quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A MENTE MEDITATIVA

(31) A MENTE MEDITATIVA (Krishnamurti) (2/08)


(muita atenção!)



A qualidade da mente meditativa é complexa. Devemos examiná-la com atenção e com o propósito de descobrir sua natureza, suas minúcias, sua índole, sua essência; não apenas compreender, mas sentir sua verdade dentro de nós, com todo nosso ser. Talvez, com esforço constante e determinação para esse fim, poderemos ser capazes de ultrapassar a mente superficial, que torna nossas vidas tão vazias – tão dominada que é pelos condicionamentos e hábitos e, por isso, tão sem profundidade.



Mas antes, precisamos reconhecer, por nós mesmos, o quanto somos superficiais. Parece-me que quanto mais superficiais, mais nos tornamos ‘ativos’ (movimentamo-nos de cá pra lá, sem cessar, sempre ‘fazendo’ alguma coisa que julgamos útil) e ‘coletivos’ (agimos como todos os demais agem, em face de nosso condicionamento, regras sociais, cultura, crenças). Colecionamos obras de arte, tagarelamos interminavelmente, freqüentamos bibliotecas, dedicamo-nos a atividades sociais, concertos, conferências, entretenimentos etc. e estamos mergulhados na interminável rotina do emprego e dos negócios. Essas coisas tornam-nos embotados, medíocres e, quando percebemos esse embotamento, procuramos nos mostrar mais eruditos, penetrantes, por meio de palavras, de argumentações, do intelecto, das coisas da mente. Reconhecendo como somos superficiais, tentamos fugir dessa mediocridade, nos entregando à busca do saber, práticas religiosas, orações, jogo, bebida, aventuras, adrenalina, sexo, política; ou nos tornamos ‘idealistas’ etc. Estamos bem conscientes do quanto somos superficiais; de que a mente, que segue um hábito ou pratica uma disciplina a fim de ‘vir a ser algo’, torna-se cada vez mais embotada e estúpida, perdendo toda penetração e sensibilidade. E é dificílimo, a essa mente superficial, acabar com sua própria estreiteza, insignificância e limitações. Você já pensou, alguma vez, nisso?



Este assunto requer, não só certa habilidade intelectual, mas também, uma clara compreensão da linguagem e de suas limitações. E se pudermos entrar em comunhão uns com os outros, não apenas verbalmente, mas ultrapassando (com o sentimento, com profundidade) o símbolo a que a palavra se associa, e assim prosseguir cautelosamente nesse caminho, sem dúvida começaremos a descobrir, por nós mesmos, o que é meditar e qual a qualidade da mente capaz de meditação.



Se não chegarmos a compreender a extraordinária beleza da meditação, por mais que pareçamos inteligentes, prendados, competentes, penetrantes, nossa vida será superficial e sem significado. E, assim, reconhecendo quão pouco significativas são nossa mente e nossa vida, buscamos uma ‘finalidade na vida’, um objetivo, meta ou suposta missão, algo que nos preencha o vazio interior, provocado pela insatisfação que está quase sempre conosco. E, quanto mais ‘grandiosa’ a ‘finalidade’ que escolhemos, tanto mais nobres julgamos nossos esforços. A busca de ‘finalidade’, no entanto, é procedimento totalmente errado. A finalidade nada é. O que existe de importante e extraordinário é viver sem limitações. E, para se descobrir esse estado, requer-se uma mente perspicaz, clara, penetrante e precisa, e não uma mente embotada (defeituosa) pelos hábitos e condicionamentos (ilusões, crenças, opiniões, suposições, cultura...) que dominam nossas vidas.



Não há como negar que nossas vidas são vazias, superficiais, repetições sem fim dos mesmos hábitos (erros, procedimentos, coisas com as quais estamos condicionados). E essa mente supõe que se satisfaz facilmente, mas isso é ilusão pois, mais dia menos dia, surge de novo a insatisfação e a mente procura livrar-se dela, buscando nova finalidade a que se dedicar, modos de preencher o vazio da insatisfação etc. Ao ver-se descontente, põe-se a seguir uma rotina, fixa um ideal, sai atrás do que acha que ‘deveria ser’. E essa mente, não importa o que faça – quer se esteja sentado, a contemplar meditativamente o umbigo, quer meditando acerca do Supremo – permanecerá sempre vazia, porque sua essência mesma é sem profundeza. Uma mente estúpida nunca se tornará uma mente superior. No entanto, ela pode vir a compreender sua própria estupidez; e, no momento em que perceber, por si mesma, o que ela é (estúpida, medíocre, vazia, fútil), sem ficar imaginando o que deveria ser, quebra-se a estupidez. Com esta percepção, toda busca termina. Mas isto não significa que a mente se torne adormentada, estagnada. Pelo contrário; agora é que ela está vendo o que é, em sua realidade; e isso não é mais um processo de busca, mas um processo de compreensão.



A maioria das pessoas está, mesmo inconscientemente, em busca de felicidade, da compreensão, de Deus, da verdade, de satisfação de seus desejos, de amor permanente. Mas a mente que busca é muito superficial; ela apenas sente que tem de buscar ‘algo mais’ para compreender esta confusão que é a vida, para preencher seu vazio interior, sua insatisfação; mas sempre busca usando suas próprias operações limitadas, porque condicionadas. Devemos entender bem este ponto e investigar, ver como são absurdas a mente superficial, suas operações e atividades. Mas, nunca vamos poder penetrar a fundo nessa investigação se continuarmos a pensar em termos de busca, de esforço para descobrir esse algo mais. Ao contrário, necessitamos é de uma mente clara, muito penetrante, sem preconceitos, silenciosa, tranqüila. A mente sem profundeza, que se esforça para se tornar silenciosa, continua sem profundidade. A mente limitada, sempre tão ‘sabedora’, tão cheia de opiniões e crenças, tão sagaz, tão empolgada da ambição de achar Deus, a Verdade, um santo ou o que seja - porque seu desejo é sempre chegar a algo melhor – essa mente continua superficial, porquanto todo esforço é superficial, pois é produto da mesma mente limitada. Essa mente jamais será sensível; é necessário perceber esta verdade. A disciplina, o controle, o uso da força de vontade, o esforço para ‘vir a ser’, o esforço para rejeitar, resistir, cultivar a virtude, reprimir, sublimar, desejar – tudo isso, em essência, constitui a natureza da mente superficial, pois são esforços, tentativas, operações, que ainda só utilizam o conhecimento, a memória, as ilusões, a imaginação, o raciocínio da mente superficial e limitada. Talvez a maioria não concorde com isso, mas tente observar se não é assim. Como a mente limitada poderá agir além de seus limites? Não pode; esse é um evidente fato psicológico.



Ora, quando a pessoa se torna consciente disso, quando percebe essa verdade, realmente e não apenas verbalmente e intelectualmente – e não deixa a mente fazer perguntas sem conta sobre como modificar esse fato, como se libertar de sua superficialidade, de suas limitações, ou delas fugir, esquecer – sendo que tudo isso envolve esforço – reconhece então que nada pode fazer para modificar esse estado. O que pode fazer é apenas perceber, ver as coisas cruamente, tais como são, sem deformação, sem preconceitos, sem invocar opiniões a respeito do fato; isto é, simplesmente observar, testemunhar, sem idéias prévias, limitadoras. E é dificílimo observar pura e simplesmente, pois que nossa mente sempre foi exercitada para comparar, julgar, condenar, competir, justificar ou identificar-se com o que vê. Nunca vê as coisas como são porque sempre colocamos, entre elas e nós, uma cortina de condicionamentos, de conhecimentos adquiridos.



‘Viver com um sentimento’ tal qual ele é – ciúme, inveja, ambição, violência, medo, ódio, amor, seja o que for – ‘viver com ele’ sem o deformar, sem medos, sem emitir opinião ou julgamento, sem preconceitos, sem dele fugir, isso requer uma mente dotada de energia para seguir todos os movimentos do fato. Pois um fato nunca é estático; ele se movimenta, vive. Mas, nós o queremos estático, aprisionando-o com uma opinião, um julgamento (que pode ser apenas fruto de preconceitos ou de crenças que não sabemos se são verdadeiras ou falsas).

Assim, a mente vigilante, sensível, percebe a futilidade de todo esse esforço. Mesmo na educação, o estudante que se esforça para aprender, nunca aprende realmente. Pode adquirir conhecimento, tirar um diploma; mas aprender é coisa que transcende o esforço. Talvez, hoje, possamos aprender juntos, sem esforço, em lugar de ficarmos presos à esfera do conhecimento.

Estar consciente do fato, sem o desfigurar, sem o colorir de acordo com nossas conveniências e medos, sem lhe dar nenhuma tendência; observar a nós mesmos tais como somos, com todas nossas teorias, ilusões, esperanças, desesperanças, sofrimentos, crenças, fracassos e frustrações – isso torna a mente extremamente penetrante. O que torna a mente embotada, superficial, estúpida são as crenças, as religiões, ideais, hábitos, opiniões, ilusões, a busca de seu próprio engrandecimento, de seu próprio ser ou vir a ser. Como disse, para se seguir o fato, requer-se uma mente precisa, sutil, atenta, ativa, porque o fato nunca é estático.



Alguma vez você já olhou um fato, a inveja, por exemplo, seguindo-o, buscando compreendê-o totalmente? Todas as sanções religiosas baseiam-se na inveja, do bispo ao mais humilde clérigo. E toda nossa moralidade social, nossas relações, estão baseadas na aquisição e na comparação, e estas, por sua vez, significam inveja. Percebam isso! E seguir isso até o fim, em todos os seus movimentos, para entender o porquê da inveja (ou de outra coisa qualquer), requer uma mente muito atenta, vigilante e limpa (sem poluição, sem contágio de qualquer espécie).



É muito fácil reprimir o fato, dizendo: ‘Não devo ser invejoso’, ou: ‘Já que estou aprisionado nesta sociedade corrompida, tenho de aceitar esta condição’. Mas, seguir todos os movimentos do fato, cada nuance, cada sutileza – esse ‘processo’ de segui-lo torna a mente sensível, sutil. Se seguimos o fato sem tentar alterá-lo ou colori-lo (com opiniões, crenças, fugas, orações, promessas etc.) veremos que não existirá nenhuma contradição entre o fato, isto é, o que é realmente, e o que deveria ser. Não havendo contradição ou diferença entre o que é e o que deveria ser, nenhum esforço será exigido, pois, se a mente está apenas seguindo o fato, apenas o observando, não estará empenhada em alterá-lo, em torná-lo diferente. Isto também é uma verdade psicológica. E esse seguir o fato deve ser feito a todas as horas, noite e dia, mesmo durante o sono. Pois a atividade da mente, quando o corpo dorme, é muito mais deliberada, positiva, e os resultados dessas atividades nos chegam à mente consciente através de símbolos, sugestões e sonhos.



Se está sempre vigilante, atenta, observando, a cada instante, cada gesto, cada movimento ou reação do pensamento (auto-observação), a mente pode, então, vir a ultrapassar a própria consciência.



Para se descobrir o que é a verdade, Deus, ou o nome que preferirmos, é absolutamente necessário ter uma mente lúcida – não no sentido de talentosa, intelectual, argüitiva; mas ter uma mente capaz de, sem qualquer preconceito, raciocinar, examinar, questionar, duvidar, negar, indagar e investigar, a fim de descobrir. A mente que tem fronteiras, restrita, condicionada, limitada, não é sensível, pois não é livre. O nacionalista, o crente, o religioso etc. não têm uma mente sensível, livre, porque sua crença, seu nacionalismo lhes limita a mente. Assim, no seguir, apenas, o fato, a mente se torna sensível. O fato a torna sensível e não há necessidade de fazermos, por nosso esforço ou vontade, que ela se torne sensível.



Se isso está mais ou menos claro, qual é então a natureza da beleza que essa mente descobre? Para a maioria de nós, a beleza reside nas coisas que percebemos com os sentidos objetivos (visão, audição, tato etc.) – um quadro, uma melodia, um poema, uma sinfonia, uma árvore, uma flor, o pôr do sol, o mar imenso, um sorriso de criança etc. E existe, para nós, a negação da beleza, a reação à beleza, que é o dizermos ‘isto é feio’. Mas a mente sensível é sensível tanto para o feio quanto para o belo (certo ou errado) e, por conseqüência, (por não julgar, não comparar, coisas que são interferência do ‘eu’), não há nenhuma busca daquilo a que chama belo, e nenhuma rejeição àquilo que chama feio. E, com essa mente vamos descobrir que existe uma beleza inteiramente diferente das avaliações (percepções, interpretações) feitas pela mente limitada. Você deve saber que a beleza requer simplicidade, e a mente muito simples, que vê os fatos tais como são, sem julgá-los, conceituá-los, compará-los, é uma mente muito bela, simples (pura, limpa, inocente). Mas não podemos ser simples se não houver passividade e não há passividade se não houver austeridade. Não me refiro à austeridade da tanga, das longas barbas do monge, do tomar uma só refeição por dia, porém à austeridade da mente que se vê e se percebe como é (limitada, finita, preconceituosa, medíocre), e segue infinitamente aquilo que vê. E esse seguir é passividade, porquanto a mente não mais está apegada, não mais está comparando, fugindo, julgando; está apenas observando. A mente tem, portanto, de ficar totalmente passiva para poder ver ‘o que é’.



Assim, para se ver realmente a beleza se requer a paixão da austeridade. Já vimos o que é austeridade; e necessitamos evidentemente da paixão para sentirmos a beleza. Necessita-se de intensidade e de penetração. A mente embotada não pode ser austera, não pode ser simples, pura, livre (está cheia de amarras, apegos, crenças, opiniões, ilusões, desilusões, dependências, esperanças, desesperanças) e, por conseguinte, é sem paixão. E é na chama da paixão que se percebe a beleza, que se pode ‘viver com a beleza’.



Talvez tudo isso, para você, não passe de meras palavras para serem, mais tarde, lembradas. Mas não há ‘mais tarde’. Isso tem de acontecer agora, enquanto conversamos, enquanto estamos em comunhão uns com os outros. E esse percebimento da beleza não reside apenas nas coisas – obras de arte, céu, noite estrelada – pois começamos, também, a descobrir a beleza da meditação, e a intensidade e a paixão da mente meditativa (a beleza em tudo).



Vamos, agora, falar sobre a meditação, porque ela é extremamente necessária e estamos aqui lançando suas bases. Para a meditação necessita-se de uma mente capaz de permanecer em silêncio – não uma mente forçada ao silêncio por meio de força de vontade, de artifícios, disciplina, controle, persuasão, repressão -, porém uma mente completamente tranqüila. Isso é absolutamente essencial à mente que deseja entrar num estado de meditação. Por conseguinte, a mente deve estar libertada de todos os símbolos, palavras, idéias, crenças, opiniões, vínculos. A mente é escrava das palavras, não é? Os ingleses são escravos da palavra ‘rainha’, os religiosos são escravos das palavras Deus, Buda, céu, pecado, carma etc. A mente repleta de símbolos, palavras, idéias, opiniões, é incapaz de estar em silêncio, quieta. Emaranhada em seus pensamentos, nunca está tranqüila. Essa tranqüilidade nada tem a ver com estagnação, com um estado ‘em branco’, ou de hipnose; contudo pode ser alcançada ‘no escuro’ (vazio), inesperadamente, sem volição e sem desejo, quando compreendemos inteiramente o ‘processo’ do pensamento.



O pensamento, afinal de contas, é apenas reação da memória; e a memória é resíduo da experiência; e o resíduo da experiência é o ‘centro’, o ‘eu’. Assim se forma o ‘eu’, que é, então, essencialmente acumulação de experiências passadas (uma coleção de memórias produzida pelas experiências que deixaram marcas), em relação tanto à coletividade como ao indivíduo. Desse centro, emana o pensamento; e esse processo precisa ser completamente compreendido; isso é ‘autoconhecimento’. Sem autoconhecimento, consciente e inconsciente, a mente nunca estará tranqüila. Só poderá hipnotizar-se para tornar-se tranqüila, mas isso é infantil, imaturo e nunca definitivo.



O autoconhecimento, portanto, é necessário e urgente, porque a mente que conhece a si mesma e a todos seus artifícios e artimanhas, imaginações e atividades, pode então chegar, sem esforço, sem exigência, sem premeditação, ao estado de completa quietude. Conhecer a si mesmo é conhecer a totalidade do pensamento e saber como este cria coisas, como divide a si próprio em ‘eu superior’ e ‘eu inferior’. É o percebimento da totalidade desse movimento de experiência, memória, pensamento. É isso que dá o percebimento do centro, do ‘eu’, que se torna pensamento, memória e experiência; e a experiência, por sua vez, se torna memória mediante o ulterior condicionamento da experiência. Portanto, o eu, o ego, não tem realidade; é apenas um feixe de memórias selecionadas.



Espero que você esteja me seguindo. Se você se observar atentamente, poderá perceber isso. O centro nunca é estático. O que era centro se torna experiência, e a experiência se torna centro e o centro se transforma em memória. É tal como causa e efeito: causa se torna efeito e efeito se torna causa. E esse processo não é só consciente, mas também inconsciente. O inconsciente é o resíduo da raça, do homem ocidental e oriental. Essas tradições herdadas, no encontro com o presente se transformam noutras tradições. Para perceber as múltiplas camadas do inconsciente e seu movimento, necessita-se de uma mente bem penetrante, viva e atenta, que nunca esteja, nem por um momento sequer, a buscar segurança, conforto, preenchimento do seu vazio. Porque, no momento em que busca segurança ou conforto, está tudo acabado; estamos de novo atolados, aprisionados (porque a mente não está mais livre, mas apegada a seu objetivo ou desejando fugir do que é). A mente, apegada na segurança, no conforto, num padrão, numa crença, em ilusões, em coisas que julga sejam verdades, num hábito, não pode ser ágil, livre, porque quem está apegado é escravo do seu apego.



Eis, pois, o que é o autoconhecimento; e conhecer a si mesmo significa descobrir (compreender) o fato e seguir o fato sem nenhum interesse em modificá-lo. E isso requer atenção. Atenção é uma coisa e concentração é coisa muito diferente. A maioria dos que desejam meditar espera adquirir o poder da concentração. Todo colegial sabe o que é concentração. Ele deseja olhar pela janela e o mestre lhe diz: ‘olha para seu livro’; e trava-se uma batalha entre o desejo de olhar pela janela e a compulsão do medo, da competição, que o força a olhar para o livro. Concentração, pois, é uma forma de exclusão; excluímos tudo, menos aquilo em que estamos concentrados. E, embora em tal processo, você pode se tornar perspicaz, sua mente continua ainda muito limitada. Tenha a bondade de acompanhar isso que exponho, sem aceitar nem rejeitar; simplesmente observando.



A mente que se limita a se concentrar conhece a distração; mas, a que está atenta, não tolhida pela concentração, não conhece distração. Tudo, então, é movimento vivo. Compenetre-se bem disso e você verá como lançará fora toda a carga de crenças, opiniões, mandamentos religiosos, que lhe foi imposta; você olhará a vida de outra maneira. A vida torna-se, então, em algo extraordinariamente significativo, em algo extraordinariamente maravilhoso – o verdadeiro viver, que não é tentar fugir, esquecer, substituir, sofrer, duvidar.



Quando se dá um novo brinquedo a uma criança, cessa completamente seu desassossego e ela se torna quieta, toda absorvida no brinquedo. E o mesmo acontece conosco; temos também nossos brinquedos: mestres, salvadores, obras de arte, ideais, crenças, religiões, suposições, filosofias; e, neles se absorvendo, a mente se torna quieta. Mas, essa absorção é morte para a mente, ilusão temporária porque, logo mais, ela necessitará de outros brinquedos que a satisfaçam.



A atenção não é nem semelhante, nem o oposto da concentração e, por conseguinte, não tem relação com a concentração. Atenção é estar a mente consciente de cada movimento que se verifica dentro e fora dela mesma. Significa, não só ouvir os barulhos do tráfego, mas também o que se está dizendo, o que está vendo, ouvindo, degustando, cheirando, tocando; estar consciente da sua reação ao que todos seus sentidos objetivos estão captando, mas consciente sem escolha (de sua reação interior àquilo que seus sentidos objetivos percebem do mundo exterior, sem se prender ao que considera mais belo, mais agradável, ou mais feio, certo, errado etc., pois que isso é exclusão, concentração) para que não haja limitações à mente. Quando a mente está atenta dessa maneira, a concentração terá, então, significado completamente diferente; a mente pode, agora, se concentrar em qualquer coisa, objeto ou evento, mas tal concentração não exige qualquer esforço, pois já não existe mais julgamento, comparação, apego, medo etc. que tenhamos de afastar para perceber; não é, também, exclusão, porém é parte do percebimento total. Você está compreendendo?



Essa atenção é bondade, é virtude; e nela se encontra o amor e, portanto, aconteça o que acontecer, aí não pode existir o mal. O mal só existe onde há dúvida, escolha, medo, conflito, ilusão etc. E a mente atenta, completamente consciente de si mesma e de todas as coisas que se passam nela própria, é capaz de transcender a si própria.



A meditação, pois, não é um ‘processo’ de ‘saber meditar’, de ser ensinado ou de aprender a meditar. Isto é completamente infantil, pois daí nasce o hábito e todo hábito faz a mente embotada, aprisionada em seu próprio embotamento (condicionamento); com o hábito você poderá ter visões do Cristo, ou dos deuses de sua crença, ou do que quer que seja, mas, com certeza, sua mente continuará condicionada. O cristão pode ter visões de Jesus, e os demais poderão ter visões de seus deuses e santos prediletos. A mente meditativa não é imaginativa; portanto, não tem visões. O que ela ‘vê’ é o que é, é o Real.



Assim, quando a mente, depois de agitar-se inutilmente no círculo fechado de seus próprios movimentos limitados, começa a seguir, sem esforço, o movimento de seus pensamentos, a amar o seu centro, seu movimento, suas experiências, só então é capaz de compreensão, de permanecer quieta, pronta (Krishnamurti: arrume o aposento e deixe portas e janelas abertas; assim, a qualquer momento, a coisa poderá entrar).



Agora, um momento. Posso comunicar-lhe verbalmente o que então sucede, mas isso é muito sem importância (‘irrelevante’, disse o Buda), porque você é que tem de descobrir isso. Você deve chegar àquele estado de silêncio, abrindo você mesmo a porta. Se outro lhe abre, ou procura ajudá-lo a abri-la, então esse outro se torna sua autoridade e você seu seguidor; você ficará dependendo desse outro. E isso, por conseguinte, significa morte para a verdade; morte para a pessoa que diz que ‘sabe’, e morte para aquele que pede ‘ensine-me’. A ânsia de saber gera a autoridade, dependência, apego; e a mente continua condicionada.



Eu ´lhe exponho tudo isso, não com a intenção de convencê-lo, ou estimulá-lo, de demonstrar-lhe algo, ou coisa parecida, mas, sim porque, quando o compreender, você verá a relação existente entre o tempo e espaço.



Quando a mente está completamente livre de barreiras, limitações, acha-se então num estado de plenitude; e nessa plenitude, está vazia; e esse vazio pode conter o tempo – tempo como espaço e distância; tempo como ontem, hoje e amanhã. Mas, não havendo aquele vazio, não há tempo, nem espaço nem distância. E, quando a mente descobre isso, quando o experimenta, não apenas verbalmente, intelectualmente, ou como coisa lembrada, mas verdadeiramente – ela sabe, então, o que é criação – criação e não coisa criada. E você verá então que, ao dobrar uma esquina, ao passar por belos campos ou por uma rua imunda, ou que quer que seja, sempre se encontrará (estará) com o Eterno.



A mente, pois, jornadeou pelo seu próprio interior, pelas últimas profundezas de si própria. Esta jornada não é semelhante à viagem à Lua num foguete, o que é relativamente fácil, mecânico; e a jornada interior, a visão interior não é mera reação ao exterior. Tudo é um só movimento: interior e exterior. E, quando há essa visão profunda, interior, essa atenção, essa percepção interior, a mente, então, não está mais separada do Sublime. Por conseguinte, toda busca, toda ânsia, tudo terminou.



Por favor, não se deixe influenciar ou hipnotizar por minhas palavras. Se está influenciado, você não poderá saber, por si mesmo, o que é o amor. A influência, a hipnose, como já vimos, nos prendem ao influenciador, ao hipnotizador, que se torna autoridade para nós e a ele nos apegamos, porque passamos a depender dele.



A meditação é o descobrimento dessa coisa extraordinária que se chama Amor.

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