(17) O QUE JESUS REALMENTE ENSINOU
(jcl-ribpreto-2006)
Infelizmente, os mais importantes ensinamentos
de Jesus não são divulgados pelas igrejas cristãs. Nestas, ensina-se sobre a
vida desse homem iluminado, mas quase nada sobre aquilo que ele, em seu tempo,
tentou ensinar e fazer com que os discípulos e o povo compreendessem. Ele
ensinou sobre o reino de Deus, enquanto as igrejas cristãs ensinam sobre sua
vida.
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Jesus teve o percebimento de que ele era
a própria divindade, ‘eu e o Pai somos um’. Compreendeu, então, e ensinou que o
caminho é para dentro, para o interior do próprio ser humano, e mostrou isso ao
afirmar, de modo claro, que ‘o eu é o caminho, a verdade e a vida’, como
igualmente ensinaram outros, entre eles S. Agostinho ao dizer que, depois de
muito procurar por Deus fora, nas coisas do mundo, foi encontrá-lo dentro dele
mesmo.
Do mesmo modo, Teresa de Ávila dizia ser
absurdo buscarmos Deus fora de nós, nos céus; que devíamos, antes, procurá-lo
dentro de nós mesmos, pois é em nossa alma que o Senhor habita, como Paulo
também falou: ‘O Senhor habita em vossos corações”, “Vós sois o templo do Altíssimo’.
Jesus ensinou a nos fecharmos em nós
mesmos (nada de fora a nos perturbar) e, em em oculto, em segredo, isto é, em
silêncio total, inclusive mental, ‘orarmos’ ao Pai que, em oculto, ali dentro,
nos ouve, mas essa oração não é aquilo que imaginamos ser.
Como ensinou Teresa de Ávila, santa dos
católicos, é a ‘oração de recolhimento’, na qual se recolhem todos os sentidos,
lembranças, expectativas, enfim, todas as operações mentais; se bem realizada,
entra-se, espontaneamente, na ‘oração de quietude’, na qual há total silêncio
mental; o cérebro, a mente, cessam sua ação e o ego se afasta. E, quando o ‘eu
não é, Deus é’. O único obstáculo para a aproximação do divino é o ego, com
todas suas idiossincrasias (maneira própria de sentir, de compreender; lembranças,
expectativas, ilusões, crenças, ignorância, remorsos, emoções, culpas, desejos,
medos), que poluem a consciência localizada (individual), não permitindo que
ela perceba a divindade que nela habita.
Jesus disse: ‘ninguém vai ao Pai senão
por mim (pelo Eu)’, e ‘eu sou (o Eu é) o caminho, a verdade e a vida’, isto é,
no Eu está o caminho, que é, pois, para dentro de nós mesmos; aí está a verdade
e a vida. Ele falou também: ‘não direis que o reino está ali ou acolá, pois o
reino de Deus já está dentro de vós’, como Paulo, que disse muitas vezes: ‘não
sabeis que sois o templo do Altíssimo e que o Altíssimo habita em vós?’
As igrejas esqueceram esses ensinamentos
e se ativeram à história da vida de Jesus, não transmitindo as coisas profundas
que Jesus tentava comunicar ao povo. No cristianismo primitivo, o cristianismo
dos primeiros séculos, o objetivo primordial da religião era re-ligar a
criatura ao Criador, isto é, levar o ser humano à união pessoal com Deus.
(Santa) Teresa de Ávila, doutora teologal da igreja de Roma, ensinava q essa
união pode se dar através da ‘oração de recolhimento’ e da ‘oração de quietude’;
por uma extensa gama de fatores, a igreja, entre outras coisas, esqueceu de
ensinar.
Na ‘oração de recolhimento’, a pessoa
deve ‘recolher’ suas faculdades, como lembranças, expectativas, imaginações,
desejos e emoções, e os sentidos, pois tudo isso é apenas obstáculo à oração.
Se a oração de recolhimento for bem feita, redundará na ‘oração de quietude’,
isto é, na quietude total da mente e do cérebro, que, então, sem nada que os
perturbe ou ‘polua’, ficam em silêncio. Ocorre , daí, na mente, um total vazio,
com a possibilidade de vir a ser preenchido por aquilo a que denominamos Deus.
Como disse Ken Wilber, ‘o vazio que você vê quando olha atento para o
nascedouro dos pensamentos pode, num relâmpago, mostrar a Realidade’. E como
João da Cruz ensinou: ‘Na escuridão, a luz’.
A oração de quietude nada mais é que a
‘meditação’ dos tempos antigos e atuais; exige a preparação, que consiste no
recolhimento, ou cessação, sem esforço, de qualquer movimento mental. Cessando
o movimento mental, sobrevirá a quietude do cérebro, isto é, cessa a
interferência do ‘eu/ego’ e, como afirma o profeta bíblico, ‘Aquieta-te e sabe:
eu sou Deus!’, isto é, quando o ego é afastado de nossa percepção, o que
percebemos é o próprio Deus. Quando ‘o eu não é, Deus é’. O obstáculo que nos
impede a percepção do divino é, portanto, nosso próprio ego, a nossa mente
localizada, com todo o seu conteúdo condicionado.
Para conseguir esse estado de silêncio,
é necessário que o pensamento, e tudo o mais que passa pela mente, cessem, e a
atenção é fator decisivo para esse fim. A primeira lição de Teresa de Ávila, às
noviças, era ‘atenção! atenção! atenção!’, ao momento presente, ao aqui-agora, sem
lembranças, ressentimentos ou remorsos acerca do passado, e sem devaneios,
sonhos ou expectativas, desejos e imaginações sobre o futuro. Daí ter Jesus ensinado
que ‘a cada dia basta seu cuidado’ e que não nos preocupássemos com muitas
coisas, já que ‘os lírios do campo e as aves do céu nem fiam nem plantam’, mas
têm o abrigo e o alimento necessários, supridos que são pelo eterno e único
supridor.
Um dos principais ensinamentos do
iluminado, tanto que muitas vezes exorta-nos sobre isso, foi sobre a
importância da atenção. Nesse sentido, a parábola das virgens prudentes e das
insensatas; a do servo fiel, que aguardava a volta do patrão, e outras mais.
Jesus enfatizou, sobremaneira, a realização do reino de Deus (‘buscai em
primeiro lugar o reino de Deus’) afirmando que ele já está dentro de nós (‘não
direis: ‘ei-lo aqui’, nem ‘ei-lo acolá porque o reino de Deus está dentro de
vós’); que a percepção dessa realidade é a coisa mais importante que o ser humano
tem a fazer (Jung) (‘o demais vos virá por acréscimo’), tanto que devemos, até
mesmo, abandonar tudo o mais para termos esse percebimento. Assim, as parábolas
do comprador de pérolas e a do homem que encontrou um tesouro no campo...
Fez ver que esse tesouro é mais importante
que tudo o mais, a nada se comparando, em particular quando aconselhou a
‘buscar, em primeiro lugar, o reino de Deus’, porque, encontrado o reino, a iluminação, ‘tudo o mais virá por
acréscimo’.
Disse, também, quando, pregando na
sinagoga, lhe falaram que sua mãe e seus irmãos o procuravam: ‘Quem são minha
mãe e meus irmãos? Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem as minhas
palavras e as cumprem’, isto é, aqueles que buscam e, eventualmente, encontram
o reino de Deus, pois esses seguiram seu conselho, são de sua mesma natureza,
perceberam o que ele percebeu, realizaram o reino em si mesmos e, desse modo,
compreenderam e podem também ensinar aquilo que ele ensinou.
Também, em afirmações aparentemente absurdas,
disse que para essa busca, se preciso for, devemos ‘abandonar pai e mãe’ e que
ele ‘não veio trazer a paz, mas a espada’, numa indicação de que aquele que
deseja encontrar o ‘reino’ deve se violentar nos costumes e apegos, e não fazer
o que o homem comum faz, porque, como Paulo ensinou, ‘a sabedoria de Deus é
loucura para os homens’ e ‘a sabedoria dos homens é estultícia para Deus’.
Jesus ensinou, também, que o homem e
Deus são um só ser, uma só mente, quando afirmou que ‘eu e o Pai somos um’,
como também Paulo, em suas epístolas, dizendo ‘já não sou mais eu que vivo, é o
Cristo que vive em mim’, que somos ‘co-herdeiros’ do reino e que somos iguais a
Jesus, pois ‘se nós não ressuscitarmos, nem Jesus ressuscitou’.
Jesus era um iluminado, isto é, um homem
que percebeu que ele e o Pai são um só. Como todos os iluminados, Jesus não se
calou e se dedicou a ensinar ao povo como chegar, também, a essa realização.
Muitos não compreenderam suas parábolas e seu sermão, pois ele falava do ponto
de vista daquele que se realizou. Assim, a estranheza despertada por sua
recomendação de se oferecer a outra face ao ofensor, de dar também a capa, a
quem lhe tirar as vestes, de orar pelos que nos fazem o mal, de perdoar setenta
vezes sete vezes os que nos ofendem. Nada disso é estranho para um iluminado;
ele já compreende e ama sem condições pois, pela iluminação, teve despertados o
amor, como testemunham, quase insuportável pelos semelhantes, a sabedoria e a
compaixão.
Também, exortou, àqueles que chegaram á
‘luz’, que não a escondam sob o alqueire, mas a coloquem sobre o velador, para
que ilumine a todos, isto é, ensinem suas verdades, a fim de que todos os que
ainda estão na escuridão da ignorância tenham a mesma percepção que ele teve.
Dessa percepção advêm bem-aventurança e compaixão, e pela compaixão, ante os
sofrimentos e conflitos sem fim do ser humano, muitos enfrentaram a morte por
não se calarem, tentando levar aos demais a bem-aventurança que a experiência
lhes trouxe, assim como ensinar-lhes o caminho para realizá-la.
Essa experiência, que coloca o homem em
seu verdadeiro lugar no universo, mostrando-lhe que ‘eu e o Pai somos um’, é a
experiência que, no dizer de Jung, representa o ‘sumum bonum’ para quem a teve,
nada mais lhe sendo necessário, pois ‘o demais lhe virá por acréscimo’. Como
Buda afirmou, ‘a iluminação é o fim de todo sofrimento’ e Jesus: ‘conhecereis a
verdade e a verdade vos libertará’.
Em diferentes épocas e lugares, os
homens que ‘perceberam’ afirmaram que a vida só tem significado quando se chega
ao verdadeiro autoconhecimento, isto é, ao conhecimento do que realmente somos.
Por isso, a afirmação dos iluminados de que, enquanto estamos na escuridão,
isto é, na ignorância do que somos, por não termos chegado ainda ‘lá’, não
passamos de seres incompletos, ‘subumanos’, e que a vida só adquire significado
quando temos a experiência de Deus (Teresa de Ávila: ‘tudo o mais é lixo se comparado
com essa realização’; Maharesh Marish Yoge: ‘sem essa realização somos ainda
subumanos’).
O sermão da montanha e, talvez, todas as
palavras de Jesus, e de outros iluminados, foram ditos com a compreensão que o
‘percebimento’ lhes trouxe, isto é, do ponto de vista de quem se iluminou; assim,
muitas de suas recomendações são interpretadas de modo equivocado e, por isso,
consideradas absurdas.
Por motivo de crença, as religiões
populares exortam os seus fiéis a obedecerem ou a tentarem obedecer aos
preceitos tidos como ‘a palavra de Deus’. Naturalmente, aquele que segue tais
ensinamentos se sente seguro e feliz, pois, se tem fé, está convencido de que,
após a morte física, será recompensado, pois é essa a promessa dessas
doutrinas.
Essas religiões apregoam a necessidade
de adorar e louvar o Deus único; de obedecer, sem questionamento, as regras
impostas aos féis como se fossem, no dizer dos pregadores, a ‘palavra do
Senhor’. Afirmam mesmo que, se alguém não crê ou não aceita a Jesus como o seu
Salvador, estará perdido para sempre, sem possibilidade de remissão (como o
atual chefe da igreja católica que, recentemente, afirmou que somente dentro de
sua igreja há salvação). Esquecem-se, evidentemente, de que na sua própria
escritura sagrada está a epístola do porta-voz do cristianismo, Paulo, que além
de recomendar ‘estudai de tudo e guardai o que for bom’, reza que todos somos ‘co-herdeiros’
e iguais a Jesus (Paulo: ‘se nós não ressuscitarmos nem Jesus ressuscitou’ e ‘o
gentio é igual ao judeu... ’), como as tradições místicas do Oriente, que
afirmam que já estamos desde sempre salvos, pois, se Deus é que ‘opera em nós o
pensar e o fazer’ não há, evidentemente, do que nos salvarmos. Paulo, também, afirmou
o mesmo ao ensinar que ‘nós não somos salvos por nossas obras, para que não nos
vangloriemos, mas pela graça de Deus’.
Analisem...
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