quinta-feira, 24 de novembro de 2011

(3) ‘ALÉM DA MENTE’ – Psicologia Transpessoal. (Jan 2008)

(3) ‘ALÉM DA MENTE’ – Psicologia Transpessoal. (Jan 2008)




Baseado no livro ‘Além do Ego’. Renomados físicos, psicólogos, psiquiatras e pesquisadores da Psicologia Transpessoal e da meditação Zen e Yoga, falam sobre a realidade da meditação como único caminho para a ‘salvação’ do ser humano. O raciocínio, o pensamento, a imaginação não podem alcançar o ‘sagrado’, pois são coisas finitas e limitadas e somente aquilo que é ilimitado e infinito, isto é, que está ‘além do ego’, pode fazer isso.

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ROGER N. Walsh, M.D., PhD., catedrático de Psiquiatria na Universidade da Califórnia, autor de muitos livros de ciência da meditação e do cérebro, e Frances Vaughan, PhD., clínica e professora de psicologia do Instituto de Psicologia Transpessoal da Califórnia, autora de revistas científicas especializadas sobre o tema.

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Nos últimos anos comprovou-se que as suposições ocidentais, sobre quem e o que somos e do que podemos vir a ser, estavam erradas. Não conhecíamos o extraordinário potencial para o bem-estar e para o crescimento psicológico extremo que o ser humano possui.

Como grande parte desses novos dados não é aceita pela psicologia ocidental, surgiu a psicologia ‘transpessoal’ para pesquisar tais capacidades humanas, apoiando-se, particularmente, na física quântica e na sabedoria das tradições místicas orientais. Seus interesses incluem pesquisas sobre estados transpessoais (isto é, além do ego) de consciência, consciência cósmica, bem-aventurança, êxtase, experiência mística, caminhos espirituais, compaixão, percepção e práticas de meditação. É transpessoal porque leva a experiências que estão além da identidade e da personalidade do ego. Esse potencial pode ser alcançado pela meditação e, muitíssimo raramente, por maneira espontânea.

A psicoterapia e a psicologia do Ocidente só eram dirigidas à cura de doenças da psique; nunca à saúde ou ao crescimento do ser pela ampliação da consciência. Como, no Ocidente, não era aceita a existência de estados alterados de consciência, que muitas vezes trazem expansão da consciência para além das fronteiras do ego e do espaço e tempo, esses estados, comuns na tradição oriental, eram diagnosticados (pelos cientistas ocidentais) como regressões patológicas e mesmo psicoses.

Com o uso de psicodélicos (drogas que, com o tempo, causam embrutecimento da mente), e de técnicas de meditação, muitas pessoas começaram a ter experiências extraordinariamente poderosas de estados de consciência, que iam além das experiências do dia-a-dia ou de qualquer conhecimento da psicologia ocidental. Isso incluía experiências que, pela história, só ocorreram, rara e espontaneamente, em indivíduos que haviam dedicado a vida a disciplinas meditativas ou religiosas (os místicos e os chamados ‘santos’). Aquilo que, durante séculos, os ocidentais julgaram ser superstições, mentiras ou patologias, tornou-se, sem sombra de dúvida, verdadeiro e, sempre, o acontecimento mais importante na vida de grande número de pessoas (Jung: ‘é a mais importante e sublime experiência do ser humano’).

Muitos compreenderam a importância de certas psicologias orientais; que elas oferecem técnicas que levam a estados superiores de consciência, e que a capacidade para se chegar a esses estados, e às profundas intuições acerca do ‘eu’ e seu relacionamento com o universo, é natural em todos nós.

Sendo esses estados a própria finalidade das disciplinas orientais de consciência, muitos dos que riam dessas idéias, ou as julgavam patologias, começaram a meditar e estudar textos antes considerados só para místicos, filósofos ou religiosos. Falar de estados superiores de consciência, unidade mística, expansão da identidade, era coisa absurda. No entanto, inúmeras pesquisas em psicologia, medicina e física (quântica), comprovaram sua realidade. E, hoje, só nos EUA, o número de meditadores chega, talvez, a milhões.

A reação de muitos foi de espanto e crítica, o que mostra a dificuldade de descrever os estados alterados de consciência para quem ainda não os experimentou (Paulo: ‘vi e ouvi coisas inefáveis’). A comunicação entre estados diferentes de consciência é limitada por numerosos fatores.

O universo, visto pela ciência clássica, é atomístico, divisível, estático e não-interdependente, enquanto, pela nova física, é holístico (abrange tudo; é uma coisa só, um todo único), indivisível, interligado, interdependente, dinâmico e inseparável da consciência do observador, o que fez que os próprios físicos afirmassem que a sabedoria das antigas tradições místicas orientais estava sendo re-descoberta.

Oppenheimer, físico: ‘As noções trazidas pela nova física não são novas, nem desconhecidas. Até em nossa cultura elas têm uma história e, no budismo e hinduísmo, um lugar central. O que estamos assistindo é uma redescoberta e um aprimoramento da sabedoria dos místicos’.

Bohr, físico: ‘Para termos um paralelo da visão da física quântica basta nos lembrarmos das visões do Buda (500 a.C.) e Lao Tse’ (600 a.C.) (ambos do misticismo oriental).

Suzuki: ‘Olhando ao derredor, percebemos que todo objeto se acha relacionado espacial e temporalmente com todos os outros objetos. É fato da pura experiência que não há espaço sem tempo, nem tempo sem espaço; eles se interpenetram e se complementam’ (Talvez, por isso, o Buda foi retratado, assim que atingiu a iluminação, ornado com um colar de gemas preciosas no qual as cores e os brilhos de todas estavam refletidos em cada uma).

Minkowisk, físico: ‘De agora em diante, espaço e tempo estão condenados a se tornarem meras sombras’ (em face da teoria da relatividade).

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DANIEL Coleman, Ph.D., psicólogo clínico, professor de meditação na Universidade Harvard, autor e editor de revista científica sobre psicologia, pesquisador das técnicas de meditação do Ceilão e da Índia.

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Enquanto, no Ocidente, a psicologia nem mesmo havia iniciado a investigação do bem-estar extremo psicológico, ou dos estados superiores de consciência, no Oriente já eram encontradas concepções radicalmente diferentes relativas à natureza e ao potencial psicológico do ser humano. Reconhecidas nossas limitações culturais, abriu-se caminho para uma visão mais ampla da nossa psicologia, com a criação de novos modelos capazes de acomodar as concepções ocidentais e orientais.

Algumas das principais diferenças de concepção:

No Ocidente, a matéria é considerada o constituinte principal da realidade e é ela que cria a consciência ou mente (isto é, a mente não passa de um subproduto da matéria cerebral).

No Oriente, a consciência é o elemento principal e é ela que cria todo o universo material (ver Amit Goswami e outros).

Para o Ocidente, o universo é reducionista e atomístico, isto é, pode ser decomposto em suas partes componentes, ou entidades isoladas. Contudo, a física quântica redescobriu as antigas descrições místicas de um universo indivisível e interconectado. A realidade parece mais estranha que a ficção pois provas indicam que cada parte do universo está conectada com todas as outras partes (isto é, em todo o universo tudo está conectado com tudo).

A psicologia ocidental, para a qual ‘o comum é o melhor’, considera o estado de consciência comum como sendo o estado ótimo, visão que rejeita a possibilidade dos estados superiores das concepções orientais.

Freud afirmou que o sofrimento é inevitável e que a alternativa é derrotá-lo, porém, o psicólogo budista oferece outra alternativa: alterar os processos da consciência ordinária e alcançar o ‘estado de Buda’ que acaba com todos os sofrimentos, sejam quais forem. Esse estado é atingido principalmente pela meditação e, uma vez alcançado, extingue os demais estados (ansiedade, depressão, orgulho, egoísmo, ciúme, inveja, violência, medo, ignorância etc) que geram todos os sofrimentos.

O estado de Buda possui uma coerência de ordem mais elevada do que as integrações sugeridas por qualquer ramo da psicologia ocidental. A psicologia oriental ensina e, hoje, os ocidentais estão compreendendo (em face das implicações das descobertas da física quântica) que, pela meditação, esse estado pode ser atingido por todas as pessoas.

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ROGER N. Walsh e Frances Vaughan, já citados acima, e Duane Elgin, pesquisadora em ciências sociais e autora de obras sobre meditação, e Ken Wilber, pesquisador do misticismo oriental e autor de importantes obras sobre psicologia transpessoal (Deepak Chopra diz que as obras de Wilber estão sempre à sua cabeceira e ao alcance de suas mãos).

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A psicologia oriental faz afirmações que contrariam completamente as pressuposições ocidentais relativas à consciência:

1)nosso estado ordinário (comum) de consciência está muito abaixo do nível considerado ótimo;

2)existem muitos estados de consciência, incluindo verdadeiros estados ‘superiores’;

3)esses estados podem ser alcançados por treinamento (meditação);

4) a comunicação entre tais estados é, necessariamente, muito limitada.

Os místicos desenvolvidos afirmam, de modo indiscutível, que o nível de consciência considerado ótimo pela psicologia ocidental é apenas sonho e ilusão; que, saibamos ou não, somos prisioneiros de nossa própria mente, emaranhados, sem percebermos, num diálogo-fantasia interior (Benoit: o ‘filme’ emotivo-imaginativo) sem fim que cria distorções ilusórias na nossa percepção da realidade; que essa condição nos permanece oculta até que comecemos a submeter nossos processos de percepção à rigorosa análise, como o que acontece na meditação.

A pessoa ‘normal’ é considerada ‘adormecida’ ou ‘mergulhada em sonho’. Quando o sonho é doloroso se torna pesadelo e é reconhecido como uma condição patológica mas, como a imensa maioria das populações está ‘sonhando’, essa condição permanece não-percebida.

Quando alguém desperta (isto é, se ilumina) e deixa, em conseqüência, de se identificar com o sonho, pode perceber que seu estado anterior de consciência, e o da população em geral, é apenas ilusão.

Aqui no Ocidente, a psicose é definida como um estado de consciência deficiente, que vê a realidade distorcida e não reconhece essa distorção. Então, pela visão dos místicos, o estado comum de consciência ocidental atende a todos esses critérios referentes à psicose: é deficiente, tem visão distorcida da realidade e não reconhece essa distorção; nós, ocidentais, portanto, na visão dos místicos, somos, todos, psicóticos. Cada estado ou nível de consciência é, apenas, um grau relativo de percepção da realidade, o que significa que nós somente percebemos uma parcela da realidade (só os místicos desenvolvidos a percebem inteira; e esse percebimento vem com meditação).

Tart: ‘Estudamos, no Ocidente, aspectos do Sansara (maya, ilusão, mundo “material”) com muito mais detalhes do que as próprias tradições orientais que criaram esse conceito. No entanto, quase nenhum psicólogo ocidental aplica o que estudou a si mesmo. Eles supõem que seus estados de consciência são lógicos, claros e sadios e não ilusão. A psicologia ocidental precisa reconhecer que nosso estado ‘normal’ de consciência é um estado psicótico, estado de Sansara (de ilusão, de sonho)’.

Os estados superiores de consciência, que trazem liberdade total, iluminação, superação do sofrimento e de todos os problemas da vida, nem chegam a ser considerados pela psicologia ocidental, que só se aplica a tentar a cura de patologias do nível do ego e existenciais. No entanto, os estados superiores são dotados de todas as capacidades do estado comum e apresentam outras aptidões adicionais superiores às do estado comum. Podem vir acompanhados de percepções, intuições e afetos não usuais na experiência cotidiana, alguns fundamentais para o desenvolvimento de uma verdadeira sabedoria superior.

Mas, como disse Ramana: ‘Ninguém obtém êxito sem esforço. Quem é bem sucedido deve à perseverança seu sucesso’ (Jesus: ‘Aquele que perseverar até o fim será salvo’).

King: ‘Convencemo-nos uns aos outros de que nossa condição comum de consciência desperta é saudável e própria do homem, pela simples razão de que todos somos suas vítimas’ (ela nos ilude a todos).

Assim, enquanto as experiências de nirvana, iluminação, samadhi, satori, consciência cósmica, reino de Deus, consciência de Cristo ou de Buda trazem um sentido de unidade e harmonia com todo o universo, os psiquiatras e psicólogos ocidentais as interpretam como fuga ou regressão a um estágio infantil primitivo (ao útero, ou ao seio materno). Faz pouco sentido para o cientista de saúde ocidental a afirmação de que nosso estado comum de consciência é limitado, carregado de fantasia, obscuro e ilusório, porque eles não experimentaram estados elevados, embora a comprovação individual seja relativamente fácil. Em poucos dias de investigação intensa (quando se tenta a meditação), pode-se verificar a natureza irracional, obscura e incontrolável da mente não treinada, e os investigadores se espantarão de não o terem percebido antes.

A explicação de que as experiências transcendentais são aberrações, porque não podem ser transmitidas verbalmente (Paulo: ‘vi e ouvi coisas indizíveis ’), não leva em conta o fato de que a linguagem pode ser excelente para a comunicação de experiências que as pessoas têm em comum; mas experiências não compartilhadas implicam pouca ou nenhuma comunicação. Daí, os obstáculos para a comunicação entre pessoas de diferentes estados de consciência (Paulo: ‘A sabedoria de Deus é loucura para os homens’). Assim, pela visão ocidental, as afirmações orientais sobre a consciência só podem parecer sem sentido e incompreensíveis.

Vimalo: ‘As intuições místicas não podem ser julgadas por pessoas não iluminadas, apenas com a visão limitada do conhecimento intelectual’.

Assim, enquanto um objeto, para um animal, pode não passar de algo estranho (o que ele é), para um selvagem pode ser apenas papel marcado (o que ele é), para um adulto educado médio pode ser um livro que traz afirmações estranhas e complicadas sobre a natureza e o mundo (o que ele é), para o físico pode ser um brilhante tratado científico que revela descobertas e profundas realidades (o que ele é). Para cada nível de compreensão, há um grau diferente de significação, o que faz com que, em um nível, não se tenha nenhuma compreensão dos significados, talvez importantíssimos, de determinado evento de um nível superior. Por isso, pode-se pensar que o místico afirmou bobagens e absurdos, resultantes de uma condição patológica ou de um estado de consciência deficiente quando, na realidade, ele afirmou verdades de níveis superiores.

A experiência transcendental ou mística é um estado alterado de consciência que se caracteriza, entre outras coisas, por:

1) ser inefável: tem tamanho poder e é tão diferente de qualquer outra experiência, que sua comunicação, isto é, que falar sobre ela, é impossível;

2) desperta sentido aumentado de clareza e compreensão (sabedoria);

3) traz percepção alterada do espaço-tempo;

4) produz apreciação da natureza integrada, holística e unitiva do universo e da própria unidade com este;

5) desperta intenso amor por todos; e

6) traz a percepção de que o universo é perfeito.

Experiências simples ocorrem a muitos, mas em geral essas pessoas as reprimem, as escondem, pelo temor da perda de controle e da intolerância da sociedade, ou são mal interpretadas em face da cultura vigente. Elas podem produzir mudanças benéficas e duradouras, tendo Jung afirmado sua importância espantosa para a saúde mental: ‘O fato é que a aproximação do numinoso (do transcendental, do miraculoso, da percepção de Deus, do sagrado) é a verdadeira terapia e, na medida em que alcança essas experiências, a pessoa se liberta da maldição da patologia’ (semelhante a ‘todo mal e todo bem, mental ou fisiológico, pois mente e corpo são interdependentes, vêm de uma menor ou maior aproximação da percepção do divino’).

Maslow afirma que a experiência mística é ‘tão profunda e chocante que pode mudar o caráter de uma pessoa para sempre’. Ao retornar dela, a pessoa ‘sente-se, mais do que nunca, o centro responsável, ativo e criativo de suas próprias percepções e atividades, mais determinada e com mais livre-arbítrio do que nunca’. E, dentro de uma ‘hierarquia de meta-necessidades do homem’, considera a busca da transcendência do ego como o objetivo mais importante e sublime da vida do ser humano (como Jung, também afirmou). Pesquisadores da meditação afirmam que evidências comprovam seu potencial de levar a estados superiores de consciência e a uma maior saúde mental. E também que o investigador não pode ser apenas experimentador; tem de ser, também, participante ativo. Outros alertam para o fato de que um dos mais delicados problemas que os investigadores têm de enfrentar pode ser o reconhecimento de que poderão sofrer resistências ativas acerca de idéias e experiências advindas da meditação, pois suas crenças e concepções mais fundamentais sobre a vida podem ser tremendamente questionadas até mesmo por eles.

Satprem: ‘Eis porque é tão difícil explicar o caminho para quem não o experimentou: a pessoa verá apenas seu atual ponto de vista, ou melhor, receará a perda de suas crenças, a perda de seu ponto de vista. E, no entanto, se ao menos percebesse que cada perda de ponto de vista é um progresso e que a vida muda quando se passa do estágio da verdade fechada para o estágio da verdade aberta - uma verdade que se assemelha à própria vida, demasiado grande para ser aprisionada por pontos de vista, já que abrange todos eles... uma verdade grandiosa o suficiente para negar a si mesma, e passível de levar sempre e interminavelmente para uma verdade superior’.

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ROGER N. Walsh e Frances Vaughan, já citados acima:

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A psicologia transpessoal considera a pessoa por quatro dimensões: consciência, condicionamento, personalidade e identidade.

1) A consciência comum é um estado contraído e defensivo, invadido por um fluxo contínuo de pensamentos e fantasias incontroláveis (o filme emotivo-imaginativo, do Zen-Budismo), que estão de acordo com nossas necessidades e defesas para a sobrevivência. Assim, disse Dass: ‘Somos todos prisioneiros de nossa mente. Perceber isso é o primeiro passo para a libertação’. Enquanto o homem não o percebe, nada faz para se libertar.

É essencial, para a ampliação da consciência, abandonar tal contração defensiva, apaziguando-a, e perceber seu enorme potencial de ampliação, o que pode ser conseguido pela prática da meditação.

Satprem: ‘O que traz a revelação do segredo é o silêncio da mente. Na verdade, todos os tipos de descobertas ocorrem quando a mente pára, e a primeira descoberta é que, se o poder de pensar é um dom grandioso, o poder de não pensar é mais grandioso ainda’. As técnicas de meditação das tradições orientais sérias têm por objetivo exatamente a cessação do pensar, para que, cessando o pensar, a mente se livre de suas impurezas, esvazie-se de seus obstáculos e tenha condições de ver a ’Realidade’.

A afirmação de que nosso estado comum de consciência pode ser ampliado traz implicações inesperadas. Como já vimos, o estado comum de consciência do homem ocidental é idêntico à psicose. Nessa perspectiva, cada estado de consciência revela sua própria gama de realidades, podendo-se definir a psicose como um apego ou aprisionamento a ‘qualquer’ conteúdo da consciência, seja de qual nível for (exceto o nível da Mente pura, Deus, pois nesta, não há mais qualquer mal, obstáculo, doença, ou apego).

A realidade, tal como a conhecemos (sendo essa a única maneira pela qual a conhecemos), é apenas ‘parte’ da realidade. Ram Dass: ‘Crescemos num plano de existência, percepções e interpretações, que julgamos real. Identificamo-nos por inteiro com essa realidade, que consideramos absoluta e verdadeira, e descartamos as experiências incompatíveis com ela. O que Einstein demonstrou na física se aplica a todos os aspectos do universo: a realidade é relativa ao nível de consciência do observador. Cada realidade só é verdadeira dentro de determinados limites (de consciência); não passa de uma versão possível do que as coisas são. Há sempre múltiplas versões da realidade. Despertar de uma delas é reconhecer sua relatividade’. (Só no nível da Mente pura a realidade é absoluta).

William James: ‘Nossa consciência desperta e comum é apenas um dos tipos de consciência; ao seu redor, separadas dela pelo mais fino véu, há formas potenciais de consciência que dela diferem inteiramente. Podemos passar pela vida sem suspeitar de sua existência, mas aplique-se a elas o estímulo necessário e, num instante, elas surgem em toda sua inteireza. Não pode ser completo o significado do universo em sua totalidade se não se considerar essas outras formas de consciência. ’

Logo, a realidade que percebemos reflete nosso estado de consciência do momento, e jamais podemos explorar a realidade sem explorarmos, ao mesmo tempo, a nós mesmos, tanto por sermos como porque nós criamos a própria realidade que queremos explorar (conforme o misticismo e a física quântica).

2) Quanto ao condicionamento, a psicologia transpessoal afirma que nele estamos totalmente presos, mas que a libertação é possível. Estamos presos principalmente ao apego, o que significa que a não-realização do desejo (ao qual nos apegamos) produzirá sofrimento. Logo, o apego tem papel crucial na causa de toda infelicidade do homem, sendo o abandono do apego fundamental para a cessação do sofrimento (‘... e a verdade vos libertará’).

Dass: ‘Associar-se ao apego traz interminável sofrimento e miséria’.

Jung: ‘Enquanto estivermos apegados, estamos possuídos, e, quando estamos possuídos, existe algo mais forte do que nós, que nos aprisiona’.

O apego não é só a objetos externos ou pessoas. Há apego às posses materiais, a relacionamentos especiais, à condição social, à auto-imagem particular, a padrão de comportamentos e a processos psicológicos (modo de pensar, crenças, suposta realidade etc); entre os apegos mais fortes estão o apego ao sofrimento e à falta de valor próprio.

Enquanto acreditarmos que nossa identidade nasce de nossos papéis, problemas, relacionamentos ou conteúdos da nossa consciência, o apego será reforçado para fins de sobrevivência pessoal, porque acreditamos que dependemos deles: ‘Se abandono meus apegos, quem serei e o que serei?’

Há também apego ao drama ou história pessoal que cada um tem para contar aos outros sobre si mesmo; é um luxo desnecessário, parte de nossa bagagem emocional. É benéfico para todos desapegar-se de seu drama e dos dramas pessoais dos outros (das emoções, portanto).

3) Quanto à identificação, define-se como o processo pelo qual alguma coisa é vivenciada como o ‘eu’. E é tamanha nossa identificação que jamais questionamos aquilo que tão claramente parecemos ser. Toda tentativa de questionar nossa identificação pode encontrar considerável resistência de nós mesmos e daqueles que nos rodeiam.

Laing: ‘As nossas tentativas de despertar costumam ser punidas, especialmente pelos que mais nos amam, porque eles, abençoados sejam, estão ‘dormindo’ e pensam que quem desperta, ou percebe que o que considera realidade não passa de um sonho (ilusão), está ficando louco’ (‘A sabedoria de Deus é loucura para os homens’, disse Paulo).

A nossa identificação com nosso conteúdo mental torna-nos inconscientes do nível de consciência mais amplo que contém esse conteúdo; o conteúdo da mente passa a ser o crivo pelo qual interpretamos todos demais contextos. Por exemplo, se o pensamento ‘estou com medo’ surgir e for tomado pelo que é, ou seja, apenas um pensamento, pouca influência terá. Mas, se nos identificarmos com ele (se ele passar a ser nosso conteúdo mental), a realidade, nesse momento, será o nosso medo (Krishnamurti: somos o medo, a violência, a raiva, a inveja etc) e nós, muito provavelmente, geraremos uma série de pensamentos e emoções de medo, e nos identificaremos com eles; interpretaremos os mais indefinidos pensamentos como medo; perceberemos o mundo como algo ameaçador e agiremos de acordo.

A identificação põe em movimento um processo auto-realizador no qual os processos psicológicos tornam válida a realidade daquilo com que nos identificamos. Tudo parecerá provar a realidade do nosso medo. Ao se identificar, a pessoa não percebe o fato de que sua percepção vem do pensamento ‘estou com medo’. Não percebemos esse pensamento, mas passamos a interpretar todas as coisas a partir dele. A consciência passa a ver o mundo de uma forma limitada e auto-validadora. ‘Enquanto estivermos identificados com um pensamento ou objeto, somos seus escravos, não somos livres’. (Por isso, Jesus disse: ‘Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará’).

Quando nos lembramos de que nossa mente está sempre repleta de pensamentos com os quais, sem perceber, nos identificamos, fica evidente que, no estado comum de consciência, estamos, literalmente, hipnotizados. Como na hipnose, o indivíduo não percebe o transe em que está, nem as limitações impostas à consciência, nem se recorda de sua identidade anterior. Enquanto hipnotizados, pensamos que somos aquilo que nossa mente contém, o conteúdo mental, os pensamentos que ali estão. Assim, os pensamentos com os quais estamos identificados criam o nosso estado de consciência, de identidade e de realidade. (Por isso, disse o Buda: ‘Somos o que pensamos. Tudo o que somos vem de nossos pensamentos. Com eles vemos e interpretamos o mundo’).

Suzuki: ‘O que é consciente e o que é inconsciente está subordinado à estrutura da sociedade e aos padrões de pensamento e sentimento que ela produz. O efeito da cultura da sociedade não apenas canaliza ilusões para a nossa consciência, mas também evita a percepção da realidade... Esse sistema funciona como um filtro social condicionado; a experiência só chega à nossa percepção se puder passar por esse filtro’ (se estiver de acordo com os costumes e cultura da sociedade em que vivemos).

Pode-se, assim, considerar a tarefa de despertar como uma progressiva desidentificação do conteúdo mental em geral. Isso é bem evidente nas práticas como a meditação de percepção, em que se treina para observar e identificar, com rapidez e precisão, todos os conteúdos mentais. É um lento processo de gradual aperfeiçoamento da percepção que resulta em retirar a consciência dos conteúdos mentais cada vez mais profundos e sutis com que ela se acha identificada. No final, a percepção deixa de identificar-se com qualquer coisa, fato que representa uma mudança radical e duradoura da consciência, conhecida como iluminação. Como já não há identificação com qualquer coisa, temos a percepção como sendo, ao mesmo tempo, nada e tudo. A dualidade eu/não-eu é transcendida, e tem-se uma vivência de si mesmo como sendo, ao mesmo tempo, percepção pura (nenhuma coisa) e como sendo todo o universo (todas as coisas), dando lugar à transcendência do ego e do espaço-tempo.

Nos níveis mais sutis da percepção, atingidos por meditação de percepção, vê-se toda a Mente e, portanto, todo o universo fenomênico, em contínuo movimento e mudança; cada objeto é percebido vindo do vazio para a percepção e desaparecendo em seguida, em instantes, no vazio (Paulo: ‘não somos donos nem de nossos pensamentos’). Isso mostra a impermanência de tudo; tudo se transforma, tudo é transitório, nada é imutável. Perceber isso pode ser a maior força que motiva os meditadores avançados para transcender todos os processos mentais e alcançar o estado imutável e incondicionado que é o nirvana, satori ou iluminação (foi pela percepção da impermanência de todas as coisas que o Buda fundou sua filosofia).

Nesse estado de pura percepção, não há mais identificação com a mudança, pois não há mais identificação com conteúdos mentais. Como o tempo é função da mudança, isso resulta na experiência de se haver transcendido o tempo, fato que é experimentado como eternidade, o agora sem fim, e o tempo é percebido como produto ilusório da identificação.

Silesius: ‘O tempo é nossa criação. Quando se pára o pensamento, também o tempo pára, morto’.

Os conteúdos e processos mentais vêm do condicionamento, como afirmam as psicologias ocidentais e orientais. A identificação com esses conteúdos gera a experiência de um ‘eu’ condicionado. Transcendida essa identificação, cessam os efeitos do condicionamento e com isso, cessa o ‘eu’ (que nada mais é que um feixe de memórias, os conteúdos da consciência com os quais nos identificamos). Pensamentos e emoções ainda passam pela mente, mas não há identificação com eles, e vivencia-se uma percepção de bem-aventurança porque, não havendo identificação com pensamentos e emoções dolorosos, não há mais experiência de sofrimento (pois, a causa do sofrimento é a identificação ou apego aos conteúdos mentais dolorosos).

Sem condicionamentos, fica-se livre das identificações com conteúdos inconscientes distorcedores e restritivos, e a consciência é capaz de uma percepção clara e precisa que, no budismo, se chama ‘espelho de cristal’, porque ele reflete fielmente a realidade. Sem identificação, o espelho e aquilo que ele reflete, o sujeito e o objeto, são percebidos como uma coisa só. A consciência, agora, é percebida como sendo aquilo que antes ela observava (Krishnamurti: o observador é a coisa observada), pois o observador ou ego, produto ilusório da identificação, deixa de ser vivenciado como real. O indivíduo se vê como consciência pura em unidade com tudo, idêntico a qualquer outro indivíduo. Vem daí a afirmação mística de que ‘todos somos um’, e não mais ocorrem pensamentos que possam ferir os ‘outros’. Amor e compaixão são expressões naturais desse estado.

Todos os relatos de experiências nesse estado deixam claro que elas só ocorrem em momentos em que se vai além do ego (o ego cessa com a perseverança nas tentativas de meditação). Como a comunicação entre diferentes estados de consciência é difícil, as descrições em geral são incompreensíveis na visão da psicologia ocidental. Assim, é fácil rejeitar essas experiências sem qualquer análise, considerando-as sem sentido ou patológicas, erro cometido por alguns dos mais notáveis profissionais de saúde mental do Ocidente.

Nesse estado, a pessoa se vê como pura percepção, incondicionada, eterna e, também, experimenta ser tudo o que existe. Nas profundezas da psique humana, cessadas as identificações limitadoras com os conteúdos mentais, a percepção não encontra limites à sua identidade e se percebe como aquilo que está além do espaço e do tempo, aquilo a que a humanidade deu o nome de Deus (‘eu e o Pai somos um’). Por isso, afirmou Bugental: ‘Para mim, Deus é uma palavra usada para indicar nossa subjetividade inefável, o potencial indescritível e inimaginável que está dentro de cada um de nós’.

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FRITIJOF Capra, físico quântico, autor de O Tao da Física, Ponto de Mutação, Sabedoria Incomum, e outras importantes obras sobre os avanços da nova ciência e suas conexões com o misticismo. É físico pesquisador do Laboratório Berkeley, Universidade da Califórnia, um dos mais importantes do mundo:

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Com a física quântica, a visão ocidental de mundo mudou para uma visão semelhante à do misticismo oriental. A física clássica, a física anterior (cartesiana, newtoniana), dera uma visão de mundo de caráter mecanicista (teoria que pretende explicar os fenômenos da vida pelas leis da mecânica dos corpos inorgânicos), geradora do dualismo mente e matéria, mente e corpo, característico da cultura e do pensamento ocidental, o que fez que os cientistas tratassem a matéria como algo morto e totalmente separado da mente. Em oposição a essa, está a visão mística (hoje aceita pela ciência quântica), caracterizada pela palavra ‘orgânica’, que considera o universo um organismo harmonioso e indivisível. Nessa visão, tudo, coisas e eventos, estão inter-relacionados, ligados entre si; são aspectos ou manifestações da mesma realidade última (daquilo a que chamamos Deus).

Nossa tendência de dividir o mundo em ‘coisas’ distintas e separadas, e de experimentar a nós mesmos como egos separados e isolados, é vista como ‘ilusão’ (maya) decorrente de nossos processos mentais que tudo quantificam e dividem. Esses processos são úteis para a sobrevivência, mas ocultam e distorcem a realidade. A visão mística é de um mundo inerentemente dinâmico e em constante mutação (tudo é impermanente e está num eterno fluir).

O cosmo é uma realidade indivisível, sempre em movimento, viva, orgânica, a um só tempo espiritual e material. As forças que causam o movimento não estão fora dos objetos, como julgava a ciência anterior, mas constituem sua propriedade intrínseca, a própria natureza dos objetos. Partículas não existem nem aqui, nem ali; apenas mostram tendências de existir... Os eventos não ocorrem com certeza em lugares, momentos ou de maneiras definidas; mostram tendências de ocorrer. E essas tendências ou probabilidades, não são probabilidades de ‘coisas’, mas probabilidades de interconexões. Enfim, a nova física veio comprovar uma interligação essencial de todo o universo; cada fenômeno, cada objeto, está ligado a todos os outros fenômenos e objetos. E quando penetramos na matéria, descobrimos que ela se compõe de partículas, mas essas partículas não são os ‘blocos básicos de matéria’, como afirmava a física clássica; são apenas ‘abstrações’, úteis na prática, mas sem qualquer significado fundamental. Niels Bohr: ‘As partículas materiais isoladas são abstrações (ilusões), só sendo possível definir e observar suas propriedades por meio do intercâmbio com outros sistemas’.

Os objetos materiais sólidos, da física clássica, são apenas padrões de probabilidades, não de ‘coisas’, mas de interconexões. O universo não é um conjunto de objetos, mas uma complexa teia de relações entre as várias partes de um todo indiviso (como falou Teilhar de Chardin, monge católico em ‘A Teia da Vida’; por essa afirmação e outras, foi proibido, pela igreja, de publicar qualquer coisa até o dia de sua morte). Heisenberg: ‘O mundo se mostra como uma rede complexa de eventos na qual ligações de diferentes tipos se alternam, se interpenetram, se combinam, determinando a organização do todo’.

Essa é a maneira como os místicos vêem o mundo, e usam expressões quase iguais às usadas pelo físico quântico. Lama Govinda: ‘O mundo exterior e o mundo interior são apenas dois lados do mesmo tecido, no qual os fios de todas as forças e de todos os eventos, de todas as formas de consciência e de objetos, são trançados numa rede emaranhada de relações infinitas, mutuamente interdependentes’.

Essas palavras revelam uma característica fundamental tanto da física moderna quanto do misticismo: a interligação universal da natureza sempre inclui o observador humano e sua consciência, de modo essencial. Na física quântica, os objetos observados só podem ser entendidos dentro de uma cadeia de processos cujo final está sempre na consciência do observador. O elemento fundamental da quântica é o fato de o observador ser necessário, não só para observar, mas também para determinar as propriedades dos objetos. Jamais podemos considerar a natureza sem considerarmos, ao mesmo tempo, a nós mesmos. O homem não é um observador distante, mas está ligado àquilo que observa. Assim, Wheeler sugeriu a substituição da palavra ‘observador’ por ‘participante’, outra idéia reconhecida pelo misticismo, que afirma que o conhecimento real nunca pode ser alcançado pela simples observação ou reflexão, mas exige plena participação de todo o ser do investigador (Krishnamurti).

A teoria da relatividade (Einstein) já mostrara que as noções de tempo e espaço estavam erradas. Segundo ela, o espaço não é tridimensional e o tempo não é entidade distinta. Tempo e espaço estão intimamente ligados, um não existindo sem o outro. No misticismo, a visão é semelhante. Os místicos alcançam estados incomuns de consciência nos quais se vêem fora do espaço-tempo, numa realidade superior, multidimensional, impossível de ser descrita pela linguagem comum (Paulo: ‘... vi e ouvi coisas inefáveis’. Govinda: ‘Atinge-se a experiência de uma dimensão superior...). Daí decorre o caráter indescritível, no plano da consciência comum, das experiências de meditação’. E Suzuki: ‘Como fato de pura experiência, não há espaço sem tempo, nem tempo sem espaço’.

A unificação de espaço e tempo, e a equiparação entre massa e energia daí advinda, influenciaram profundamente a concepção de matéria na nova física. Nesta, a massa já não é associada à substancia material; as partículas não são formadas por matéria, mas por agregados de energia, o que implica que sua natureza é intrinsecamente dinâmica, isto é, está, toda ela, em movimento constante (Capra: ‘uma dança sem dançarinos’). As partículas somente existem no espaço e no tempo. Fora do espaço-tempo, não há partículas e, conseqüentemente, não há formas (só ‘energia’).

Suzuki: ‘Um objeto (agregado de partículas) é somente um evento e não uma coisa ou substância’.

Assim, as teorias fundamentais da atual física provam que a visão de mundo do misticismo oriental sempre foi correta.

Diferentemente da física clássica, pela qual a natureza é constituída de elementos fundamentais, na nova filosofia ocidental bootstrap, (levantar-se puxando as próprias botas, auto-suficiência), o universo não possui quaisquer entidades, leis, equações ou princípios fundamentais. É uma rede dinâmica de eventos inter-relacionados; nenhuma propriedade de qualquer parte dessa rede é mais importante do que qualquer propriedade de qualquer outra parte; todas as partes se definem a partir das propriedades de todas as outras partes, e a consistência geral de suas inter-relações mútuas determina a estrutura da rede como um todo indivisível. Esta idéia se aproxima muito do pensamento oriental: um universo indiviso, em que as coisas e eventos estão interligados, determinando a coerência interna do todo. Tudo no universo está vinculado com tudo o mais, e nenhuma parte é mais importante do que qualquer outra.

Até recentemente, a psicologia ocidental ignorou quase completamente o estudo da consciência, porque esta não pode ser analisada pelos instrumentos que servem para medir fenômenos materiais, e porque, segundo a visão ocidental, a matéria seria o principal constituinte da realidade, sendo a consciência apenas um subproduto da matéria cerebral.

Nas psicologias orientais, a visão é bem diferente: a consciência é o elemento central e é ela que cria o mundo material (ver Amit Goswami), e a meta humana mais elevada é ampliar a própria consciência (Jung) o que significa buscar o caminho para a saúde psicológica e a iluminação (a percepção de que nós e Deus somos um só, como Jesus ensinou ao afirmar ‘eu e o Pai somos um’, e ‘Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará’).

A motivação mais poderosa para isso tem sido o reconhecimento de uma série de estados superiores de consciência (antes negados pela ciência ocidental), que podem ser atingidos pela meditação, prática essencial para o crescimento psicológico mais avançado do ser humano. Esse crescimento está vinculado estreitamente com a saúde mental tanto que, para algumas psicologias, a inconsciência (consciência restrita) é descrita como a única enfermidade (como diz Wilber, ‘para irmos a Buda temos que passar por Freud’, isto é, temos de ‘acertar, curar’ nossa mente). Afirma-se, também, que o potencial para se atingir os estados superiores de consciência, desconhecidos pela psicologia ocidental, existe em todos nós.

Nessa perspectiva, nossa consciência comum nos dá, associado ao ego, um sentido de identidade incrivelmente estreito, mas que, pela persistência na meditação, pode ser ampliado até a identidade suprema com a Mente Universal, Deus. Então, o homem se identifica com o próprio universo, ele é o Universo. Esse não é um estado anormal ou alterado de consciência, mas é o único estado real, sendo os outros, entre eles o nosso estado comum do dia-a-dia, nada mais que ilusão (maya). Em suma, a consciência mais elevada a que o homem pode chegar é idêntica à realidade última do universo (Deus).

Cada estado de consciência, com exceção do nível da Mente, o único real, tem suas próprias enfermidades, geradas justamente pelo fato de não se haver alcançado a identidade suprema. Daí a afirmação de que ‘toda patologia vem da ignorância acerca da Mente’ (ou da não percepção de Deus). Quanto mais próximos da identidade suprema, isto é, quanto mais próximos da percepção de Deus, mais saúde mental e menos enfermidades fisiológicas.

Com as recentes descobertas da ciência, cuja visão se assemelha, como vimos, à visão mística, intensificou-se o interesse pelo misticismo e pela meditação, que tornam possível a expansão da consciência para além das fronteiras do ego e das limitações do espaço-tempo, e que resultam num sentimento de identificação com tudo que existe: pessoas, animais, plantas e coisas, toda vida e toda a criação; e trazem experiências paranormais, compreensão dos símbolos e mitos universais e, finalmente, Consciência Cósmica, a mais profunda, ilimitada, completa e inefável experiência a que se pode chegar. A pessoa sente que é a totalidade da existência, e as ilusões da matéria, espaço e tempo, são superadas. Problemas e sofrimentos, dualidades e opostos (bem e mal, justo e injusto, saúde e doença, certo e errado etc), que afligem a existência, cessam. Enquanto, nos estados inferiores predominam funções biológicas, instintos, sensações, percepções simples, e impulsos emocionais e sexuais, no estado de Consciência Cósmica o ser se dissolve na Divindade e percebe que a Divindade desde sempre foi sua verdadeira identidade que, iludido, não percebia (as tentativas de meditação são o caminho para se poder chegar a essa percepção).

Então, fica sabendo que o extraordinário e o ordinário, o incomum e o comum, o sobrenatural e o mundano, o sagrado e o profano, são precisamente uma só coisa. O homem funde-se na Unidade Absoluta onde Tudo é Um.

Jung: ‘O inconsciente pessoal inclui todos os conteúdos psíquicos esquecidos ou reprimidos na vida do indivíduo, todas as percepções e impressões subliminares, todos os conteúdos psíquicos incompatíveis com a atitude consciente. Há várias razões para que ele se torne inconsciente, todas estando numa desatenção contínua, desde o esquecimento simples até o esquecimento seletivo forçado, isto é, certos aspectos do conteúdo psíquico são reprimidos por não serem compatíveis ou não serem aceitos pelo meio social ou cultural’.

Em cada nível de consciência, o sentido do ‘eu’ se identifica com as estruturas surgidas nesse nível e não podemos ver além dele e, por conseqüência, nem conhecer completamente aquele que está vendo, isto é, nós mesmos; falta-nos, portanto, auto-conhecimento. Usamos as estruturas do nosso nível como filtro para perceber e traduzir o mundo a partir desse nível, que é o que existe na realidade para nós e, como é evidente, não podemos traduzir (interpretar) as estruturas de níveis superiores ao nosso e, em conseqüência, não podemos interpretar o universo totalmente.

As principais características dos estados mais elevados de consciência são:

1) intemporalidade (perceber-se fora do tempo; inexistência do tempo; isto é o que chamamos eternidade);

2) amor e compaixão (sem restrições);

3) não-aversão (por nada; tudo é necessário e, por isso, existe);

4) aceitação total (nada é inferior ou superior a qualquer outra coisa, nem o certo, nem o errado, nem o bem, nem o mal); e

5) destruição do dualismo sujeito-objeto (percebe-se que o sujeito é o próprio objeto; que o observador é a coisa observada).

E são esses os resultados que a meditação busca e pode encontrar. (‘Mantém-te sempre no Agora; reconhece tuas aversões; age com amor em todas as circunstâncias; aceita tudo porque tudo é Buda’, isto é, tudo é Deus).

À medida que a meditação progride, os conteúdos do inconsciente afloram e, em seguida, seus aspectos resistentes ou reprimidos vão sendo aos poucos desmantelados, perdendo a exclusividade; isto é, o eu é libertado de sua identificação inconsciente com o inconsciente embutido (reprimido; os conteúdos mentais não conscientes), que agora emerge como percepção e perde o domínio sobre esta. Abrem-se os traumas, fixações, complexos, condicionamentos e os resíduos de todos os níveis anteriores que estiveram presentes em sua vida. Até aí, o meditador viu o seu passado, talvez o passado de toda a humanidade; a partir daí, vê o seu futuro, talvez o futuro de toda a humanidade (Krishnamurti: ‘Todos chegarão lá’).

A meditação é, assim, o caminho para a transcendência, a ampliação da consciência até que ela se torne a Consciência Universal que ela é. E o ego só a julga misteriosa porque ela leva a um desenvolvimento que vai além do ego. No final, o espelho e o que ele reflete são uma coisa só, porque não há mais ego a interferir com seus pensamentos e emoções que distorceriam a imagem refletida, que, no caso, é a nossa percepção do mundo (agora sem interpretações produzidas pelo ego; corretas, portanto).

Por tradição, psicólogos e filósofos ocidentais evitam definir o bem mais precioso da humanidade, por desconhecerem qual seja. Já as tradições místicas orientais o definem como sendo a bem-aventurança que o auto-conhecimento traz, isto é, a percepção de que todos somos da natureza de Buda (Jesus: ‘Eu e o Pai somos um’). O ser humano plenamente realizado é aquele cujas portas da percepção foram limpas (mente limpa, pura, sem condicionamento, inocente) e tem capacidade de ver as coisas tais como são, libertas da influência distorcedora do desejo, da aversão, da ignorância e do medo.

O desejo de transcender o ego pode ser mais forte do que os desejos egocêntricos de auto-estima, posses, sexo etc. As tradições místicas afirmam que o apego à satisfação das próprias necessidades (por trás disso está sempre o medo) é a fonte de todo o sofrimento, e que os indivíduos altamente desenvolvidos são motivados pelo desejo de servir (logo, pela satisfação das necessidades alheias). E a saúde é associada com menos apegos e com mais inclinações de servir os outros, isto é, com menos comportamento egocêntrico.

Afirma-se que a saúde mental ótima (obtida pela meditação) está ligada ao fato de se reconhecer responsável pelas próprias experiências; a uma sensibilidade maior em relação aos outros, o que se manifesta por mais generosidade, amor e compaixão; a uma apreciação maior da existência, revelada em atitudes de reverência, gratidão e sensibilidade ecológica; e a uma participação integral na vida, com total abertura para as alegrias e tristezas da condição humana.

Tal como os demais opostos, a diferença entre saúde e doença desaparece nos níveis mais profundos do ser. Como as tradições místicas sustentam, aquilo que somos por trás das identificações ilusórias está além da saúde e da doença. Assim, caminhar em direção à saúde não implica em mudar para melhor aquilo que pensamos que somos (cheios de defeitos morais, como nos supomos, conforme as crenças e religiões), mas, sim em perceber aquilo que já, e desde sempre, somos (a própria divindade).

Para o homem comum, em face de sua ignorância, as necessidades de crescimento da consciência (iluminação) são secundárias em relação às necessidades básicas (alimento, abrigo, sexo etc). Mas tudo leva-nos a crer que a expansão da consciência, a iluminação, está num continuum em relação às necessidades básicas, e que a vida ‘espiritual’ é a parte mais elevada da nossa vida biológica, parte sem a qual a vida nunca será completa (como asseguram Krishnamurti, Maharish, Chardin, sábios e cientistas).

E como é fácil esquecer as realidades mais importantes na agitação do dia-a-dia, particularmente entre os mais jovens! Em geral, somos simples respondedores; só reagimos a estímulos, às possibilidades de recompensas ou castigos, às urgências, dores e medos, às exigências dos outros, às coisas superficiais (isto é, às coisas acidentais e não às essenciais). As coisas essenciais, se conhecidas, proporcionam adoração e reverência e vale a pena viver e morrer por elas. A contemplação (iluminação) ou a fusão com elas oferece um tão grandioso deslumbramento que a mente humana nem é capaz de imaginar (bem-aventurança).

Como afirma Krishnamurti, o homem é insano, insalubre e corrupto, e a ilusão (a ignorância) é a fonte de todas essas condições. A ilusão nos dá uma visão falsa das coisas do mundo, que nos impede uma compreensão, ou interpretação correta; por isso, interpretamos de forma errada e sofremos. Tudo, coisas, objetos e eventos são considerados apenas em termos de satisfação de nossos desejos ou necessidades de nosso ego. Medo, apego, agitação e preocupação, que constituem a ansiedade, são os geradores essenciais do sofrimento. Avidez, avareza e inveja caracterizam o forte apego a alguma coisa. Mas, isso está tão disseminado entre os homens, que o consideramos próprio da natureza humana. É por isso que, na psicologia ocidental, o desperto, o iluminado, parece utopia, bom demais para existir, a não ser nas escrituras e no idealismo dos povos. Desse modo, todos julgam impossível que o homem de hoje possa atingir a Consciência Cósmica. Contudo, esse preconceito é totalmente desmentido, particularmente no Oriente, nas suas escolas de tradições místicas.

A meditação é todo exercício voltado para o aumento da percepção por meio do direcionamento consciente da atenção. A atenção deve ser dirigida ao fluir sem fim da experiência, ou ao fluir incessante dos pensamentos; ou à respiração, ou a um som ou imagem. No início, todo conflito psicológico não-resolvido tende a vir à superfície, e logo se evidencia a agitação da mente não treinada, mostrando que nossos níveis comuns de consciência são desprovidos de sensibilidade, distorcidos e fora de controle. Por isso, nossa visão (interpretação) do mundo é irreal e ilusória.

Com a prática, aumentam a calma, a sensibilidade, a empatia (retraimento das sensações e emoções), o discernimento, a aceitação e a clareza mental, pálidas amostras daquilo que a meditação regular e persistente pode trazer, pois a transcendência do ego produz tão elevado grau de coerência, sensibilidade, compreensão, alegria, discernimento e amor, que não se compara a nada que alguém já possa ter experimentado ou imaginado.

Quando a percepção já não se identifica com os seus objetos, ficamos livres para levarmos a percepção, pela atenção, para onde desejarmos, com capacidade de penetrar nas profundezas da psique, observar os processos psicológicos e estados mentais, perceber as distorções da percepção que nos levam a interpretações erradas ou incompletas, e a sabedoria e quietude que se ocultam sob a agitação da superfície da mente.

Em cada instante, há várias linhas de pensamentos dominando nossa mente, cada uma compondo uma identidade pessoal (um ego) diferente: intelectual, sexual, cultural, emocional, social, econômica, histórica, filosófica, espiritual, violenta, calma, bondosa, maldosa, alegre, triste, entre outras. Uma ou outra identidade assume o controle de acordo com a situação.

Se vamos ver um bom filme, quando, ao final, as luzes se acendem, ficamos um pouco desorientados. Leva algum tempo para voltarmos a ser a pessoa sentada na sala de exibição; estávamos mergulhados na trama do filme. Se este não nos atrair a atenção, atentamos para a pipoca, a qualidade técnica do filme ou as pessoas da platéia; nossa mente foge do envolvimento com o filme. A quietude trazida pela meditação equivale a fugirmos, a nos afastarmos do envolvimento com o filme que é nossa vida, com seu enredo melodramático: ‘Conseguirei o emprego? Casarei? Terei filhos? Comprarei aquele carro? Isso dará certo? Chegarei à iluminação? E se o que temo acontecer amanhã? Perderei tudo o que consegui? Conseguirei ter saúde de novo?’ Eis os elementos do enredo (no qual o tempero principal é o medo), dos quais nos afastamos pela meditação (que nos liberta de todos os medos).

Outro modo de entender a meditação é pelos sonhos. Talvez você já tenha tido a experiência de acordar de um sonho num sonho. Mas, quando você acorda toda manhã, você acorda de um sonho em quê? Na realidade? Em outro sonho? A palavra sonho sugere irrealidade. A resposta correta é: sempre que acordamos, nós passamos de uma realidade relativa para outra realidade relativa. Crescemos num plano de existência que supomos real; identificamo-nos inteiramente com essa realidade, que julgamos absoluta, e rejeitamos todas as experiências incompatíveis com ela como se fossem sonhos, alucinações, fantasias. Mas, como Einstein demonstrou na física, cada realidade é verdadeira apenas dentro de seus limites; é somente uma versão possível do modo de ser das coisas naquele nível. Despertar de uma realidade relativa é perceber sua natureza relativa. A meditação leva a essa percepção. A consciência comum, os estados emocionais e os sonhos etc. são realidades diferentes entre si (níveis de realidades diferentes), canais diferentes que conseguimos sintonizar e, com isso, criar novas cenas. Mas, na meditação, não são as cenas que mudam; é nossa compreensão que muda. Ela elimina todo envolvimento com os conflitos, dúvidas e sofrimentos e nos mostra a suprema visão, aquilo que é.

A meditação com atenção sem escolha nos dá a percepção de tudo que ocorre em nós e a nossa volta. Sem escolha e sem esforço, atentemos para o campo inteiro da percepção. Se, com perseverança, nos aprofundarmos, com total atenção, mais e mais, podemos chegar ao objetivo dos místicos, à iluminação, que nos dará a percepção da Verdade, do Absoluto e de que somos e sempre fomos esse Absoluto.

O ego nada mais é que um conjunto de pensamentos e memórias, que definem nosso universo (o mundo e a vida). Interpretamos tudo, no universo, através do ego e nele confiamos, mas, na medida em que temos medo de nos aventurar fora dele, ele se torna uma prisão, pois acreditamos que, sem ele, sem seus pensamentos e memórias, perdemos nossa própria identidade, nossas referências mais caras, e não sobreviveremos. Mas, não precisamos destruir o ego para escapar de sua prisão. Devemos nos conscientizar que somos infinitamente maior que ele, que podemos afastá-lo e a ele voltar quando quisermos. Necessitamos do pensamento e da memória para nossa sobrevivência. O ego nos mostra o que fazer em cada situação e como satisfazer nossas necessidades. Rotula o que sentimos, pensamos e vemos.

Mas, não somos só aquilo que o ego diz que somos (o pensamento, os sentidos, o corpo, o nome, o pai, o filho, o profissional, inteligente, ignorante, violento, deprimido, ciumento, medroso, ambicioso etc). A maioria não escapa dessa prisão, pois todos estamos identificados com nossos conteúdos mentais, pensamentos e memórias. Pela meditação, a liberdade é possível, pois ela permite acabar com a identificação e nos liberta para dirigirmos a atenção para onde quisermos, não mais só para o ego e suas limitações. O caminho da liberdade é o desapego dos velhos hábitos do ego. Isso nos leva para além do ego até que, por fim, nos fundimos com o universo (Jesus: ‘Eu e o Pai somos um’, ‘Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará’).

Pensamentos, fantasias, devaneios, preocupações, inveja, raiva, ambição, ciúmes, sexo, orgulho, vaidade, gula (os chamados pecados capitais e outros, pelas religiões) levam à distração na meditação. Fazem perder tempo e energia. Purificação psicológica significa afastar os pensamentos que distraem (essa, talvez, a razão do ensinamento das religiões sobre a prática das virtudes). A atenção afasta a distração. A essência da meditação é a atenção. O fluir dos pensamentos costuma ser aleatório e dispersivo; assim, devemos fixar a atenção no fluir dos pensamentos ou num mantra ou na respiração. O primeiro bom sinal vem quando percebemos que nossa mente não é mais afetada por distrações externas: sons, ruídos, luzes; ou internas: emoções, memórias, pensamentos e sentimentos. Mesmo que esses fatores existam, não mais perturbam. As principais distrações são má vontade, impaciência, desejo sexual, raiva, lembranças, remorsos, dor, compromissos, preguiça, agitação, preocupação, descrença, inveja, ressentimento, dúvida (aquilo a que as religiões populares dão nome de pecados capitais e outros). Tudo isso pode ser superado com a prática perseverante da meditação.

Aos poucos, vem uma total ruptura com a consciência ‘normal’. Os pensamentos perturbadores desaparecem totalmente. Cessa a percepção dos sentidos e do corpo. Pela persistência, podemos prolongar cada vez mais esses momentos. A libertação vem quando não há mais pensamentos ou sensações; a mente permanece vazia e quieta, perceptiva e não mais reativa; nada mais é rejeitado, reprimido ou seguido. Tudo pode ainda surgir, mas não mais nos atrai ou causa identificação, nem distração (ou desatenção).

‘A essência da atenção’, ensinam os místicos, é ‘a clara e simples consciência daquilo que está acontecendo dentro e em torno de nós, aqui e agora, isto é, nos momentos sucessivos da percepção’. Essa atenção deve ficar ininterrupta, e tudo será percebido numa interminável cadeia de eventos que não mais afetam. Virão, depois, sensações de deslumbramento, tranqüilidade mental e fisiológica, sentimentos de devoção à meditação e ao Todo, desejo de aconselhar parentes e amigos à pratica da meditação, sublime felicidade, bem-aventurança sem fim, impossibilidade de se calar sobre os resultados da experiência, equanimidade com tudo o que surja na percepção.

O meditador fica sabendo que seu eu é um erro conceitual, uma tremenda ilusão (apenas um feixe de memórias, emoções, imaginações, condicionamentos, ideais, ilusões, crenças, superstições enfim). Ele vê todo seu campo de percepção num fluir contínuo. Vê que o mundo da realidade é renovado, a cada momento, num interminável fluir de eventos. Percebe, então, que nada é permanente. Verificando que esses fenômenos surgem e desaparecem a cada momento, passa a vê-los como algo não merecedor de confiança. Instala-se o desencanto: o que muda o tempo todo não pode ser base de nenhuma satisfação duradoura. É levado, então, a um estado de desapego de seu mundo de experiências. Sente que não há, nas formas do vir-a-ser, nenhuma coisa em que possa se apegar ou depositar esperanças. Torna-se absolutamente desapaixonado e contrário à multiplicidade dos estados mentais, dos estados de consciência. Percebe, então, que só encontrará alívio na cessação de todos os processos mentais. Conhece a natureza e a razão da impermanência e do sofrimento, com uma evidência cristalina.

Depois disso, a meditação lhe ocorre automaticamente sem esforço, talvez de modo sustentável. As dores físicas não mais existem (no vazio, Jesus, Ramana, não sentiram dor). Não há mais medo, nem necessidade de satisfação. (Jesus: ‘Buscai em primeiro lugar o reino dos céus e tudo o mais vos virá por acréscimo’). Manifestam-se uma clareza mental de natureza incomparável (sabedoria) e uma equanimidade (serenidade de espírito frente aos fatos da vida, igualdade e justiça, amor) que se estende a tudo. Sua observação não se aprisiona a nenhum evento físico ou mental. É o estado mental incondicionado, o nirvana, a iluminação, que produz alteração permanente na consciência e que só pode ser descrita em termos daquilo que não é. A pureza torna-se, então, o único comportamento possível. Todo seu egoísmo, todo seu passado, ‘morreram’. Está absolutamente livre dos sofrimentos. O mínimo resíduo de pensamento ou ação incorreta é literalmente inconcebível. Seus motivos são sempre totalmente puros (não vê, nem mesmo, qualquer diferença entre o certo e o errado).

Pela meditação chega-se à compreensão que não somos aquilo que costumamos pensar: um eu separado do mundo e do fluir em constante mutação do universo circundante. Somos prisioneiros da tremenda ilusão de que somos um ‘eu’ imutável e separado que temos de defender e que, de algum modo, pensamos que é eterno. Essa ilusão é a causa fundamental de todos os problemas, medo, ansiedade, tensão, tristeza, depressão, violência, ambição, inveja, insatisfação, sofrimento e infelicidade na vida. Aí estão os males que a psicoterapia tem tentado, sem êxito, solucionar, mas que a meditação, sim, consegue ‘curar’.

Medard Boss: ‘Para que a ciência da saúde mental tenha verdadeira eficácia, os psicoterapeutas terão que associar as técnicas e conceitos da psicologia com as técnicas da meditação das tradições místicas.’

Blake: ‘Se pudéssemos limpar as portas da percepção (eliminar as crenças e condicionamentos ali acumulados durante toda a vida), tudo se revelaria ao homem tal qual é: infinito e eterno’.

Jesus: ‘Se teus olhos são trevas, quão escuras serão tuas trevas’ (isto é, se ainda tens interpretação incorreta das coisas do mundo tua vida estará na escuridão da ignorância e, por isso, ainda sofrerás).

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CITAÇÕES:

Huxley (durante ou logo após a experiência): ‘... palavras como Graça e Transfiguração me vieram à mente. A Beatífica Visão, Sat-Chit-Ananda (Existência, Consciência, Beatitude); pela primeira vez entendi, não vagamente ou por insinuações, mas precisa e completamente, o que querem significar essas palavras prodigiosas. Lembrei-me, então, de uma passagem que lera de Suzuki: ‘Que é o Dharma-Corpóreo do Buda?’ (o Dharma-Corpóreo do Buda é outro modo de nos referirmos à Mente, ao Vazio, à Divindade). A pergunta foi feita, em um mosteiro Zen, por um indeciso noviço. E, com a vivaz insensatez de um dos Irmãos Marx, respondeu o superior: ‘A sebe no fundo do jardim.’ ‘Eu poderia perguntar’, retrucou timidamente o noviço, ‘quem foi que concebeu essa verdade?’ Ao que o superior, dando-lhe uma pancada nas costas com seu bastão, respondeu: ‘Um leão de cabelos de ouro!’

“Quando li esse diálogo, achei-o um amontoado de pura loucura. Agora, porém, tudo está tão claro como o dia, tão evidente quanto o postulado de Euclides. Não há a menor dúvida de que o Dharma-Corpóreo do Buda seja a sebe do fim do jardim. Ao mesmo tempo, e com igual certeza, ele é estas flores; ele é qualquer coisa que desperte a atenção de meu ego, ou melhor, de minha bem-aventurada despersonalização (além do ego), liberta, por um momento, de meu abraço asfixiante (do abraço asfixiante de meu ego). Assim também os livros, as estantes, os móveis de meu escritório...” (e tudo o mais, são o Vazio, a Divindade, Deus).

Jung: ‘A visão ocidental de consciência não é a da consciência geral; é uma visão histórica e geograficamente condicionada e limitada, pois é representativa de apenas parte da humanidade’.

Einstein: ‘É erro ver como separadas coisas que não se pode separar’.

Gordon Globus: ‘Visões (convencimento, compreensão, concepção, entendimento, verdade, percepção, interpretação) são diferentes a partir de diferentes estados (níveis) de consciência’.

Wilber: ‘A realidade é a Mente universal’.

Teilhard de Chardin: ‘A evolução é uma ascensão para a consciência (total)’ (Conforme as tradições orientais, a consciência não evolui; ela já é o que é. O que existe é uma ascensão gradual do ser humano, pelo desenvolvimento (amadurecimento) de seu instrumento de percepção, no sentido de uma apreensão, cada vez mais ampla, da consciência (restrita) até a consciência universal).

Newton: ‘Somos como uma criancinha brincando na praia, que encontra aqui e ali uma concha mais brilhante, enquanto que, em torno de nós, o grande oceano da verdade permanece oculto’.



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