sexta-feira, 22 de julho de 2011

(29) REFLEXÕES SOBRE A MORTE

(29) REFLEXÕES SOBRE A MORTE


(Krishnamurti, do livro ‘Reflexões sobre a Vida’).

(P = pergunta; K= resposta de Krishnamurti)

(leia com atenção)


P. Muitas escrituras, culturas e crenças falam da ‘morte’. As concepções cristãs, islâmicas e outras sobre a morte são muito superficiais. As teorias e doutrinas, sobre esse assunto, mesmo as explicadas por mestres e instrutores religiosos, não são, absolutamente, satisfatórias. A questão não é apenas o medo da morte, o medo de não ser (mais nada), mas, também, o que acontece depois da morte. Isso sempre foi um problema para o homem, em todos os tempos, e ninguém parece tê-lo resolvido até agora. Que dizeis?


K. Consideremos primeiramente o nosso impulso de fugir ao fato da morte através de certas crenças, como a ressurreição (no Ocidente) e a reencarnação (no Oriente), ou através de outras cômodas racionalizações (céu, paraíso, inferno, o fim último de todas as coisas etc.). Nossa mente tem tanta ânsia de achar uma explicação satisfatória para a morte que, com muita facilidade, descamba para a ilusão, desta ou daquela espécie ou facilmente crê nas poucas (e vagas) explicações que as religiões populares nos dão. A esse respeito é necessário que sejamos muito cuidadosos.


P. Mas, é essa, exatamente, a maior dificuldade. Ansiamos por alguma espécie de certeza, principalmente da parte daqueles que julgamos sabedores ou experientes no assunto; e, quando não achamos tal certeza, produzimos ou aceitamos, em virtude de nosso desespero ou esperança, nossas próprias e confortantes teorias e crenças. Assim a crença ou a teoria, por mais irracionais, absurdas, incoerentes ou disparatadas que sejam, se tornam necessidades para nós.


K. Por mais satisfatório que seja nosso meio de fuga, ele não traz nenhuma compreensão do problema. O medo é a causa da fuga. O medo surge do nosso desconhecimento do que seja a morte, e traz o movimento da fuga ao fato, ao que é. A crença, por mais confortante que seja, contém a semente do medo (porque, não sendo fruto de nossa experiência, sempre restarão dúvidas). Fechamo-nos (e fugimos) ao fato da morte porque não queremos olhá-lo de frente (o homem sempre teme o desconhecido, e a razão disso é porque teme o conhecido), e as crenças e teorias oferecem uma solução muito simplista do problema. Portanto, se a mente quer descobrir o extraordinário significado da morte, terá de afastar (em primeiro lugar), mas sem esforço e sem resistência, a ânsia por uma esperança ou teoria confortante. Isso é evidente.


P. Mas, isso não é exigir demais? Para compreendermos a morte, precisamos estar em desespero (já que devemos afastar de nós qualquer esperança)! ?


K. De modo nenhum. O desespero só existe quando não existe esperança? A esperança nada mais é do que ilusão. Porque pensar sempre em opostos? A esperança será o oposto do desespero? Se for, então a esperança contém a semente do desespero, a semente do medo. Se queremos ter compreensão, não é necessário estarmos livres dos opostos (pois só trazem dúvidas, incertezas, conflitos, sofrimento)?
O estado da mente é de suma importância. As atividades da mente com relação ao desespero ou esperança impedem a compreensão da morte (pois que a mente estará em confusão, em atividade, em conflito, se esforçando para compreender).

Para que nos venha a compreensão, o movimento dos opostos (o movimento da mente) deve cessar (todos nossos pensamentos, raciocínios, linguagem, são baseados nos opostos, como também o é o desejo, medo, inveja, ambição, insatisfação, vontade, decisões). A mente tem de considerar o problema da morte com um percebimento totalmente novo (já que a morte é o novo, o desconhecido), livre do processo já nosso familiar – o processo do reconhecimento.


P. Percebo a importância da mente se livrar dos opostos, embora julgue isso extremamente difícil. Mas, o que significa ‘ficar livre do processo do reconhecimento’?


K. O reconhecimento é o ‘processo do conhecido’, produto do passado (só reconhecemos aquilo que já é nosso conhecido, o que já está na memória). A mente tem medo daquilo com que não está familiarizada. Se conhecêsseis a morte não lhe teríeis medo, não necessitaríeis de artificiosas explicações. Mas, não se pode reconhecer a morte, porque ela é uma coisa totalmente nova, nunca experimentada antes. O que se experimenta se torna ‘o conhecido’, o passado, e é desse passado, desse conhecido que provém o reconhecimento. Enquanto houver esse movimento, de reconhecimento, vindo do passado, não existirá ‘o novo’.

O que estamos explanando, juntos, não é uma coisa que é para ser meditada depois, amanhã, mas que deve ser experimentada diretamente, agora, à medida que vamos prosseguindo. Essa experiência não pode ser armazenada, porque, se armazenada, seja ela o que for, ela sofrerá a interferência do ‘eu’ (com seus raciocínios, associações, comparações, crenças, opiniões, suposições), ela se tornará memória, e a memória, o principio do reconhecimento, barra o acesso ao ‘novo’, ao ‘desconhecido’. A morte é o desconhecido. O problema não é saber o que acontece após a morte, vede bem, mas de purificar (limpar) a mente do passado, do conhecido. Poderá, então a mente ingressar, viva, na ‘mansão da morte’, conhecer a morte, o desconhecido.


P. Estais afirmando que é possível conhecer a morte mesmo quando ainda estamos vivos?


K. Um acidente, uma doença, a velhice, produzem a morte. Mas, em tais circunstancias uma pessoa não está plenamente lúcida. Há dor, esperança ou desespero, medo do isolamento, medo do nada, medo de deixar para trás tanta coisa que acumulou na vida, e a mente, o ‘ego’, está, consciente ou inconscientemente, a batalhar contra a morte; isso é inevitável. Com medrosa resistência à morte vamo-nos desta vida. Mas, é possível – sem resistência, sem morbidez, sem impulsos sádicos ou suicidas – enquanto ainda estamos cheios de vitalidade, com a mente vigorosa – é possível entrarmos na ‘mansão da morte’? Isso só é possível quando a mente morre para o conhecido, o ‘eu’. Nosso problema, portanto, não é a morte; o problema é a mente libertar-se dos séculos de experiência psicológica acumulada, libertar-se da memória, com sua carga crescente que fortalece o ‘eu’ e o torna, cada vez, mais requintado.


P. Mas como fazer isso? Como pode a mente libertar-se dos grilhões que ela mesma criou (pois foi a mente que, pela genética, cultura, costumes, crenças, opiniões, associações se fez como é hoje)? Parece, então, que, para purificar a mente do passado, se torna necessário, ou a ação de algum agente externo ou a intervenção da parte mais nobre de nossa mente. É isso?


K. Esta é uma questão complexa. O agente externo seria, ou a influência do ambiente, cultura, crenças (o condicionamento), ou algo existente além dos limites da mente. Se o agente externo for a influência do ambiente, acontece que é essa mesma influência que, com suas tradições, crenças e culturas, tem mantido a mente na escravidão em que se encontra, que fez da mente o que ela é hoje. Se o agente externo é algo que existe além da esfera da mente, é bem evidente, então, que o pensamento, ou o raciocínio, ou a imaginação (que são operações e produtos da mente, do ego, do passado) não podem, de modo nenhum, alcançá-lo (pois esse algo estará além dos limites da mente).

O pensamento é produto do tempo; está ancorado no passado, e não pode, em tempo algum, existir livre do passado. Se o pensamento se liberta do passado, deixa de ser pensamento (não há mais pensamento, pois o pensamento é totalmente baseado nas experiências do passado). Especular sobre o que existe além da esfera da mente é apenas fantasiar. Para a intervenção daquilo que se acha além do pensamento, além do ego, é necessário que o pensamento - o ‘ego’, o ‘eu’ – deixe de existir. A mente deve estar, totalmente, imóvel (sem operações), vazia, tranqüila - com a tranqüilidade da ausência de ‘motivo’ (que é toda idéia, necessidade, emoção, desejo ou estado que impele a se realizar uma determinada ação). A mente não pode atrair Aquilo a si. A mente pode dividir, e de fato divide, a sua esfera de atividades, classificando-as em nobres ou ignóbeis, desejáveis ou indesejáveis, boas ou más, superiores ou inferiores, mas todas essas divisões e subdivisões estão dentro dos limites da própria mente; e, assim, todo movimento da mente, em qualquer direção que seja, é reação do passado, do ‘eu’, do tempo. Esta verdade é o único fator de libertação, e aquele que não a percebe permanecerá na sua escravidão, sem liberdade, não importa o que faça. Suas penitências, votos, disciplinas, religiões, crenças, estudos, orações, suposições, raciocínio, sacrifícios e controles poderão ter uma significação sociológica, psicológica, confortadora, mas nenhum valor têm com relação à verdade libertadora.

Orações, promessas, emoções, imaginações, raciocínio, opiniões, tentativas de compreender, leituras e ensinamentos não levam à verdade; nem as expectativas, nem as lembranças. São apenas ‘dedos apontando para a lua’; o que leva à verdade é o esvaziamento da mente, do cérebro de qualquer vestígio do passado, de qualquer vestígio do ‘eu’. Só assim saberemos o que é a morte.
(Para que cesse qualquer vestígio do passado, do ‘eu’, faz-se necessária a meditação; só, então, podemos vir a perceber o ‘novo’, o desconhecido que é a morte porque, na meditação, o ‘eu’ cessa, deixa de existir; e, quando o ‘eu’ deixa de existir, significa que a morte chegou, não a morte fisiológica, mas a morte do ‘ego’, que é, apenas, passado).
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