segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

          REFORMA INTERIOR         

          Conversando com “G”

          Amigo G:
          “Você afirma que não é necessário fazer nenhuma reformar interior e ao mesmo tempo fala que é necessário a afastar o ego. Isso é ilógico”.
         
          Cel:
          “Meu amigo, o que é a “reforma interior” a que todos, em geral, se referem? É se tornar honesto, bom, prestar serviços de amor ao próximo, ser caridoso, humilde, solidário etc, não é isso? E como é que todos, em geral, e como as doutrinas aconselham, fazem? No interesse de reformar-se intimamente, de serem recompensados num futuro incerto, de receberem méritos pelo bem que fazem, forçam a própria natureza, que não está ainda preparada para amar, para perdoar, ajudar etc.   
           Não é isso o que acontece? E, pelo que se ensina, o ato de “bondade” é tanto mais digno de méritos quanto mais se tiver de forçar a própria natureza pessoal, a própria vontade, para realizá-lo. Mas, isso é “reforma interior” ou é apenas uma “reforma exterior”, uma reforma de atitudes exteriores? Isso não é amor! É apenas imitação de amor, pseudo-amor, amor falso, pois realizado por interesse de recompensas, ou porque as doutrinas, os mestres, os mandamentos, a ética religiosa recomendam que assim se faça, concorda? Esse é um amor que se realiza “sob condições”: de que haja reconhecimento das religiões ou de Deus; ou do próximo beneficiado, ou da sociedade; que, sobretudo mereçamos reciprocidade do beneficiado, ou recompensas no futuro, nesta ou noutra vida ou situação, não é?
         Isso não é amor; é amor-forçado, arremedo de amor, “treinamento” de amor. E, será possível que pelo esforço, pelo treinar, alguém possa substituir o desamor que ainda tem no coração, por amor? O amor pode brotar pelo “hábito” ou costume de praticar atos de amor? É um costume pessoal a ser adquirido? Ou é um sentimento espontâneo que brota do coração, sem que nem saibamos como? Isto é o que, em geral, e erradamente, todos chamam de “reforma íntima”: acostumar-se a praticar atos de pseudo-amor. O amor não nasce do esforço, mas da compreensão profunda (eventualmente) e se o indivíduo já estiver a ele receptivo.   
         Muito diferente é o afastar, eliminar, calar o “ego”. Isto se dá pela ampliação da compreensão provocada pela observação da totalidade da vida, de como ela é conosco e com os demais, humanos ou não humanos. Essa compreensão vai despertar em nós (pela constatação de que os atrativos do mundo a nada levam; que, ao contrário, só perturbam e prejudicam, e não nos dão satisfação duradoura), um desencanto ou desapego das coisas que, antes, nos escravizavam; vamos também perceber que nem as ciências, aí incluídas as medicinas, nem psicologias, filosofias, crenças e religiões oferecem solução duradoura para aquilo que mais afeta os homens, desde o nascer até o morrer: o sofrimento, de qualquer natureza que seja.  
      Desencantados, confusos e perdidos, pois não vemos como fugir da armadilha que, então percebemos que a vida é, iniciamos a busca da solução definitiva; não mais ficamos hipnotizados pelas nossas crenças, que prometem felicidade para um futuro incerto e q nunca chega; procuramos noutras direções até que compreendemos que o remédio está em “esquecer” o mundo e seus atrativos,  aos quais estamos apegados, acorrentados. Então, verificamos que, para esquecer o mundo, temos de, obrigatoriamente, esquecer, afastar, isolar, matar aquilo que nos relaciona com ele, que nos liga a ele: o “ego”. Por isso, eu disse que a chamada “reforma íntima” não é necessária, pois a “verdadeira” reforma íntima só se concretiza com o afastamento do ego.
          Amigo G:         
          “Você não defende o abandono da paixão? Da raiva? Da delusão?”.
..................................... 
          (Delusão: você vê, mas não consegue perceber a realidade subjacente, isto é, vc vê o falso e o toma pelo real. A delusão engana a experiência e impede qualquer raciocínio!)
.....................................
          Cel: certamente; e onde estão a raiva, a paixão, a delusão, a maldade e todos os demais “defeitos” morais, senão no ego? A essência, o espírito é puro, é perfeito. Essas qualidades “negativas” cessarão com o cessar do ego”. O caminho não é a bondade, o amor, a caridade; o caminho é afastar o ego, com o que conheceremos a verdade de qual é nossa verdadeira e eterna identidade. “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.

          Amigo G:
          “Entendo que o amigo deseja falar sobre a realidade última, mas os seres em sua maioria vivem na realidade conceitual  e convencional, tornando muitas vezes perigoso este tipo de reflexão que o amigo demonstra, pois leva alguns a acreditar que a sujeira não deve ser limpa e que as tendências más não devem ser eliminadas”.

          Cel: não, amigo; tudo é como deve ser, independente de nossa vontade e até mesmo contra ela; somos apenas testemunhas do fluir dos eventos, aí incluídos a emissão de palavras, conselhos, lições, sejam ou não consideradas apropriados à época em que estamos e às condições pessoais dos que as ouvem. Todas as palavras que pronunciamos, a vida é que nos faz pronunciar, pois somos o resultado de todas as causas e de todos os seus efeitos ocorridos desde os mais remotos ancestrais e do que existiu antes deles. Nada fazemos por nós; o que é, o que acontece agora, é exatamente o que é e o que tem que acontecer agora; não que isto signifique um “destino programado, para seres programados”, mas um fluir (impermanência e incerteza, do Buda)) eterno, um movimento que nos leva eternamente a fazer o que fazemos, a passar pelo que passamos, seja isso prazeroso ou dolorido; e contra ele nada podemos. Esse é o incessante fluir da vida. Apenas não compreendemos que é assim devido à visão equivocada do ego. Enquanto existir o ego, nada podemos fazer para mudar isso; somos apenas testemunhas.  

.........................................          

Nenhum comentário:

Postar um comentário