quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

PORQUE SOMOS BONS, PORQUE SOMOS MAUS?

Amigos

Comentários a uma carta recebida de um amigo:

O amigo:

“Quer dizer que se o homem é mau isso se deve às experiências pelas quais passou desde que veio à existência, e se o homem é bom, isso também se deve às experiências vividas desde que veio à existência?”

Resposta: mas é evidente; se não fosse assim de onde lhe viriam a maldade ou a bondade? Todas as experiências significam aprendizado que o influenciam, levando-o a ser o que é (junte-se a essas experiências a genética que também influencia no seu crescimento fisiológico e moral/psicológico). Não fosse assim, o que é que faria o homem ser bom ou mau? Sua vontade? Não pode ser, pois a vontade também é fruto da compreensão, por sua vez construída pelas influencias advindas de todo o seu passado; logo, sua vontade, no sentido do bem ou no sentido do mal, é conforme a vida o moldou, desde que veio à existência até este presente momento. A vontade é, portanto, também conseqüência das experiências que teve.

Amigo: (aqui, o amigo relata a história de pessoas que, influenciadas pelo ambiente doméstico, ou por outros fatores, com os quais conviveram longo tempo, nem por isso seguiram os exemplos bons ou maus de genitores ou familiares ou de quem seja).

Resp: Isso que você relata é verdade e não é raro; contudo, é preciso ver que as influências que modelam, que marcam o homem, que o constroem e fazem que ele seja o que é, não se restringem às experiências só da convivência familiar, ou de experiências adquiridas em algumas outras situações. As experiências/influências vêm de “todos” os eventos, em qualquer tempo e lugar, das ações externas percebidas pelos órgãos de relacionamento com o mundo, das reações internas à essas ações externas, associações etc. Concorda?

Amigo:

“Onde ele aprendeu essas coisas, a vida o ensinou? O que lhe faltou? Sabedoria?”

Resp: se não foi a vida que o ensinou, meu amigo, quem foi? Onde ele aprendeu essas coisas? Se não foi no mundo, terá sido antes de vir ao mundo, certo? Então, criatura divina que ele é, teria sido criada por Deus e vindo já à existência com o mal em sua natureza. Se veio já com esse “defeito”, isso apenas mostra que a criação divina o fez assim, e nenhuma responsabilidade ou culpa lhe cabe por seus “pecados”. Qual será seu demérito que o faça ser submetido à justiça divina e o leve a ser, após a morte, condenado a alguma espécie de castigo, se já veio à vida com o mal em sua natureza? Agora, se lhe faltou sabedoria, é evidente que sim. Se fosse sábio, conheceria as conseqüências de seus pecados e, evidentemente, não pecaria. Se o homem sabe que sofrerá por seus pecados somente os cometerá se for ignorante, ou se estiver naquela condição de dementado, como vimos anteriormente.

Amigo:

“Será que o homem já nasce pré-determinado?”

Resp: você mesmo pode responder essa pergunta: se não é, como me parece você está sugerindo, a vida que o fez o que é, quem o fez? Há, aquém ou além da vida, alguma coisa mais que possa levar o homem a ser bom ou mau? Não é uma predestinação, mas um processo, de instante a instante, no qual o homem é levado, pelo fluir incerto da vida, a ser moldado, a se transformar e a vir a ser o que é, também de instante a instante.

Amigo:

“Mas, todos nós temos a liberdade de escolha; assim podemos escolher o caminho que desejamos seguir, mas devemos ter algo em mente e em nossas ações: nem todo o caminho é o caminho correto”.

Resp: e porque, se como você diz temos liberdade de escolha, escolhemos tantas vezes o mal? O amigo já fez uma análise séria e profunda dessa liberdade de escolha? Existe realmente uma escolha de fazermos isto ou aquilo, ou toda escolha está, também, , e totalmente presa, às experiências da vida, às experiências do passado? A capacidade de escolha é mesmo livre? Vamos procurar ter uma idéia.

Como, pelas doutrinas cristãs, não pode ser Deus o causador do sofrimento do mundo e dos erros ou “pecados” dos homens, e como o representante do mal, o tentador, o diabo, há muito saiu de cena, chegou-se à conclusão “lógica” e “inescapável” de que a criatura divina procedente de Deus é a causa de todos os males; que, se o homem sofre, é porque agiu erradamente, pecou; se é feliz, é porque agiu acertadamente, não pecou. O mal não pode proceder de Deus, mas pode proceder da criatura divina que procede de Deus! No entanto, procedendo de onde for, tem o beneplácito, o consentimento, a aprovação do Criador, sem o qual nada se faz.

O homem sofre e faz que outros sofram quando peca, quando age erradamente. Mas, qualquer tentativa de explicar que será condenado por isso, que haverá sofrimentos decorrentes da “condenação” por seus “pecados” (provenientes, é evidente, de seus desacertos na vida de relacionamento), sofrimentos que podem durar a eternidade, não cabe dentro da idéia de um Criador onisciente, onipotente e de infinitos amor e justiça; de um Criador que, por sua onisciência, sabe, desde sempre, quando, onde, como, em que circunstâncias “cada uma”, uma a uma, das divinas criaturas dele procedentes, por ele planejadas, produzidas, criadas e lançadas ao mundo entre outros bilhões, fará de incorreto, “pecará”, ou fará de correto, relativamente às suas leis ou às leis da vida; sabe, também, o que, cada uma, uma a uma, individualmente, sofrerá devido a seus pecados. Tanto que, de antemão, também criou leis com normas punitivas, para a expiação desses pecados, expiação que durará por algum tempo ou para sempre.

Seria, numa simples comparação apenas para ajudar a refletir, como o fabricante de brinquedos que, mesmo com total e absoluta certeza de que o brinquedo de sua fabricação, vai apresentar defeitos destrutivos, maléficos e, por isso, será perigoso, destruirá, matará, produzirá tantos e tão terríveis sofrimentos, tragédias e desgraças, assim mesmo o produz e o entrega às crianças. Quando surgem as conseqüências dos defeitos, os “pecados”, e os conseqüentes sofrimentos, quem é o responsável? O brinquedo ou o fabricante?

E a liberdade de escolha, existe realmente? O que é a escolha senão a opção apoiada naquilo que a escola que é a vida já ensinou? Veja só um exemplo simples de como não existe liberdade de escolher: você caminha por uma estrada que, de repente, se bifurca; por qual das duas vai continuar? Você não decide ou escolhe como num jogo de cara-ou-coroa, nem num estalar de dedos. Sempre vai analisar, por mais simples que essa analise seja, qual a estrada a seguir; a mais vantajosa, a mais sombreada, a que tem menos obstáculos a transpor. E porque você faz essa analise? Porque, pelas experiências anteriores de sua vivência de todos os dias, você já aprendeu alguma coisa; aprendeu que é mais vantajoso continuar por aquela cuja ponte está intacta, pela mais sombreada, pela cujo pavimento é melhor, pela mais curta etc. Só não faz essa análise o ignorante, o que está desesperado, dementado, descontrolado e, por isso, pode até continuar sua marcha pela estrada pior, ou cometer absurdos, como vemos no mundo. Mas esse não tem controle, não raciocina, é ignorante.

Até para escolher entre guloseimas, analisamos: se o apetite é grande, a maior; se não, a que nos parece mais saborosa, bonita, ou qualquer uma, se por curiosidade etc.

Portanto, liberdade de escolha é utopia; a escolha nunca é ; está sempre totalmente ao conhecimento, à compreensão anterior, que já temos das coisas e do mundo. Todas as escolhas que fazemos e todas as decisões que tomamos estão totalmente presas ao nosso passado, ao conhecimento já adquirido nesta escola que é a vida, escola do bem e do mal. Do mesmo modo acontece em todos os aspectos da vida individual ou coletiva. Sempre, qualquer decisão, ou escolha, por mais simples e inocente que seja, ou por mais complexa e arriscada (desde a simples compra de um objeto, um lápis, por exemplo, até uma declaração de guerra) depende totalmente da experiência anteriormente adquirida. Não escolhemos livremente. Talvez, por isso o apóstolo Paulo tenha afirmado: “É o Senhor que opera em nós o pensar, o querer e o fazer” e, ainda: “Não é por vossas obras que sereis salvos, mas pela graça de Deus”. Pense nisso!

Por essas coisas, percebemos que é preciso de, urgente e necessariamente, repensar as concepções religiosas. Ou todos vamos permanecer cheios de ilusões, remorsos, esperanças e, sobretudo, culpas e medos, pois vivemos dentro dessa tremenda ilusão de que a criatura divina é culpada ou responsável pelos males do mundo e que será, pelos seus pecados, sentenciado e condenada a penas dolorosas e longas.

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