ESPERANÇA 2 (Campinas 74)
Pessoas, veículos, vozes, sol forte no alto iluminando a cidade, o
centro, as ruas cheias e movimentadas. Guardas apitam, buzinas soam aqui e ali;
as pessoas movimentam-se rapidamente atrás de seus interesses mundanos: bancos,
negócios, câmbio, compra e venda.
A
rua, agora, após pequena curva, estreita-se ao lado de bela catedral, cuja
porta principal se abre para praça ampla e bem tratada. A rua, de calçadas
muito estreitas, dum lado casas bancárias de grande importância no mundo
econômico e movimentadíssimas; do outro, o templo de paredes cinzentas e
lindamente arquitetado.
Repentinamente, no meio da tarde cheia de calor e de ruídos, sem
qualquer espera, aquela sensação nunca sentida que cresce dentro do peito; cresce
com mais força que a vida lá de fora, toma conta do coração e da razão,
abafando o ruído exterior. Uma presença indescritível de saúde, vitalidade,
alegria, felicidade, como se aquilo não fosse mais parar de crescer,
aumentando, tomando conta do ser, subjugando-o com uma sensação de euforia e
bem estar íntimo, sem qualquer ligação com os fatos ou eventos do dia-a-dia, de
ontem, da vida familiar, profissional ou individual.
O
sentimento é tão bom, tão suave e, ao mesmo tempo, tão poderoso e firme, q leva
a imaginar que, em pouco tempo, crescerá tanto que, ou o ser explodirá por não
suportar tanta felicidade, ou ficará inconsciente em meio ao ruidoso vai-e-vem
externo da cidade.
A
pequena porta lateral do templo convida e, lá dentro, ajoelho-me na capela do
Santíssimo, a mais escura, cheia de sombras e sem ninguém.
Enquanto cresce, a inexplicável beleza interior faz desaparecer o
barulho da rua e, ali, ajoelhado física e espiritualmente, espero o quê, a
coisa, que não conheço, que deve estar para nascer, brotar, acontecer...
Tudo
está apagado; não mais percebo onde estou, quem sou, o que faço. Só existe
agora... felicidade e deslumbramento no coração. Não mais cansaços,
preocupações, problemas, trabalhos, necessidades, desejos, esforços; só existe
aquele sentimento interior que anula até o pensamento e que o ser tão só e
unicamente percebe com intensidade. É como se houvesse luzes, sem luzes;
perfumes, sem perfumes; música, sem música.
O
ser não é mais independente ou separado, ou mesmo consciente, a não ser daquela
sensação maravilhosa. E aguarda sem querer, e sem poder não querer, algo
indefinível que parece se aproxima, ou de dentro, ou de fora, não sabe, não
advinha...
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Aos
poucos, delicadamente, a consciência volta: primeiro, uma sensação gostosa de
toda pele, particularmente dos braços e nuca, arrepiada num arrepio que mexe
com todo o corpo. Depois, lentamente, a princípio com pouca intensidade, os
ruídos da rua como que se aproximam e penetram a catedral, a capela escura.
Vejo as sombras, os genuflexórios, o altar; sinto os joelhos, o corpo, o calor,
a vida de fora a vibrar.
Dentro,
no íntimo, aquela sensação perdura, inapagada, mas agora fraca, leve, obscura.
Deixo
o templo. É como um choque a realidade interior e esta, agora, ao envolver-me
com o burburinho da cidade. Caminho devagar, tentando, sem tempo, pois a vida
chama, entender, analisar, lembrar aqueles sentimentos. Parece que, aqui
dentro, dentro de mim, alguma coisa sabe, alguém tem as respostas...
Envolvo-me com os carros, pessoas, com os ruídos e com o sol. Afinal, o
ser como que iria explodir, mergulhado naquele sentimento de felicidade
desconhecido, imprevisto, tão belo e inesquecível, e não explodiu.
Agora,
caminho depressa. As horas avançam; há compromissos.
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Hoje, só me resta a lembrança do que passou.
Terá
só passado? Não; a saudade, a esperança, os resíduos ficaram na mente, no
coração. A esperança não morre; avivo-a sempre e sempre, nos momentos de
relaxamento e meditação, soprando as cinzas na expectativa de que, ali, oculta,
reste uma pequena brasa que me incendeie de novo o ser e me faça esquecer com a
recordação da felicidade que, então, me visitou.
Quando se repetirá? Virá com mais intensidade? Com mais força? Fará que
o ser todo derreta, exploda, flutue? Definitivamente?
Hoje, apenas recordação e esperança, com esforços no sentido de andar
pela mesma estrada que me levou àquele ponto singular, que não sei mais achar
na minha caminhada.
Esperança...
.............................................. (jcl, Campinas, 74)
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