segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

           ESPERANÇA 2   (Campinas 74)  
                              
        Pessoas, veículos, vozes, sol forte no alto iluminando a cidade, o centro, as ruas cheias e movimentadas. Guardas apitam, buzinas soam aqui e ali; as pessoas movimentam-se rapidamente atrás de seus interesses mundanos: bancos, negócios, câmbio, compra e venda.
         A rua, agora, após pequena curva, estreita-se ao lado de bela catedral, cuja porta principal se abre para praça ampla e bem tratada. A rua, de calçadas muito estreitas, dum lado casas bancárias de grande importância no mundo econômico e movimentadíssimas; do outro, o templo de paredes cinzentas e lindamente arquitetado.   
          Repentinamente, no meio da tarde cheia de calor e de ruídos, sem qualquer espera, aquela sensação nunca sentida que cresce dentro do peito; cresce com mais força que a vida lá de fora, toma conta do coração e da razão, abafando o ruído exterior. Uma presença indescritível de saúde, vitalidade, alegria, felicidade, como se aquilo não fosse mais parar de crescer, aumentando, tomando conta do ser, subjugando-o com uma sensação de euforia e bem estar íntimo, sem qualquer ligação com os fatos ou eventos do dia-a-dia, de ontem, da vida familiar, profissional ou individual.
         O sentimento é tão bom, tão suave e, ao mesmo tempo, tão poderoso e firme, q leva a imaginar que, em pouco tempo, crescerá tanto que, ou o ser explodirá por não suportar tanta felicidade, ou ficará inconsciente em meio ao ruidoso vai-e-vem externo da cidade.
         A pequena porta lateral do templo convida e, lá dentro, ajoelho-me na capela do Santíssimo, a mais escura, cheia de sombras e sem ninguém.
         Enquanto cresce, a inexplicável beleza interior faz desaparecer o barulho da rua e, ali, ajoelhado física e espiritualmente, espero o quê, a coisa, que não conheço, que deve estar para nascer, brotar, acontecer...
         Tudo está apagado; não mais percebo onde estou, quem sou, o que faço. Só existe agora... felicidade e deslumbramento no coração. Não mais cansaços, preocupações, problemas, trabalhos, necessidades, desejos, esforços; só existe aquele sentimento interior que anula até o pensamento e que o ser tão só e unicamente percebe com intensidade. É como se houvesse luzes, sem luzes; perfumes, sem perfumes; música, sem música.   
         O ser não é mais independente ou separado, ou mesmo consciente, a não ser daquela sensação maravilhosa. E aguarda sem querer, e sem poder não querer, algo indefinível que parece se aproxima, ou de dentro, ou de fora, não sabe, não advinha...
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         Aos poucos, delicadamente, a consciência volta: primeiro, uma sensação gostosa de toda pele, particularmente dos braços e nuca, arrepiada num arrepio que mexe com todo o corpo. Depois, lentamente, a princípio com pouca intensidade, os ruídos da rua como que se aproximam e penetram a catedral, a capela escura. Vejo as sombras, os genuflexórios, o altar; sinto os joelhos, o corpo, o calor, a vida de fora a vibrar.
        Dentro, no íntimo, aquela sensação perdura, inapagada, mas agora fraca, leve, obscura.
        Deixo o templo. É como um choque a realidade interior e esta, agora, ao envolver-me com o burburinho da cidade. Caminho devagar, tentando, sem tempo, pois a vida chama, entender, analisar, lembrar aqueles sentimentos. Parece que, aqui dentro, dentro de mim, alguma coisa sabe, alguém tem as respostas...
         Envolvo-me com os carros, pessoas, com os ruídos e com o sol. Afinal, o ser como que iria explodir, mergulhado naquele sentimento de felicidade desconhecido, imprevisto, tão belo e inesquecível, e não explodiu.
         Agora, caminho depressa. As horas avançam; há compromissos.
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         Hoje, só me resta a lembrança do que passou.
         Terá só passado? Não; a saudade, a esperança, os resíduos ficaram na mente, no coração. A esperança não morre; avivo-a sempre e sempre, nos momentos de relaxamento e meditação, soprando as cinzas na expectativa de que, ali, oculta, reste uma pequena brasa que me incendeie de novo o ser e me faça esquecer com a recordação da felicidade que, então, me visitou.
         Quando se repetirá? Virá com mais intensidade? Com mais força? Fará que o ser todo derreta, exploda, flutue? Definitivamente?
         Hoje, apenas recordação e esperança, com esforços no sentido de andar pela mesma estrada que me levou àquele ponto singular, que não sei mais achar na minha caminhada.
         Esperança...

..............................................                     (jcl, Campinas, 74)

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