ação’ que é o que as coisas são: um evento que surge e se desfaz, um processo dinâmico em incessante transformação. Suzuki: ‘Os budistas concebem um objeto como um evento e não como uma coisa ou substância’.

135. Como o físico moderno, o místico encara os objetos como processos num fluxo universal, negando a existência de qualquer substância material. No taoísmo é a mesma concepção: um Tao que flui perenemente. A Física moderna conhece, hoje, mais de duzentas partículas (do átomo), a maioria criada nos processos de colisão e vivendo muito menos que um milionésimo de segundo. É evidente que essas partículas de vida curtíssima representam padrões meramente transitórios de processos dinâmicos, e é delas que todos os objetos do universo, incluindo nossos corpos, são constituídos.

136. A visão clássica do mundo baseava-se no conceito de partículas sólidas e indestrutíveis deslocando-se num espaço vazio. A nova Física trouxe uma revisão radical dessa concepção, transformando totalmente a noção do que sejam partículas e vazio. Este foi substituído pelo campo magnético, produzido por cargas em movimento, isto é, correntes elétricas, e as forças elétricas daí resultantes podem ser sentidas por outras cargas em movimento. Contudo, o campo existe independentemente da existência de corpos materiais (contrariando a concepção clássica). Ele pode deslocar-se através do espaço na forma de ondas de rádio, de luz ou outras modalidades de energia ou radiação eletromagnética. Matéria e espaço, cheio e vazio, eram os conceitos contrários em que se baseava a Física clássica. Na relatividade de Einstein, esses dois conceitos não podem mais ser separados e, sempre que exista um corpo ‘sólido’, existirá a força gravitacional que ‘curva’ o espaço; e o campo é o espaço curvo. Matéria e espaço são, pois, partes inseparáveis e interdependentes de um único todo. Vimos, antes, que tempo e espaço são interdependentes e inseparáveis; logo, matéria, espaço e tempo, são totalmente inseparáveis e interconexos. A inércia dos objetos materiais, isto é, a resistência à aceleração, não é propriedade intrínseca da matéria, mas uma medida de sua interação (e interdependência) com o restante do universo.

137. Assim, a Física moderna mostra-nos, agora no nível macroscópico, que os objetos materiais não são entidades isoladas, mas se encontram inseparavelmente vinculados ao espaço e ao tempo; que suas propriedades só podem ser compreendidas em termos de sua interação com o meio, com o restante do universo; e essa interação volta-se para o universo como um todo, para as estrelas e galáxias distantes. A unidade básica do universo manifesta-se, pois, não só no mundo do muito pequeno, mas também no mundo do muito grande. Hoyle: ‘Nossa experiência cotidiana, até mesmo nos detalhes mais insignificantes, mostra-se tão intimamente integrada às características em grande escala do universo que é impossível encará-las como coisas separadas’.

138. O campo é compreendido como entidade física fundamental, um meio contínuo que está presente em todos os pontos do espaço. As partículas são condensações do próprio campo, concentrações de energia que surgem e se desfazem, perdendo seu caráter individual e desaparecendo no campo subjacente. Einstein: ‘... a matéria é constituída por regiões do espaço nas quais o campo é extremamente intenso. Nesse novo tipo de Física não há lugar para campo e matéria; campo é a única realidade’. Também os místicos orientais consideram essa entidade subjacente como a realidade última e, portanto, todas as manifestações fenomênicas são vistas como transitórias e ilusórias.

139. Logo, o espaço vazio, o Vazio, não deve ser visto como um simples nada. Ao contrário, é a essência de todas as formas e a fonte de toda a vida. Upanishads: ‘Brahman é vida, é alegria, é o vazio. Alegria, na verdade, é o mesmo que Vazio. Vazio, na verdade, é o mesmo que alegria’. O Vazio que possui o potencial de gerar uma infinidade de coisas (o campo das infinitas possibilidades, de Maharesh) e pode ser comparado ao campo quântico da Física moderna. À semelhança do mundo subatômico do físico, o mundo fenomênico do místico oriental é o mundo de samsara, de nascimento e morte contínuos. Por serem manifestações transitórias do Vácuo, as coisas neste mundo não possuem qualquer identidade fundamental, ponto enfatizado particularmente no budismo, que nega a existência de qualquer substância material e sustenta que a idéia de um Si-mesmo (ego, eu) constante, e que passa por experiências sucessivas, é ilusão. Os budistas comparam essa ilusão de substância material e de um Si-mesmo individual ao fenômeno de uma onda de água, na qual os movimentos de subida e descida das partículas de água nos fazem acreditar que uma ‘parte’ da água se move sobre a superfície. É interessante observar que os físicos utilizaram a mesma analogia no contexto da teoria de campo para indicar a ilusão de uma substância material criada por uma partícula em movimento. Weyl: ‘Conforme a teoria de campo, uma partícula material - por exemplo, um elétron - é apenas um pequeno domínio do campo elétrico no qual a intensidade do campo assume valores extremamente elevados, indicando que uma energia de campo comparativamente elevada acha-se concentrada num espaço bastante pequeno. Um tal nó de energia, que de forma alguma está claramente delineado contra o campo restante, propaga-se através do espaço vazio como uma onda de água através da superfície de um lago. Não existe algo que seja uma substância única da qual o elétron se compõe sempre’ (os objetos não são constituídos sempre das mesmas partículas).

140. Os confucionistas desenvolveram a noção do ‘ch’i’ que apresenta a mais notável semelhança com o conceito de campo na Física moderna. Ch’i é concebido como uma forma tênue e não perceptível de ‘matéria’ presente em todo o espaço e que pode condensar-se em objetos materiais. Chuang Tsai: ‘Quando o ch’i se condensa, sua visibilidade torna-se evidente de modo que existem, então, as formas (os objetos e coisas materiais). Quando se dispersa, sua visibilidade não é mais evidente e não mais há formas. No momento de sua condensação, podemos afirmar outra coisa a não ser que se trata de algo temporário? E, no momento de sua dispersão, podemos afirmar que se torne, então, inexistente?’

141. Assim, ch’i se condensa e se dissolve ritmicamente, gerando todas as formas que, de maneira imprevista, se dissolvem no Vácuo. Chuang Tsai: ‘O Grande Vácuo não pode consistir senão em ch’i; ch’i não pode condensar-se senão para formar todas as coisas; e as coisas não podem dissolver-se senão para formar uma vez mais o Grande Vácuo’ (ch’i).

142. À semelhança do que se verifica na teoria quântica do campo, o campo ou o ch’i não é apenas a essência subjacente a todos os objetos materiais como, igualmente, transporta suas interações mútuas sob a forma de ondas. Física: ‘A física moderna colocou nossa visão acerca da matéria num contexto diferente. Desviou nosso olhar do que é visível - partículas, objetos - para a entidade subjacente (invisível), o campo. A matéria é simplesmente uma perturbação do estado perfeito do campo nesse lugar, algo acidental, pode-se dizer, um mero ‘defeito’ na perfeição do campo’. Misticismo: ‘O universo constitui um todo perfeitamente contínuo. O ch’i condensado em matéria palpável não está particularizado em qualquer sentido importante, mas os objetos individuais agem e reagem com todos os demais objetos individuais de maneira vibratória ou semelhante a ondas, dependentes, em última instância, da alternância rítmica, em todos os níveis, das duas forças fundamentais, yin e yang. Dessa forma, os objetos individuais possuem ritmos intrínsecos e estes estão integrados no padrão geral da harmonia do universo’. (interdependência total).

143. O campo é um ‘continuum’ que está presente em todos os pontos do espaço e, contudo, em seu aspecto de partícula, apresenta estrutura descontínua. Dois conceitos aparentemente contraditórios são assim unificados e vistos como aspectos diferentes da mesma realidade. A unificação ocorre de forma dinâmica: os dois aspectos da matéria (onda e partícula) se transformam incessantemente um no outro. Govinda: ‘A relação entre forma e vazio não pode ser vista como um estado de opostos mutuamente exclusivos, mas como dois aspectos da mesma realidade, que coexistem em cooperação contínua’. Budismo: ‘O que é forma é vazio, o que é vazio é forma’.

144. A forma manifesta-se através da troca de energia entre partículas em interação, e todas as interações ocorrem através da troca de partículas. Uma característica fundamental do mundo subatômico é a criação e destruição incessante de partículas. Força (energia) e matéria, dois conceitos tão nitidamente separados na física clássica, têm origem comum nos padrões dinâmicos a que denominamos partículas. Essa concepção acerca das forças é também característica do misticismo oriental, que considera o movimento e a mudança propriedades essenciais e intrínsecas de todas as coisas. Chuang Tsai: ‘Todas as coisas possuem uma força espontânea e dessa forma seu movimento não lhes é imposto a partir do exterior’. I Ching: ‘As leis naturais não são forças externas às coisas, mas representam a harmonia do movimento a elas imanente’.

145. Igualmente, na física quântica do campo, as forças entre as partículas refletem padrões dinâmicos inerentes a essas partículas. Essa teoria mostra que as partículas não podem ser separadas do espaço que as circunda, que elas determinam a estrutura desse espaço, sendo vistas como condensações do campo contínuo que está presente em cada ponto do espaço. O campo é visto como a base de todas as partículas e de suas interações mútuas: ‘O campo existe sempre e por toda parte; jamais pode ser removido. É o portador de todos os fenômenos naturais. É o Vácuo a partir do qual todas as partículas (toda a matéria) surgem (são criadas) e no qual todas as partículas desaparecem (são destruídas). A criação e a destruição das partículas não passam de movimentos do campo’.

146. Quando se tornou evidente que as partículas podem passar a existir espontaneamente a partir do vácuo e desaparecer novamente no vácuo, sem que esteja presente qualquer força de qualquer outra partícula, a diferença entre espaço vazio e matéria teve de ser abandonada. Partículas são formadas a partir do nada e desaparecem em seguida no nada. Eventos desse tipo ocorrem a todo instante. O vácuo, o chamado Vazio, está longe de ser vazio; ao contrário, contém um número sem limites de partículas que passam a existir e que deixam de existir ininterruptamente. O vácuo, da teoria de campo, como o vazio, do misticismo, não é um estado de um simples nada, mas contém a potencialidade para todas as formas do mundo das partículas. Essas formas não são entidades físicas independentes mas, apenas, manifestações transitórias do campo subjacente. Chuang Tsai: ‘Quando se sabe que o Grande Vácuo está pleno de ch’i, compreende-se que não existe coisa alguma que seja o nada’. (Mahareshi: ‘O campo das infinitas possibilidades’. Física: ‘a singularidade, o ponto infinitamente pequeno, onde estavam reunidas todas as forças que deram origem ao ‘bigbang’).

147. A Dança Cósmica. A matéria tem natureza intrinsecamente dinâmica. Os componentes dos átomos, as partículas subatômicas, são padrões dinâmicos que não existem como partes isoladas, mas partes integrantes de uma rede inseparável de interações. Essas interações envolvem um fluxo incessante de energia que se manifesta como troca de partículas, uma interação na qual as partículas são criadas e destruídas interminavelmente numa variação contínua de padrões de energia, dando origem às estruturas ‘estáveis’ (objetos e coisas) do mundo material, as quais não permanecem estáticas mas oscilam em movimentos rítmicos. Todo o universo está em movimento e atividade incessantes, numa permanente dança cósmica de energia.

148. O estudo das partículas revela alto grau de ordem. Todos os átomos e, conseqüentemente, todas as formas de matéria em nosso meio ambiente, são compostos apenas de três partículas maciças: o próton, o nêutron e o elétron; a quarta partícula, o fóton, não possui massa e representa a unidade de radiação magnética. Todas podem desintegrar-se num processo de colisão. Para cada partícula existe uma anti-partícula de massa igual e carga oposta. A força que mantém os prótons e nêutrons unidos no núcleo atômico é a mais poderosa da natureza. Essa força é de dez milhões de unidades (elétrons-volts) enquanto a força que liga os elétrons ao núcleo é de dez unidades apenas.

149. ‘Todas as coisas são agregados de átomos que dançam e, por meio de seus movimentos, produzem ‘sons’. Quando o ritmo da dança se modifica, o som que produz também se modifica. Cada átomo canta incessantemente sua canção e o som, a cada instante, cria novas formas densas e sutis... ’ ‘Dançando, Brahman envia ondas vibratórias do som que desperta, cria e sustenta todas as coisas, formas e fenômenos e, na plenitude do tempo, dançando ainda, Ele destrói todas as coisas e lhes concede novo repouso. Isto é poesia e, contudo, é também ciência. ’

150. Shiva faz-nos lembrar que as múltiplas formas do mundo são maya, ilusórias e em permanente mudança, que esse deus cria e destrói no fluxo incessante de sua dança, a contínua criação-destruição do universo que é envolvido por seu ritmo. Para os físicos modernos, a dança de Shiva é a dança da matéria subatômica, de criação e destruição, que envolve a totalidade do cosmos e constitui a base de toda existência e de todos os fenômenos naturais.

151. Heisenberg: ‘Na física moderna, dividimos o mundo não em grupos de diferentes objetos, mas de diferentes conexões... O mundo aparece, assim, como complicado tecido de eventos, no qual conexões de diferentes tipos se alternam ou se sobrepõem ou se combinam e, com isso, determinam a textura do todo’.

152. Ashvagosha: ‘Quando a unidade da totalidade das coisas não é compreendida, a ignorância e a particularização têm início e todas as fases da mente corrompida são, então, desenvolvidas... Todos os fenômenos do universo nada mais são do que manifestações ilusórias da mente, não possuindo realidade própria’.

153. Sutra budista: ‘Da mente nascem coisas inumeráveis, condicionadas pela discriminação, que são aceitas pelas pessoas como o mundo externo (o mundo fora de nós, o mundo dos objetos e coisas). Mas, o que se afigura como mundo externo não existe na realidade; é, de fato, a mente que é vista como multiplicidade; os corpos, as propriedades... tudo isso, nada mais é que a mente’.

154. Radhaskrishnan: ‘Como podemos pensar em coisas em vez de em processos nesse fluxo absoluto, sem fim? É uma atitude artificial da mente que secciona a corrente de mudança e a essas secções denomina coisas. Quando percebermos essa verdade, perceberemos o absurdo de adorar produtos isolados da série sem fim de transformações como se eles fossem eternos e reais. A vida não é plena de ‘coisas’ mas de processos; é uma mudança sem fim’. Do I Ching: ‘... aqui só a mudança atua’.

155. Bootstrap (levantar-se puxando pelas próprias botas; auto-suficiência), uma visão científica moderna, tem explicação nas palavras de Ch’en Shun, 1200 a.C.: ‘Há uma lei natural e inescapável que governa as questões (humanas) e as coisas (naturais); seu significado é que todas as questões e coisas são feitas de modo a se encaixarem exatamente no seu lugar, sem que haja o mais ligeiro excesso ou deficiência’. (Assim, tudo no universo está exatamente onde deve estar; todos os processos, procedimentos condutas (e pensamentos e ações) são exatamente como devem ser, seja no âmbito particular ou geral, nos fenômenos materiais ou mentais).

156. Budismo: ‘No céu de Indra, diz-se existir uma rede de pérolas dispostas de tal forma que, se contemplamos uma, vemos todas as demais nela refletidas. Da mesma forma, cada objeto do mundo não é simplesmente ele mesmo, mas envolve todos os demais objetos e, de fato, é tudo o mais. Por isso, diz-se: ‘Em cada partícula de poeira estão presentes incontáveis Budas’, ou, William Blake: ‘... ver o mundo num grão de areia, segurar o infinito na palma da mão, e a eternidade numa hora’.

157. Leibniz: ‘Cada porção de matéria pode ser concebida como um jardim cheio de plantas e um açude cheio de peixes. Mas cada ramo de planta, cada escama de peixe, cada gota de seus humores, é também um novo jardim cheio de plantas ou um novo açude cheio de peixes’. (Sem fim).

158. Levada a seu extremo, a visão bootstrap implica que a existência da consciência, juntamente com todos os demais aspectos da natureza, é necessária para a auto-consistência (e auto-consciência) do todo.

159. EPÍLOGO - As filosofias das tradições orientais se interessam pelo conhecimento místico, eterno, que se situa além do raciocínio, além do ego, e não pode ser adequadamente expresso em palavras. A relação desse conhecimento com a Física moderna é apenas um de seus múltiplos aspectos e, como todos os outros, não pode ser demonstrada de forma conclusiva, tendo de ser experimentada de forma intuitiva direta (pela meditação; ‘venha e veja por si mesmo’). As teorias e modelos principais da Física moderna levam-nos a uma visão de mundo que é internamente consistente e está em perfeita harmonia com as concepções do misticismo oriental. Para aqueles que já experimentaram essa harmonia, o paralelismo entre as duas visões está fora de qualquer dúvida. Os diferentes caminhos que homens e mulheres têm seguido na tentativa de compreender o mistério da Vida, entre eles o caminho do cientista e o do místico, deram origem a diferentes descrições do mundo que enfatizam diferentes aspectos. Todas elas, contudo, não passam de descrições ou representações da mesma realidade procurada e são, portanto, limitadas. Nenhuma fornece uma representação completa do mundo; apenas uma representação aproximada.

160. A visão de mundo da Física clássica é útil para a descrição dos fenômenos de nossa vida diária; logo, é apropriada para lidar com o nosso meio ambiente de todos os dias e, muito bem sucedida como base para a tecnologia, cujo objetivo é nos proporcionar melhor qualidade de vida. É, contudo, inadequada para descrição dos fenômenos do mundo subatômico. Em oposição a essa visão mecanicista, está a visão dos místicos, ‘orgânica’ (sistêmica), uma vez que eles encaram todos os fenômenos do universo como partes integrantes de um todo (sistema) harmonioso e inseparável. Essa visão surge a partir de estados de meditação. Em sua descrição do mundo, os místicos utilizam conceitos derivados dessas experiências não usuais que são, em geral, inadequados para uma descrição científica macroscópica. Na vida diária, as duas visões são úteis e válidas: uma, para a ciência e a tecnologia; outra, para uma vida espiritual equilibrada e plena.

161. As duas visões surgem quando se questiona sobre a natureza essencial das coisas: na Física, para dentro dos reinos mais profundos da matéria; no Misticismo, para dentro dos reinos mais profundos da consciência. Nas duas visões se descobre uma realidade diferente por trás da aparente mecanicista superficial da vida cotidiana. Mas, embora usem métodos de investigação totalmente diferentes, a semelhança entre as duas visões é impressionante. Os físicos obtêm seu conhecimento dos experimentos; os místicos, da meditação. O místico olha para dentro e explora sua consciência em seus vários níveis, o que inclui o corpo como a manifestação física da mente, isto é, o místico experimenta o universo como uma extensão de seu corpo. Govinda: ‘Para o homem iluminado, cuja consciência abarca o universo, este se torna seu ‘corpo’, ao passo que seu corpo físico torna-se uma manifestação da Mente Universal; sua visão interior, uma expressão da realidade mais elevada, e sua palavra, uma expressão da verdade eterna e do poder mântrico’.

162. O físico, penetrando nas profundezas da matéria, torna-se consciente da unidade essencial de todas as coisas e eventos. Mais ainda: compreende que ele mesmo e sua consciência são partes integrantes, inseparáveis, e dependentes desse todo que é a unidade universal, cujas ‘partes’ estão inter-relacionadas com todas outras partes e eventos do cósmico. Portanto, físico e místico chegam à mesma conclusão: o primeiro, a partir do mundo exterior; o outro, a partir do mundo interior. A harmonia entre suas visões confirma a antiga sabedoria indiana segundo a qual Brahman (ou Deus), a realidade última, que está em tudo e é tudo, é idêntica a Atman (a alma), a realidade última interna.

163. Uma outra semelhança é que suas observações têm lugar em reinos inacessíveis aos sentidos comuns. Na Física moderna, o mundo atômico e o subatômico, inacessíveis aos sentidos humanos; no misticismo, os estados não usuais de consciência, os quais, para atingi-los, temos que transcender os sentidos. Assim, os caminhos do místico e do físico moderno, que pareciam totalmente sem qualquer relação, têm, de fato, muito em comum. Contudo, embora as teorias científicas levem os cientistas a uma visão de mundo semelhante à dos místicos, é impressionante notar quão pouco isso afetou as atitudes da maioria dos cientistas frente à vida, enquanto no misticismo, ao contrário, o conhecimento (leva à ação) não é separado de um determinado modo de encarar a vida do dia-a-dia, que é manifestação viva desse conhecimento. Assim, adquirir conhecimento místico equivale a passar por tremenda transformação; ou melhor, esse conhecimento é a transformação. No entanto, o conhecimento científico tem freqüentemente permanecido apenas na teoria. A maioria dos físicos não compreendeu ainda as importantes implicações filosóficas, culturais e espirituais de suas teorias, e apóia ativamente uma sociedade que ainda se baseia numa visão de mundo fragmentada e, logo, equivocada. Não perceberam que a ciência aponta para além dessa visão, em direção à unidade e à totalidade do universo, que inclui não somente o ambiente natural do qual vivemos e dependemos, mas, também, todos os seres, humanos ou não.

Nagarjuna: ‘Todas as coisas recebem seu ser e sua natureza por mútua dependência. ’

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